Afeto, mídia e política é o subtítulo do novo livro de Muniz Sodré. O diálogo entre esses três âmbitos. O autor é o articulador. E entre seus interlocutores estão Baudrillard, Norberto Bobbio, Rorty, Deleuze, Maffesoli, Vattimo. Atualidade e contemporaneidade.
Como pano de fundo, o avanço tecnológico e sua presença no cotidiano. Para citar apenas um item ao nosso alcance: o singelo celular. O celular com o qual qualquer um tira fotos de qualquer maneira e de qualquer coisa. O celular que permite a comunicação entre o líder do narcotráfico preso e seus comandados fora do presídio. O celular extra que o funcionário de confiança recebe do chefe para que este possa ligar às 2 da madrugada…
Muniz Sodré faz um corpo-a-corpo teórico com o sensível. A atenção à dimensão estética da vida hodierna dá espaço para as paixões, a imaginação, a emoção. A dinâmica da convivência humana não é analisável apenas do ponto de vista funcional, ou econômico, ou ideológico… E a comunicação não se restringe à transmissão de conteúdos.
Elogio à alegria
Compreender uma realidade (e tal atitude os melhores comunicadores sabem adotar) não é dominá-la, mas abraçá-la, estabelecer com ela um vínculo, um compromisso, o que põe em jogo, para além da razão que raciocina (e raciona…), o todo humano.
Do livro destaco a análise do caso ‘eleição de Lula’. Nele convergem os temas discutidos. Pois havia uma atmosfera afetiva propícia para o PT, e o candidato soube detectá-la, fazer dessa atmosfera a sua força. O Mal ameaçador (FMI, desemprego, falta de esperança para os jovens, corrupção generalizada…) seria vencido pelo Bem. E o povo celebrou esta vitória. Perdeu o medo de ser feliz. Na TV, assistimos ao inacreditável: o sindicalista barbudo, chefe da nação… Um novo mito.
Poucos meses depois, redescobrimos o pragmatismo, e na sua esteira todo um comportamento midiático manifesto em entrevistas nas quais o presidente declarou o seu progressivo descolamento do PT, comemorando em paralelo o bom desempenho da economia (segundo os critérios e padrões do poder financeiro internacional). Este desempenho é a colheita da continuidade. Os oito anos de FHC culminaram nos quatro de Lula.
Nas últimas páginas, um elogio à alegria, singular, concreta, nada a ver com a felicidade prometida pelo mercado e pelos demagogos. Muniz Sodré me fez ver: não existe o Baú da Alegria. A alegria não se submete.
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Doutor em Educação pela USP e escritor; www.perisse.com.br