Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Plínio Bortolotti

‘No dia 21 de novembro os jornais noticiaram a assinatura de um protocolo de intenções entre a Companhia Vale do Rio Doce e a coreana a Dongkuk Steel Mill para a construção da Companhia Siderúrgica do Pecém (CSP). A empresa surgiu para substituir a Ceará Steel, negócio descartado devido ao impasse nas negociações em torno do preço do gás natural, que seria fornecido pela Petrobras. A partir de então, O Povo e o Diário do Nordeste publicaram matérias sobre uma suposta dívida, em torno de R$ 300 milhões, que o governo do Estado passou a cobrar da Petrobras, devido a investimentos em infra-estrutura e isenções fiscais que o Ceará teria feito para possibilitar a instalação da Ceara Steel.

Se no começo os dois jornais eram concordes em reproduzir as declarações de representantes do governo do Estado a respeito da suposta dívida, chegou um momento em que as notícias começaram a ficar contraditórias. Quem lesse O Povo seria informado que a Petrobras reconhecia a dívida; os leitores do Diário do Nordeste ficariam sabendo que a Petrobras dizia nada dever ao governo do Ceará. Quem lesse os dois jornais ficaria sem entender nada. As duas matérias mais significativas dessa primeira parte do embate são estas. O Povo (24/11): ‘Petrobras reconhece dívidas de R$ 308 milhões’, com o texto reproduzindo declarações de representantes do governo do Estado dizendo que a Petrobras havia assumido a dívida com o Ceará. No Diário do Nordeste (30/11), com o título ‘Petrobras não pretende devolver valores ao Ceará’, escreveu-se: ‘Em nota divulgada à imprensa a Petrobras afirmou, ontem, não haver nenhuma previsão de devolução de valores que por ventura o governo cearense alegue ter o direito de receber’.

Mas o segundo round da teima entre os jornais teria continuidade na edição de 1º/12, com informações colhidas por jornalistas de ambos os matutinos enviado ao Rio para cobrir evento da Petrobras. O Povo titulou ‘Petrobras está disposta a negociar’, com o seguinte texto: ‘O presidente da Petrobras, Sérgio Gabrielli, afirmou pela primeira vez que a estatal está disposta a negociar a dívida com o Governo do Ceará […]. No entanto, Gabrielli diz que o Governo cearense não o procurou para comunicar nenhuma dívida e que não tem conhecimento sobre o assunto’. O Diário do Nordeste, a respeito das mesmas declarações, sob o título ‘Gabrielli afirma desconhecer dívida com o CE’, escreveu: ‘‘O governo do Estado nunca nos procurou para comunicar nenhuma dívida. Estou surpreso porque não estou informado sobre essa dívida’, reagiu ontem, o presidente da Petrobras Sérgio Gabrielli, ao afirmar que a estatal não reconhece nenhum débito para com o governo do Ceará, por nunca ter sido procurada para negociar’.

Depois de alguns comentários internos abordando o assunto, fui procurado pela editora-executiva do Núcleo de Negócios (Economia), Neila Fontenele; pela editora-adjunta Ana Cristina Cavalcante e pelo repórter Oswaldo Scaliotti, envolvidos diretamente na cobertura: tivemos uma longa conversa. Expus-lhe o entendimento que cada jornal aferrara-se a uma tese e, repetidamente, procurava confirmá-la, pinçando dados que atendessem a hipótese defendida, descartando aquilo que a desfavorecia. Deixou-se de lado a análise dos fatos, levou-se à simplificação um assunto complexo. Disse também aos jornalistas que enviara um pedido de informação diretamente à Petrobras, o que o Núcleo de Negócios também já fizera, com perguntas bastante parecidas.

Segundo se pode depreender das respostas, cujo e-mail, com ‘informações oficiais da companhia’, foi assinado pela assessora de imprensa da Presidência da Petrobrás, Mirian Guaraciaba, os fatos concretos talvez se encontrem selecionando uma ou outra informação de cada jornal. Mas não é assim que se produz uma notícia: como o leitor saberá o que pinçar para saber a verdade?

Dois são fatos relevantes nas respostas: 1) a Petrobras nega ter emitido ‘qualquer nota oficial’ dirigida ao Diário do Nordeste a respeito do assunto; 2) a resposta da empresa derruba a tese de que a Petrobras teria reconhecido a dívida, como insistiu O Povo. Respondendo diretamente à pergunta se a empresa reconhecia a dívida cobrada pelo governo do Estado, a empresa escreveu: ‘Mesmo não reconhecendo quaisquer dívidas, a Petrobras está sempre pronta a analisar quaisquer pleitos do Governo do Ceará’. Ou seja, não reconhece o débito, mas se a conta for apresentada ela ‘analisa’. O que a empresa reconhece, sem subterfúgios, é o seguinte: ‘Os protocolos assinados entre Petrobras e governo do Ceará [durante as negociações sobre a Ceará Steel] tratam de contribuições mútuas para benefícios mútuos, sem que subsista qualquer obrigação da Petrobras ou do Estado do Ceará em decorrência deles’.

Na edição de ontem os leitores devem ter visto matéria na editoria de Economia sobre o assunto. Não li os textos, pois concluo a coluna na sexta-feira. (Veja a resposta completa da Petrobras neste endereço http://www.opovo.com.br/opovo/colunas/ombudsman/750782.html)

É necessário um esclarecimento. Senti na pele o quanto é difícil tirar uma informação concreta da Petrobras, como já me haviam alertado os jornalistas que cobrem o assunto. Quando percebi a contradição nos jornais, entrei em contato com a Gerência de Imprensa da empresa para obter esclarecimentos. Por telefone, falando com pessoa encarregada do assunto, só obtive respostas evasivas; mandei um e-mail e não recebi retorno. Não seria improvável que nessa situação funcionários da empresa possam ter emitido declarações dúbias e contraditórias a repórteres de ambos os jornais. Só consegui atendimento ao apelar diretamente à assessora de Imprensa da Presidência.

O contexto no qual trabalha o jornalista também precisa levar em conta quando escreve. Quando não consegue respostas concretas, quando sente a indecisão, o melhor é ser cuidadoso, descrever declarações sem querer adivinhar o seu significado; informar o leitor sobre o ambiente em que se move. É melhor levar um furo, como se diz no jargão jornalístico, do que dar informação errada. Como ensina Gabriel García Márquez, tão bom jornalista quanto escritor: ‘A melhor notícia nem sempre é a que se dá primeiro, mas muitas vezes a que se dá melhor’.’