‘A Folha tem tratado os professores do ensino público que ficaram em greve em São Paulo por três semanas sem nenhuma boa vontade. Posicionou-se em editorial contra a paralisação, publicou colunas agressivas contra eles e, no noticiário, tratou do assunto mais como empecilho adicional e desnecessário ao caótico trânsito da cidade do que como problema sério de políticas públicas.
Até aí, tudo relativamente bem. O jornal e seus colunistas têm pleno direito de manifestar as opiniões que julgam as mais acertadas. As páginas informativas, que nunca podem ser contaminadas pelas de opinião, não chegaram a se engajar em campanha contra os grevistas. De resto, a categoria dos professores do ensino público e seus representantes sindicais estão longe de não merecerem críticas.
A questão importante é outra. A greve é excelente oportunidade para a imprensa fazer levantamento detalhado das condições da educação, que a Folha desperdiça.
Dezenas de leitores se dirigiram ao ombudsman para reclamar da cobertura da greve. Nenhum a elogiou. Nas queixas, não identifiquei ranço ideológico ou partidário.
Há consenso nacional sobre a importância da educação para melhorar o futuro do país. Mas quando é necessário demonstrar concretamente esse compromisso, poucos dizem presente.
Para um jornal ir além da retórica precisa investir em reportagens minuciosas sobre os problemas que travam a melhora da educação.
Pelo que a Folha publicou desde o início da greve, não é possível concluir se ela foi justificável ou não.
Nem questões básicas, como o número de faltas permitido foram resolvidas (um leitor explica que são 32 faltas/ aula, cinco ou seis dias por ano, não 32 dias, como deu a entender o noticiário).
Não foi feita discussão profunda sobre o decreto que detonou a greve. Não se chegou nem perto de uma radiografia de dificuldades como: violência de alunos contra professores, existência de equipamento didático necessário nas escolas, incentivo para aperfeiçoamento profissional, tamanho de turmas em salas de aula, adequação de carga horária e currículo, acesso a internet, realização de excursões, qualidade de bibliotecas, laboratórios e salas de arte.
Não houve diagnóstico das condições salariais médias do professor: qual porcentagem de sua remuneração é salário e qual são bônus e gratificações, como se compara o pagamento do professor paulista com os de outros Estados e países, quantas horas semanais precisa trabalhar (em sala de aula e fora dela) para ganhar uma remuneração minimamente compatível com sua formação e a importância estratégica de sua profissão.
Pedi à Secretaria de Redação uma auto-avaliação da cobertura. Ela respondeu considerá-la ‘correta, mas é claro que sempre é possível melhorar’. Disse ter sido este jornal que primeiro questionou o valor do reajuste anunciado pelo governo (foi de apenas 5,41%, não de 12% como apregoado). Sua resposta não me convenceu de que a Folha tenha ido bem.
Ou a educação é um tema prioritário para o jornal ou não é. Houve época, meados da década de 70, em que sem dúvida foi, apesar de muitos erros. Agora, não é mais. Deveria ser. A greve lhe dá uma chance para que seja de novo.’
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‘Notas altas e baixas’, copyright Folha de S. Paulo, 6/7/08.
‘Duas novidades mobilizam os paulistanos: a lei seca no trânsito e a restrição a caminhões em parte da cidade. Nos dois casos, a Folha tem feito cobertura correta, com diversidade de opiniões garantida, grande abrangência, espírito didático e precisão.
Entre 1996 e 2006, o Brasil conseguiu feito extraordinário: a desnutrição infantil crônica diminuiu 46% no país e 74% na região Nordeste; a mortalidade infantil caiu 43,5%. Este jornal, no entanto, não deu destaque à conquista. A notícia não apareceu em primeira página; saiu apenas no pé da capa de Cotidiano de sexta.
O caso Alstom tem grande importância para leitores que criticam a Folha por favorecimento ao PSDB. Semanas de desempenho fraco intensificaram essas acusações. Mas o jornal melhorou e tem se mantido bem, com diversas linhas de investigação e revelações exclusivas.
Problemas com o português continuam a amaldiçoar estas páginas. Muitos jornalistas mal conseguem dominar seu idioma E há os que se aventuram a errar em outros. No domingo, apareceu erro na declinação da segunda pessoa do singular do presente do indicativo do verbo ser em espanhol (‘es periodista?’ em vez de ‘eres periodista?’). E sobram anglicismos dispensáveis, como ‘bear market’ em título de matéria na quinta.’
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‘Para ler’, copyright Folha de S. Paulo, 6/7/08.
‘‘Pedagogia da Autonomia’, de Paulo Freire. Editora Paz e Terra, 2008 (a partir de R$ 6,10) – sintética lista de sábias recomendações a professores para melhorar seu desempenho
‘A Escola no Futuro’, Lauro de Oliveira Lima. Editora José Olympio, 1974 (a partir de R$ 8 em sites que negociam livros usados) – clássico livro do grande educador, escrito originalmente há 42 anos, com suas previsões para a escola deste futuro atual
‘Comunicação Docente’, de Moacir Gadotti. Editora Loylola, 1975 (a partir de R$ 10, usado) – reflexão profunda sobre a importância vital da relação entre professor e aluno para o sucesso da educação
PARA VER
‘A escola’, de Daniele Luchetti, com Silvio Orlando, Anna Galiena, 1995 – magnífico relato da realidade do ensino público italiano, em muitos aspectos similar ao brasileiro
‘Ao Mestre com Carinho’, de James Clavell, com Sidney Poitier e Christian Roberts, 1967 ( a partir de R$ 29,90) – clássico sobre a dificuldade de ensinar a adolescentes revoltados, no caso em bairro pobre de Londres na década de 1960
‘O Substituto’, de Robert Mandel, com Tom Berenger e Raymond Cruz, 1996 – drama sobre escola em Miami em que o tráfico de drogas e a violência são problemas comuns
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