Thursday, 28 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Carlos Eduardo Lins da Silva

‘Nesta semana, o ombudsman recebeu 42 mensagens de leitores que se queixavam de falta de apartidarismo da Folha. Destas, 37 diziam que o jornal foi a favor do PSDB em diversos episódios e cinco achavam que ele favoreceu o PT.

É muito para quem tem de responder a todas pessoal e individualmente. Mas não chegam a 20% do total endereçado ao ombudsman e são menos de 10% da correspondência enviada ao jornal e nem 0,01% do total de leitores.

Claro que não é o critério estatístico que determina a representatividade de um grupo de leitores. Os que se dirigem ao jornal, mesmo poucos, são significativos e importantes.

Mesmo o contingente que se manifesta por motivação ideológica ou partidária é representativo e deve ser levado em conta pelo ombudsman, que tem de representar todos os leitores, inclusive aqueles que não se dirigem a ele.

O apartidarismo é um dos pilares do Projeto Folha desde 1984 e continua sendo, segundo manifestação da Secretaria de Redação a mim esta semana.

Ele foi elevado a essa condição dentro de uma lógica de mercado, não ética nem política: o público leitor é composto por pessoas que têm diversas visões de mundo e o jornal não pode abrir mão de nenhum desses grupos.

Eduardo Guimarães, um dos mais incisivos críticos da mídia, com quem tenho intensas diferenças de opinião mas por quem tenho respeito intelectual, diz que um jornal que resolvesse alienar uma parcela dos leitores que vota num partido com o desempenho eleitoral que tem tido o PT no Brasil estaria dando um tiro no pé.

É verdade. Por que a Folha o faria? Uma hipótese é que estaria apostando que num futuro governo federal tucano, ela teria tantas vantagens que compensaria o prejuízo da alienação de leitores atual.

Aí, entra-se no território das crenças porque é impossível comprovar essa teoria. Eu não acredito nessa possibilidade. Se acreditasse, não teria aceitado o convite para ocupar este cargo e, se um dia vier a crer nela, eu o deixarei.

Três episódios recentes concentraram os ataques contra a Folha por parte de quem a julga tucana: o caso Alstom, a crise gaúcha e a reportagem sobre doações partidárias.

No caso Alstom, o jornal ‘saiu atrasado’, como admite a Secretaria de Redação. Depois do atraso, continuou tímido por semanas. Despertou depois que o concorrente tomou a iniciativa, mas permaneceu mal. Levou um mês para se manifestar em editorial.

Na sexta, afinal, produziu uma reportagem convincente com informações exclusivas e apontou com clareza a ligação dos envolvidos com os governos do PSDB em São Paulo.

Na crise gaúcha, o jornal também fez cobertura modesta até esta semana, quando afinal -na terça e na sexta- o assunto foi para a capa.

O pior caso, para mim, é o das doações partidárias, reportagem publicada com destaque no dia 26 de maio. Dediquei um terço da coluna de 1º de junho ao tema: a reportagem tratava de forma claramente desigual doações legais feitas a PSDB e PT por empresas que depois ganharam contratos dos governos federal e dos Estados de São Paulo e Minas Gerais.

Embora o valor dos contratos em relação às doações fosse muito maior no caso do PSDB, toda a ênfase foi dada aos do PT.

Pedi que a Secretaria de Redação explicasse o critério e sua resposta não me convenceu: no caso do PT, os pagamentos pelo governo já foram feitos e no do PSDB, eles ainda não foram realizados.Teria sido melhor, a meu ver, reconhecer um erro de avaliação.

Ser apartidário num ambiente de divisão política acirrada é muito difícil. Ser visto como imparcial por todos é impossível. O pior é que não basta ser: é preciso parecer ser. Nestes três casos, a Folha muitas vezes não pareceu ser.’

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‘Para ler’, copyright Folha de S. Paulo, 15/6/08.

‘‘Mil Dias: Seis Mil Dias Depois’, de Carlos Eduardo Lins da Silva. Publifolha, 2005 – conta a história do Projeto Folha e como o apartidarismo se tornou um de seus pilares (a partir de R$ 29,60)

‘A Mídia nas eleições de 2006’, organizado por Venício A. de Lima. Editora Fundação Perseu Abramo, 2007 – coletânea de textos, a maioria com denúncias de falta de apartidarismo da imprensa nas eleições de 2006 (R$ 29,88)

‘Katharine Graham – Uma História Pessoal’, traduzido por Ana Luiz Dantas Borges. DBA, 1998 – excelente autobiografia de uma publisher que tinha opiniões partidárias mas não as colocava em seu jornal (a partir de R$ 20,54)

‘Políticas Públicas Sociais e os Desafios para o Jornalismo’. Diversos autores. Andi e Cortez Editora, 2008 – coletânea de textos, alguns dos quais sobre necessidade de apartidarismo no debate de políticas públicas (a partir de R$ 31,72)

‘A Imprensa em Questão’, organizado por Alberto Dines, Carlos Vogt e José Marques de Melo. Editora da Unicamp, 1997 – coletânea de textos, vários sobre a questão do apartidarismo (a partir de R$ 17,71)

PARA VER

‘Leões e Cordeiros’, de Robert Redford (2007), com Meryl Streep, Tom Cruise e Robert Redford – mostra dilema de repórter que recebe informação exclusiva sobre a guerra no Afeganistão de senador ao qual se opõe ideologicamente (a partir de R$ 44,90)

‘Todos os Homens do Presidente’, de Alan Pakula (1976), com Dustin Hoffman e Robert Redford – clássico do cinema conta como o ‘Washington Post’, sem ser partidário, ajudou a derrubar Richard Nixon (R$ 29,90)

‘Cidadão Kane’, de e com Orson Welles (1941) – melhor filme da história mostra a que ponto pode chegar utilização partidária de um jornal (a partir de R$ 24,65)

‘Feliz Natal’, de Christian Carion (2005), com Diane Kruger e Daniel Brühl – até na pior das guerras, é possível achar pontos comuns para conciliar inimigos (R$ 29,90)

ASSUNTOS MAIS COMENTADOS DA SEMANA

1. Rio Grande do Sul

2. Caso Alstom

3. Cobertura esportiva

ONDE A FOLHA FOI BEM

Mamografia

Boa reportagem sobre lei que manda aumentar exames sem que haja verba para realizá-los

Trabalho infantil

Várias reportagens mostram que o jornal está atento e empenhado em relação ao tema

Terra

Reportagem no domingo sobre venda de terras a estrangeiros foi abrangente e bem feita

E ONDE FOI MAL

Nossa Caixa

Cobertura tem sido tímida para um assunto do mais alto interesse público

Sport

Jornal deu pouco espaço e mau tratamento à conquista pelo Sport de Recife da Copa Brasil

Equilíbrio

Publicação de cartas sobre a capa que sugeria racismo não refletiu a proporção de críticas (muito mais numerosas) e de apoio’