Os calendários são sempre úteis para se fazer balanços do que passou e do que se pode esperar para o futuro próximo. E é quase inevitável que se faça um esforço nesse sentido a cada final de ano.
No setor de comunicações, não é animador olhar para trás e constatar que o interesse público pouco ou nada avançou. Não houve alterações nas políticas públicas ou na qualidade da produção de conteúdo – jornalístico ou de entretenimento – que significassem um avanço no setor. Pelo contrário: estruturalmente, quase tudo continua na mesma, com exceção do avanço do capital estrangeiro no controle de algumas importantes empresas brasileiras.
Se ao Estado cabe estabelecer os marcos regulatórios do setor, nada ou pouco se fez. Oportunidades importantes estão sendo perdidas e os interesses de sempre continuaram a prevalecer. Os atores mais ativos e poderosos – que trabalham à la Lampedusa para que nada mude ou, em se mudando, tudo permaneça o mesmo – renovaram suas estratégias e radicalizaram o discurso. Agora, até mesmo falar em metas que aparentemente eram aceitas como consensuais, transformou-se em palavrão num país onde a mídia é historicamente concentrada nas mãos de uns poucos grupos empresarias familiares, vinculados a oligarquias políticas regionais e locais oriundas da República Velha e/ou do regime militar.
Promessas diluídas
Entraremos em 2007 no mesmo ambiente de caos regulatório. A principal referência legal – o Código Brasileiro de Telecomunicações, desatualizado e fragmentado – está prestes a completar 45 anos num setor em que os avanços tecnológicos fazem novas práticas se tornarem obsoletas em poucos meses. Não teremos uma Lei Geral de Comunicação Eletrônica de Massa, ou melhor, nem sequer um projeto de lei. O Grupo de Trabalho Interministerial criado pelo governo para tratar do assunto nunca chegou a se reunir.
As rádios comunitárias continuam regidas por uma lei segregacionista. A atividade permanece reprimida embora de forma gritantemente assimétrica em relação a dezenas de concessionários da radiodifusão comercial que há anos funcionam precariamente, sem a renovação de suas outorgas. Sofrem repressão constante da Anatel e da Polícia Federal emissoras que já existiam e prestavam serviço público de qualidade às suas comunidades antes da Lei 9612/98; que desde então tentam se legalizar e que têm seu trabalho reconhecido – e até premiado – por instituições públicas brasileiras e internacionais.
Enquanto isso, estima-se que cerca de 60% das quase 4.000 rádios comunitárias legalizadas são controladas por entidades que fazem proselitismo político e/ou religioso, afrontando o interesse público, e mais de 13 mil processos de novas outorgas aguardam julgamento no Ministério das Comunicações.
As promessas democratizadoras da digitalização da radiodifusão alimentadas pelo decreto 4901/2003, que criou o Sistema Brasileiro de Televisão Digital Terrestre (SBTVD-T) – e tinha como objetivos, dentre outros, a democratização da informação, a promoção da diversidade cultural, o desenvolvimento da indústria e tecnologia nacionais, a inclusão social e a participação da sociedade civil – foram diluídas na escolha do padrão tecnológico ISDB japonês, anunciada em junho de 2006. Hoje, o próprio Ministério Público Federal move ação na Justiça contra a decisão do governo.
Sem otimismos
Por outro lado, boa parte do jornalismo dominante praticado pela grande mídia – em especial os editoriais e as análises dos colunistas-celebridades – segue autista, cada vez mais descolado do que faz e pensa a maioria da população, num comportamento que lembra, pela distância abismal da realidade do país, aquele dos congressistas que tentaram aprovar para si mesmos um aumento salarial de 90,7% numa sociedade que continua imbatível no ranking mundial das desigualdades sociais.
Há, todavia, ações positivas de governo que precisam ser reconhecidas. Por exemplo: a política de inclusão digital, expressa no ‘Computador para Todos’ e no acesso possibilitado por telecentros de programas como os ‘Pontos de Cultura’; e a iniciativa do Ministério da Cultura e da Radiobrás de realizar o I Fórum Nacional de TVs Públicas, previsto para fevereiro de 2007. Esse Fórum inédito poderá se transformar no embrião para a consolidação efetiva de um sistema público de comunicação alternativa, que una em parceria as TVs educativas, legislativas, universitárias e comunitárias.
Registre-se também que a grande mídia colocou a sua credibilidade em jogo em 2006 e entrou finalmente na agenda pública de discussão. E isso é extremamente positivo.
O resultado dos balanços de fim de ano fogem do nosso controle e, portanto, nem sempre é possível manter e/ou renovar a esperança. Ainda bem que os balanços são muitos, plurais e certamente trazem diferentes avaliações. O nosso não permite otimismos. O que se pode esperar é que finalmente consigamos avançar tendo como objetivo o interesse público. É continuar trabalhando para esse fim nos próximos doze meses e aguardar o balanço de dezembro de 2007. Veremos.
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Pesquisador sênior do Núcleo de Estudos sobre Mídia e Política (NEMP) da Universidade de Brasília e autor, entre outros, de Mídia: crise política e poder no Brasil (Editora Fundação Perseu Abramo, 2006)