Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Folha de S. Paulo

CASO DANIEL DANTAS
Ana Flor

Cria de ACM, Dantas se projetou na era FHC

‘Daniel Valente Dantas, 53, um baiano que saiu do seu Estado como um empresário modesto, em pouco mais de 20 anos passou por todos os governos federais desde os anos 90 com a marca de arrecadar tanto aliados quanto inimigos de vários partidos.

Dantas chegou ao Planalto ainda no governo José Sarney (1985-1990), pelas mãos do conterrâneo Antonio Carlos Magalhães, do então PFL, morto no ano passado, a quem foi indicado pelo economista Mário Henrique Simonsen.

A proximidade com o poder e o desempenho no mercado de finanças à frente do banco Icatu lhe renderam espaço privilegiado de articulador da política de privatizações do governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002). O que, mais tarde, lhe garantiu a continuidade dos seus negócios no governo Lula.

Nascido numa família da oligarquia baiana, Dantas começou cedo nos negócios. Aos 17 anos, criou uma fábrica de sacolas com amigos. Passou pelas indústria têxtil e de turismo, foi dono de posto de gasolina e ainda trabalhou na empreiteira Odebrecht como engenheiro, curso pelo qual se graduou na Universidade Federal da Bahia.

No Rio, onde fez mestrado em economia, conheceu Simonsen, por meio de quem se aproximou do PFL de ACM. Depois de fazer uma especialização no MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts), nos EUA, voltou ao Brasil e passou pelo Bradesco, indo logo em seguida para o banco Icatu. Já na direção do banco, seus contatos políticos rendiam acesso a dados que o levaram a vencer grandes especuladores do mercado de ações.

Quando o governo Fernando Collor (1990-1992) estava para começar, Dantas foi citado como possível ministro, o que não se confirmou. Ele teria participado, a convite de Simonsen, da reunião em que Collor decidiu pelo bloqueio dos cruzados novos. Antes do confisco, fez dinheiro com exportações e investiu em soja e café.

Contatos políticos

Um dos principais economistas do PFL, atual DEM, no qual cresceu graças às boas relações com o grupo de ACM, Dantas fez parte, em 1994, do grupo que analisou o Plano Real criado pelo então ministro Fernando Henrique Cardoso. Foi um dos responsáveis pela análise e montagem do plano econômico do governo PSDB-PFL.

Em 1996, quando o banco Opportunity começa a operar, Dantas já havia se aproximado de Pérsio Arida, ex-presidente do BNDES (1993-1995) e do Banco Central (1995), que se tornou seu sócio no banco. A irmã, Verônica Dantas, expert na área jurídica, foi outra sócia.

O surgimento do Opportunity tem na origem os bons contatos de Dantas com os tucanos: foram seus aliados no partido que o estimularam a entrar no processo de privatizações do sistema Telebrás. Montou o CVC Opportunity, com recursos do Citigroup, e atraiu a Telecom Italia e a Previ (fundo de pensão dos funcionários do Banco do Brasil).

Tanto em suas sociedades quanto nas relações que mantinha com partidos políticos, Dantas sempre se utilizou das divisões internas para conquistar espaço. Foi assim na sua transferência do Bradesco, com o empresário Almeida Braga, para o Icatu. Dentro do PSDB, usou o desentendimento com o senador Tasso Jereissati (CE) para se aproximar de Luiz Carlos Mendonça de Barros, então ministro das Comunicações.

O grampo telefônico de Mendonça de Barros e André Lara Resende, presidente do BNDES na época da privatização das teles, escancarou a extensão do poder de penetração de Dantas no governo tucano.

Em 2004, a Folha revelou que a BrT, do Opportunity, contratou a Kroll para investigar a Telecom Italia. A empresa espionou funcionários do governo Lula, entre eles os ex-ministros Luiz Gushiken (Secretaria de Comunicação de Governo) e José Dirceu (Casa Civil) e Cássio Casseb, ex-presidente do Banco do Brasil.

Começaram disputas entre a Telecom Italia e os fundos de pensão com o Opportunity sobre a administração da BrT. Em 2002, um acordo foi anunciado. A Telecom Italia transferiu metade de suas ações com direito a voto na BrT ao Opportunity, para que a Tim (que ela controla) pudesse inaugurar sua rede de telefonia celular.

O acordo lhe dava o direito de recomprar as ações. Em 2003, a Telecom Italia tentou retornar ao bloco de controle da BrT. Foi impedida pelo Opportunity. Contrariada, a Telecom Italia entrou na Justiça.

A Folha revelou ainda que o Citigroup tinha conhecimento da espionagem. Em 2005, a Anatel determina a volta da Telecom Italia ao bloco de controle da BrT. Chega a um acordo com o Opportunity e entra em conflito com os fundos, que se aliaram ao Citigroup, pelo controle da Brasil Telecom.

Dantas é abandonado pelo Citigroup, que destituiu o Opportunity como gestor do fundo CVC Opportunity, que controlava BrT, Telemig Celular, Amazônia Celular e o Metrô do Rio. O Citi passa a controlar as empresas telefônicas em parceria com os fundos Previ, Petros, Funcef e outros.

Na era petista, seu modus operandi foi adaptado. Ao encontrar resistência ferrenha de Gushiken, um dos ministros mais próximos de Lula no primeiro mandato e claro defensor dos fundos de pensão, contratou dois advogados com pontes no novo governo. Antonio Carlos de Almeida Castro, amigo de Dirceu, e Roberto Teixeira, compadre de Lula. O banqueiro também teve o apoio do então diretor do Banco do Brasil, Henrique Pizzolatto, e do à época tesoureiro do PT, Delúbio Soares.

Em 2005, a CPI dos Correios revelou que três empresas controladas por Dantas repassaram R$ 150 milhões ao esquema do empresário Marcos Valério -ajudando a sustentar o esquema do mensalão.’

 

Folha de S. Paulo

Poder em descrédito, Editorial

‘AO CONTRÁRIO da antiga anedota, seria o caso de dizer que, entre mortos e feridos, ninguém se salvou dos acontecimentos políticos da última semana. A falta de decoro, cuja existência se costumava atribuir primordialmente ao mundo parlamentar, revelou-se presente nos mais diversos níveis institucionais com os desdobramentos da Operação Satiagraha.

Do Palácio do Planalto veio, sem dúvida, o exemplo mais tosco e aberrante desse processo generalizado de desgaste. Com participação direta do presidente Lula, optou-se por divulgar um trecho brevíssimo, escolhido a dedo, das gravações de uma reunião de quase três horas, na qual se decidiu o afastamento do delegado Protógenes Queiroz do comando da investigação.

Numa espécie de vazamento ‘chapa-branca’, tentou-se dar comprovação factual -para quem quiser acreditar- ao jogo de cena improvisado na véspera, no qual Lula repreendia o delegado por sua suposta e implausível iniciativa de abandonar o caso. Difícil dizer o que há de mais condenável na pantomima.

Dispor-se a um bate-boca com o delegado, como fez o presidente, já seria por si só ato incompatível com a dignidade do cargo. Bate-bocas não faltaram, contudo, desde que vieram a público as primeiras notícias da operação.

É como se todo o protocolo oficial tivesse entrado em colapso com o episódio. O presidente do STF esbraveja contra a polícia e um juiz de instância inferior. O ministro da Justiça atrapalha-se em bravatas e se estatela em recuos de última hora. Senadores da oposição se vêem enredados na mesma teia de denúncias que constrange seus adversários.

Ainda que tenham sido vários os erros cometidos durante a Operação Satiagraha, nada se compara ao verdadeiro abuso de autoridade cometido pelo Executivo: joga-se contra uma única pessoa, o delegado Queiroz, o peso esmagador da própria Presidência, que consente com um método de manipulação das gravações oficiais que não há exagero em qualificar de stalinista.

De todo esse espetáculo de primarismo, arrogância e descontrole autoritário, nenhuma instituição política brasileira parece ter saído incólume. Há, entretanto, instituições que continuam funcionando como se nada acontecesse; funcionam bem demais, até. É o caso do Banco do Brasil, que acaba de autorizar um empréstimo recorde de R$ 4,3 bilhões para possibilitar a compra da Brasil Telecom pela Oi, numa operação em aberto conflito com as normas em vigor -conflito que o Executivo se esforça para resolver, contra o interesse do consumidor.

Enquanto o governo Lula tenta transmitir a idéia de que persistirá nas investigações contra Daniel Dantas, o mercado de especulações coloca em R$ 1 bilhão o que o mesmo Dantas deverá embolsar com o negócio. Seu banco, o Opportunity, está vendendo a participação na Brasil Telecom.

Sócios, dentro e fora do governo, não faltam nesse escândalo, que põe em questão, como poucos antes dele, a credibilidade nas instituições públicas do país.’

 

 

Roberto Machado

Caso Dantas complica acordo da Oi com BrT

‘A investigação da Polícia Federal sobre Daniel Dantas e o banco Opportunity adicionou um complicador na intrincada -e controversa- operação de compra da Brasil Telecom pela Oi. Anunciada em abril e defendida e estimulada pelo governo, a compra ainda depende de mudanças no PGO (Plano Geral de Outorgas), que regulamenta o setor de telefonia. E a indefinição deixa apreensiva a direção da Oi.

Pelas regras em vigor, concessionárias de telefonia fixa não podem atuar em duas das três áreas em que o país foi dividido na época da privatização do sistema Telebrás, em 1998.

As propostas de mudanças no PGO estão em fase de análise e consulta pública na Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações). Enquanto isso, a primeira fase do negócio está em andamento: a reestruturação societária das duas teles.

Em caso de mudança na lei, a Oi comprará a BrT a um custo estimado de R$ 13 bilhões. O contrato prevê prazo de 240 dias (a contar de 25 de abril), prorrogável por mais 125, para a conclusão do negócio.

Apesar de o prazo ser dilatado, mesmo antes da Operação Satiagraha, a diretoria da Oi manifestava apreensão. No dia 30 de maio, numa audiência na Câmara, o presidente da Oi, Luiz Eduardo Falco, disse que a demora do governo em definir a mudança na legislação poderia comprometer os planos de expansão da operadora.

Agora, a avaliação obtida pela Folha é que o timing mudou, porque qualquer um que tiver que tomar uma decisão relacionada à fusão vai pensar 300 vezes antes de decidir. A avaliação é que antes de dezembro a mudança no PGO não sairá.

A compra da BrT pela Oi envolve, diretamente, mais de uma dezena de empresas, bancos, fundos de investimento e fundos de pensão de estatais que possuem participação acionária nas duas operadoras. Alguns têm participação em ambas: é o caso do Opportunity, do Citibank e dos fundos de pensão de estatais.

Nos últimos dias, executivos, advogados e consultores envolvidos na operação refizeram cálculos políticos. A impressão, generalizada, é a de que o negócio não está -nem de longe- ameaçado. Calculam que o princípio que norteia a compra da BrT -fortalecimento de uma operadora nacional, com escala para competir com os ‘gigantes’ estrangeiros- seria reconhecido pelos adversários e teria apoio da sociedade.

Nesse sentido, o anúncio, em meio ao vendaval do caso Dantas, do empréstimo de R$ 4,3 bilhões concedido à Oi pelo Banco do Brasil para a compra da Brasil Telecom foi recebido por analistas e protagonistas como um sinal de que a operação permanece tendo forte apoio do governo petista. Com 49,9% do controle da nova Oi nas mãos de fundos de pensão de estatais e do BNDES, o governo, pelo acordo acionário, terá a palavra final em várias decisões da empresa.

Plano B

Nos bastidores, assessores das instituições financeiras envolvidas já analisam alternativas. No limite, se não houver mudança na lei, o Credit Suisse compraria a Brasil Telecom. É simples e está previsto no contrato, diz um dos assessores.

O banco de investimento Credit Suisse assumiu o papel de ‘comissário mercantil’ na operação de compra da BrT. É um instrumento do direito comercial que permite que o banco seja uma espécie de representante da Oi, com responsabilidade pelo negócio, enquanto não há autorização legal. É considerada nos meios jurídicos uma técnica contratual que garante direitos e deveres de compradores e vendedores.

Reservadamente, os executivos do Credit Suisse têm feito chegar aos demais envolvidos que, ‘em hipótese alguma’, o banco exercerá o direito de compra da BrT e que, se não houver mudança na PGO, valerá o que também está previsto no contrato: a operação não sai e a Oi pagará uma multa de R$ 490 milhões à BrT.

Outra hipótese ventilada é a de que o Opportunity desista do negócio e queira barrar a compra -diante da ofensiva da PF sobre Dantas. Por isso, muitos dos advogados que assessoram as partes voltaram a analisar o contrato. A interpretação da maioria é a de que a venda das ações já está sacramentada. E que o Opportunity, que leva cerca de R$ 1 bilhão pelo negócio, ou qualquer outro vendedor ou comprador, não poderia mais desistir da negociação.

Enquanto isso, o calendário da Anatel segue o seu curso: na terça será realizada, em Belém, a quinta das seis consultas públicas sobre as mudanças no PGO previstas pela agência.’

 

 

***

Nova tele terá forte presença do governo

‘O empréstimo de R$ 4,3 bilhões concedido pelo Banco do Brasil à Oi, a ser usado na compra da Brasil Telecom (estimada em R$ 13 bilhões), reforçou uma preocupação que hoje toma conta das outras operadoras: o papel que o governo exercerá na nova tele nacional.

Caso a venda da BrT para a Oi seja efetivada, o controle será constituído pela Andrade Gutierrez Telecom (do empresário Sérgio Andrade), pelo grupo La Fonte (do empresário Carlos Jereissati) e pelo fundo de pensão dos funcionários da Oi.

Juntos, terão 50,1%, contra 49,9% dos fundos de pensão de estatais e do BNDES.

Mas o acordo de acionistas prevê que muitas decisões da nova empresa terão que ser aprovadas por 66%, 70% e até 84% do capital votante. Ou seja, será necessário ter um apoio permanente do setor público.

Essa engenharia, amarrada no acordo de acionistas, foi uma das inúmeras batalhas travadas em torno da empresa -uma negociação em ritmo frenético até 25 de abril, quando o acordo foi assinado na sede carioca da AG Telecom.

Embora as discussões se arrastem há anos, somente no final do ano passado as conversas avançaram. O economista Luciano Coutinho, presidente do BNDES, teve papel fundamental: articular interesses conflitantes. Apesar de estar subordinado ao Ministério do Desenvolvimento e tratar de um tema relativo ao das Comunicações, Coutinho se reportou apenas à ministra Dilma Rousseff, da Casa Civil.

O técnico recrutado para ‘desenhar’ a operação foi um jovem considerado dos mais talentosos do BNDES: Luciano Siani Pires (que, dias antes do anúncio da compra da BrT pela Oi, assumiu uma cadeira na diretoria da Vale).

A estratégia adotada foi a de eliminar obstáculos em uma escala de dificuldade crescente. Pela ordem: o preço a ser pago pela Brasil Telecom, a composição acionária da nova empresa e a remoção do emaranhado de processos movidos por -e contra- Daniel Dantas.

Formaram-se diversas mesas de negociação no início de janeiro. A principal delas reunia Coutinho, Otávio Azevedo, presidente da AG Telecom, Jereissati e os presidentes dos fundos de pensão.

A primeira proposta apresentada por Luciano Coutinho foi mal recebida. Os fundos a consideraram muito favorável para AG Telecom e La Fonte. O maior problema: o preço. Demorou-se a superar a barreira dos R$ 5 bilhões (fechou-se a R$ 5,8 bilhões).

A desenvoltura inicial de Azevedo na coordenação dos trabalhos também causou desconforto. Além disso, havia a composição acionária. O BNDES teve que ceder aos fundos: tinha 25% da Oi; terá 16,8% da nova empresa de telefonia.

Essas duas primeiras etapas ocorreram entre janeiro e março. As reuniões eram diárias, principalmente em três dos principais escritórios de advocacia do Rio: Leoni Siqueira; Bocater, Camargo e Costa e Silva; e Sérgio Esquenazi.

Pelo lado do Opportunity, estavam Arthur Joaquim de Carvalho, Danielle Silbergleid e Verônica Dantas (os três foram presos na Operação Satiagraha da Polícia Federal).

Apesar de central, Daniel Dantas foi um protagonista oculto. Não participou das reuniões. Raras vezes esteve frente a frente com os adversários. Em uma delas, ainda em meados do ano passado, pediu um encontro com o presidente da Previ, Sérgio Rosa.

A dinâmica também variou de acordo com o grupo em questão. A GP Investimentos, minoritária na Oi, negociou à parte, diretamente com Azevedo e Jereissati. O carioca Fersen Lambranho, um dos comandantes da GP, pouco foi ao Rio. Enviou advogados.

Nas duas semanas que antecederam o acordo, as reuniões -sempre marcadas por tensão e desconfiança- vararam madrugadas. Alguns advogados chegaram a ficar 72 horas sem dormir.’

 

 

THE NEW YORKER
Trevor Butterworth

Manhattan SEM GELO

‘Não podemos viver sem o presunto de ganso’, diz David Remnick, com a avidez de um gourmand desnutrido. Tem 1,82 m, está se aproximando dos 50 anos e é magro para um jornalista conhecido como comilão.

Ele sugeriu que nos encontrássemos no Esca, um restaurante italiano no centro de Manhattan, cujo nome significa ‘isca’ e cuja estatura, ao que parece, não é apenas por causa da comida. Seu chef obcecado por peixes, David Pasternack, foi o tema de um perfil em 2005 na revista ‘The New Yorker’, em que Remnick acaba de comemorar seu décimo aniversário como editor.

Ele tem muito a celebrar depois de dez anos: a circulação da ‘New Yorker’ aumentou 32%, para mais de 1 milhão de exemplares por semana; os índices de renovação de assinaturas, de 85%, são os mais altos do setor; e, apesar do senso comum de que os leitores jovens não têm concentração para fazer mais que blogs e piadas, a revista viu seu público de 18 a 24 anos crescer 24% e o de 25 a 34, 52%.

Vinte e quatro de seus 47 prêmios National Magazine foram concedidos sob a direção de Remnick. Talvez o mais tranqüilizador seja que o balanço da ‘New Yorker’ passou do vermelho para o azul -embora sua propriedade privada o impeça de revelar os lucros.

É difícil lembrar como as coisas pareciam desesperadas uma década atrás, quando, depois de seis anos como editora da revista, Tina Brown saiu repentinamente para começar a malfadada ‘Talk’.

Se muitos em Manhattan ficaram furiosos com a vinda de Brown, que é britânica, para reformular a revista e torná-la mais amistosa com os anunciantes, sua partida também foi vista como uma profecia terrível. A ‘Fortune’ estimou que em 1998 os prejuízos da ‘New Yorker’ chegavam a US$ 175 milhões [R$ 278 milhões], fazendo dela ‘um dos maiores buracos de dinheiro da história das revistas americanas’.

Experiência anterior

Remnick chegou ao cargo sem nenhuma experiência editorial. Depois de se formar ‘summa cum laude’ em literatura comparada na Universidade Princeton em 1981, foi trabalhar no ‘Washington Post’, passando do plantão policial noturno para esportes e a sucursal do jornal em Moscou, onde a história -’pura sorte’, como ele diz- lhe deu a oportunidade de brilhar e, afinal, ganhar um Pulitzer em 1994 por ‘Lenin’s Tomb’ [A Tumba de Lênin], seu livro sobre a queda da União Soviética.

Mesmo antes do prêmio, sua reputação já o fizera ser contratado por Brown, um dos primeiros depois que ela chegou à revista, em 1992.

‘Nunca pensei em ser editor.

Nunca fui mais feliz do que quando estive em Moscou para o ‘Washington Post’ ou percorrendo o mundo para a ‘New Yorker’. Sinceramente, nunca pensei nisso -e não digo no sentido em que um Maquiavel diria’, afirma Remnick.

Realmente, ele era o melhor candidato ao cargo. Depois de oferecê-lo a Michael Kinsley, então editor da revista on-line ‘Slate’, S.I. Newhouse Jr., dono da Condé Nast, pensou melhor, retirou a oferta e escolheu Remnick. Tudo aconteceu em poucos dias.

Em um momento Brown estava lá; no outro Kinsley pareceu estar lá; e no outro Remnick experimentava a queda livre do sucesso imprevisto, que é melhor interpretado, segundo ele, por Robert Redford em ‘O Candidato’, que, depois de uma vitória eleitoral improvável, termina o filme perguntando: ‘O que fazemos agora?’.

Embora haja outras revistas veneráveis nos EUA, não é certo se outra publicação tem o mesmo poder sobre a imaginação dos americanos que a ‘New Yorker’.

Nascida das energias literárias do início dos anos 1920 -Dorothy Parker foi a primeira crítica imperdível da revista- e movida por uma espécie de veneração provinciana pela vida em Manhattan, a revista tornou-se sinônimo de sofisticação inteligente.

Questionado sobre o que fez para revigorá-la, Remnick diz que não houve uma coisa, apenas uma questão de prestar atenção às despesas, concentrar-se em aumentar a circulação real em vez de distribuir exemplares, retirar alguns autores e acrescentar outros.

‘Você encontra os jogadores para pôr em campo’, diz, citando o lendário ex-treinador dos New York Yankees [time de beisebol] Joe Torre: ‘Você os coloca lá e os deixa fazer o que sabem fazer melhor’.

Futuro do jornalismo

Na verdade, muitos jogadores haviam sido contratados por Tina Brown, entre os quais nomes de primeira linha como Malcolm Gladwell e Anthony Lane, assim como uma equipe editorial central que Remnick também faz questão de citar: Dorothy Wickenden (editora-executiva), Pam McCarthy (subeditora) e Henry Finder (diretor editorial).

Salienta que grande parte do sucesso da revista pertence a eles.

Outro fator que contribuiu para o sucesso da ‘New Yorker’, explica, é que as revistas escaparam à ‘crise existencial’, induzida pela internet, que atormentou os jornais americanos. ‘Jantei com editores de jornais de todas as categorias, e as conversas às vezes pareciam uma despedida de suicida.’

Ele diz que a melhor maneira de ler uma revista ainda é em papel, mas, ‘para aqueles cuja segunda natureza é ler on-line, eu quero estar lá. Não quero fazer previsões idiotas sobre o que vai ser impresso e o que não vai ser impresso, simplesmente não sei. Mas faço questão de estar lá’.

Conseqüentemente, está ‘profundamente envolvido’ na criação do website da ‘New Yorker’ -não que ele seja facilmente convencido pelo tecnoevangelismo. Na verdade, os blogs não lhe dizem muito como escritor -’não tenho nada a dizer se não puder sair de casa e seria um péssimo crítico’.

E, até que sites como o Huffington Post comecem a gastar US$ 3 milhões por ano para relatar a guerra no Iraque, diz ele, os jornais que fazem isso continuarão sendo muito mais importantes para o futuro do país.

Como o site também abriu a porta para um público internacional potencialmente enorme, e a revista, sob sua supervisão, desenvolveu um enfoque maior nas atualidades, pergunto se foi tentado a expandir a marca ‘New Yorker’ no exterior.

‘Sim’, diz Remnick, rápida e enfaticamente. ‘A questão é até que grau a ‘New Yorker’ é tão ‘sui generis’ e americana para conseguir se tornar um produto internacional de sucesso.

Não sei, mas é algo que quero descobrir.’

Bonomia

Sua vida fora da revista é comum: gosta de assistir à televisão e escutar jazz, ir ao cinema com sua mulher, Esther Fein (brincando, ele censura o crítico da revista, Anthony Lane, por não falar mal o suficiente do filme ‘Sex and the City’, apesar de Lane ter sido cáustico), e ficar com seus três filhos: Alex, 17, Noah, 15, e Natasha, 9.

Embora os filhos possam se divertir com a comparação, é tentador ver Remnick como o George Clooney do jornalismo americano: sua afabilidade tem a força e a polidez de uma armadura, e seus comentários ‘off’ são conspirativos e desarmam as pessoas.

Ele exala bonomia.

Na última Conferência New Yorker -uma espécie de cúpula de Davos de visionários criativos, que ocorreu em maio-, ele estava disponível para qualquer um que desejasse lhe falar e parecia não apenas estar à vontade, mas realmente apreciar a companhia dos jornalistas que organizaram o evento.

O temperamento alegre de Remnick e sua capacidade instintiva de passar de líder a seguidor são provavelmente os segredos de seu sucesso. E, como tais, são qualidades que só podem ser refinadas, não aprendidas.

Como observou o escritor e humorista da revista Calvin Trillin quando Remnick foi anunciado como editor (com muitos aplausos na Redação): ‘Nunca me ocorreu que uma coisa tão sensata acontecesse’.

Ele usa intervalos curtos da revista para ‘sair de casa’ e renovar sua vocação de repórter.

‘Todos temos charges de quem somos, e a minha é que ainda faço reportagens’, diz.

Durante nossa refeição (chegamos com o restaurante vazio e continuamos lá muito depois de os clientes do almoço terem saído), ele repete como é grato e feliz por estar onde está.

Lembro a ele que, certa vez, disse em uma entrevista que editar a ‘New Yorker’ não era o emprego dos seus sonhos. ‘É só porque nunca sonhei com isso’, revida. ‘Mas o que poderia ser melhor?’

A íntegra deste texto saiu no ‘Financial Times’.

Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves.’

 

 

Folha de S. Paulo

Capa torna-se alvo de ambos os partidos

‘A edição da ‘New Yorker’ que chegou às bancas dos EUA na semana passada, tendo em sua capa uma charge sobre Barack Obama, candidato à Presidência do país, sofreu críticas tanto do democrata quanto de seu concorrente, John McCain, republicano.

Obama considerou a capa um ‘insulto aos muçulmanos norte-americanos’.

No desenho, ele é retratado em vestes típicas do Oriente Médio, ao lado de sua mulher, vestida como guerrilheira, queimando a bandeira dos EUA na lareira da sala da Presidência, sob um quadro do terrorista Osama bin Laden.

Remnick justificou a capa como uma tentativa de ‘redução ao absurdo’ dos preconceitos sofridos por Obama. McCain declarou que o desenho é ‘totalmente inapropriado’. O governador de Nova York, o democrata David Paterson, também criticou a charge.

A entrevista de Remnick nesta página foi concedida antes da publicação do número da ‘New Yorker’ que traz a capa polêmica.’

 

TELEVISÃO
Daniel Castro

Minissérie de Fernando Meirelles caça talento na web

‘‘Som e Fúria’, primeira minissérie da Globo com direção geral do cineasta Fernando Meirelles, misturará em seu elenco atores do extinto ‘TV Pirata’ (Regina Casé, Pedro Paulo Rangel) com globais ‘esquecidos’ (Felipe Camargo) e nomes desconhecidos.

Entre os lançamentos da minissérie, sobre os bastidores de um grupo teatral shakesperiano, estão o bailarino Rubem de Oliveira, da companhia de Ivaldo Bertazzo, Ique Gomez e Nico Nicolaiewsky, do espetáculo ‘Tangos e Tragédias’, e a novíssima Liana Naomi.

A paulistana Liana, 24, foi descoberta na internet. Ao lado da também descendente de japoneses Evelyn Matsuoka, ela protagoniza uma webserie, ‘Mina e Lisa’, que já tem 24 episódios (cada um dura, em média, três minutos).

A série trata de duas adolescentes descobrindo o sexo. É produzida por um coletivo, o Núcleo Virgulino, que reúne atores, diretores, roteiristas e técnicos profissionais, mas que ganham dinheiro com outros empregos. É de boa qualidade.

Na webserie, Liana é Mina. ‘Minha personagem quer perder a virgindade e faz uma lista de pretendentes. No meio disso, tem o drama: meus pais voltam para o Japão’, resume.

Liana conta que não recebeu nenhum centavo pelo trabalho (‘Fiz pela proposta e pelo exercício’), mas foi através dele que ganhou o papel de Emília Lu, a estagiária da companhia de teatro da série da Globo. ‘A Emília é uma personagem cômica, é caxias, chora quando faz as coisas erradas’, adianta.

Inicialmente prevista para ser uma série com episódios semanais, ‘Som e Fúria’ virou minissérie com capítulos diários. Começou a ser gravada na última terça, no Teatro Municipal de São Paulo, e irá ao ar em fevereiro de 2009. O texto é uma adaptação da série canadense ‘Slings and Arrows’.

IRRECONHECÍVEL

Dan Stulbach (foto) aparecerá com essa cara de bancário em ‘Som e Fúria’. Ele interpretará Ricardo da Silva, o diretor financeiro da companhia de teatro. No meio de artistas, ele é caretinha. Apesar de ambicioso, é facilmente influenciado. Sua missão é tornar as peças atraentes e lucrativas.

BRILHO AZUL

Bellatrix Carrijo Silva Serra (foto), 26, luta por um espaço na Globo desde 2002, quando participou de um concurso para atuar em ‘O Clone’. Agora, depois de várias pequenas participações e de uma oficina de atores, chegou sua vez. Está gravando a microssérie ‘Capitu’, de Luiz Fernando Carvalho.

Interpreta Sancha, amiga da personagem-título. A atriz goiana assina apenas Bellatrix, seu nome de batismo.

‘Meu nome vem do grego, significa primeira guerreira. É também uma estrela da constelação de Orion, que foi o motivo da escolha de minha mãe. Bellatrix é uma estrela que brilha azul’, diz.

Pergunta indiscreta

FOLHA – Uma coluna de TV publicou que um partido político está preparando sua candidatura à Presidência da República…

ROBERTO JUSTUS (publicitário e apresentador de TV) -Imagina… Nenhum partido nem chegou perto de mim.

Lá atrás, na última eleição, houve uma movimentação para me lançar para a prefeitura. Não vou dizer que dessa água não beberei, mas não existe nada agora.

MUTAÇÃO

Pela primeira vez, um programa que não é da Globo aparece em primeiro lugar no ranking dos mais vistos por crianças. Em junho, ‘Caminhos do Coração’, da Record, desbancou a novela das oito da Globo na preferência dos telespectadores de 4 a 11 anos de todo o país. Mas foi excepcional. A novela teve um único capítulo exibido naquele mês -justamente o último. Sua substituta, ‘Os Mutantes’, aparece ‘apenas’ na 11ª posição da lista.

AGUINALDO VOLTA

Aguinaldo Silva vai voltar a escrever seu blog, que tanto incomodou setores da Globo durante a exibição de ‘Duas Caras’. O retorno será em setembro, em grande estilo, com patrocinador e campanha publicitária. ‘Quem acha que eu era demasiado polêmico na fase anterior não perde por esperar.

Afinal, de bons rapazes e moças bem-intencionadas a mídia já está cheia’, avisa Silva.’

 

Laura Mattos

‘Power Rangers’ usam armas, mas não precisam ser abolidos

‘Os pais ensinam os filhos a escovar os dentes, se alimentar e fazer dever de casa. Por que não ensinar a ver TV? É claro que cedo eles aprendem a ligar o televisor e trocar de canal, mas a questão é o que fazer para que saibam escolher bons programas e não vejam, por exemplo, policialescos sangrentos.

No próximo dia 29 será lançado em São Paulo um livro que dá aos pais dicas práticas para descobrir se os pequenos estão vendo TV de forma ‘saudável’.

Aponta ‘vilões’, principalmente para crianças menores, como propagandas, noticiários e ‘novelas adultas que dão o golpe de criar núcleos infantis’ para atrair a meninada. ‘A TV que Seu Filho Vê’ (Panda Books, 184 págs, R$ 29,90) é de Bia Rosenberg, que dirigiu por 20 anos, até 2007, a programação infantil da Cultura. Formada em rádio e TV na USP, está no canal há 30 anos. Sob sua gestão surgiram programas como ‘Bambalalão’, ‘Castelo Rá-Tim-Bum’ e ‘Cocoricó’.

Está aí o principal diferencial do livro: ter como autor não um acadêmico, mas alguém que conhece os bastidores da televisão e se especializou em produzir programas para a criançada.

Rosenberg não traz novas pesquisas -e este pode ser o lado negativo do livro-, mas compila estudos já existentes com linguagem simples.

Tem como base de sua teoria um tema que está na moda entre educadores e é academicamente chamado de ‘alfabetização para a mídia’ ou ‘educomunicação’ (educação + comunicação). Em suma, acredita-se que crianças devam ser ensinadas a consumir criticamente a mídia, em especial televisão, que, desta forma, pode se tornar uma aliada na educação.

A novidade de ‘A TV que Seu Filho Vê’ é propor métodos para que os pais ensinem a usar o controle remoto de forma considerada -ao menos por eles- adequada. Sugere, por exemplo, a criação de tabelas em que cada membro da família anote por uma semana o que viu na telinha e aponta maneiras de analisar o levantamento e mudar hábitos.

4,5 horas diárias

A autora cita números que dão a dimensão da importância do assunto, a começar pelo tempo que meninas e meninos brasileiros de quatro a 11 anos ficam diante da telinha a cada dia: 4,5 horas, segundo o Ibope (2005). Rosenberg usa a calculadora para concluir que, aos 17, o jovem terá passado quatro anos vendo TV. ‘A televisão é como alguém que entra em casa e fala um monte de coisas para as crianças, sem que os pais saibam exatamente o quê’, diz.

Uma vez que continua na Cultura, Rosenberg parece obrigada a manter certa diplomacia ao comentar a produção atual para crianças. No livro, lista todos os programas de TV aberta e paga, mas se limita a descrevê-los. ‘Quem sou eu para dizer aos pais o que é bom ou ruim para seus filhos?’, diz ela, que, a pedido da Folha, deu seu parecer sobre cinco infantis de sucesso, como ‘Backyardigans’ e ‘Pica-Pau’.

Seguidora da linha da ‘educomunicação’, crê que quase tudo na TV pode ter efeito positivo no desenvolvimento da criança, desde que os pais estejam por perto para orientá-la. Também defende que programas importantes para o grupo social do filho não devem ser abolidos, mesmo que os pais os considerem ‘horríveis’. ‘A criança pode ser considerada ‘uma estranha’ pelos amigos.’

Rosenberg usa como exemplo o ‘Power Rangers’, no qual heróis vencem inimigos pela luta e com o uso de armas. ‘Se o menino adora a série, que tem violência, os pais podem mediar, mostrando que não se pode resolver tudo na porrada.’’

 

 

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Para autora, noticiário e propaganda são ‘vilões’

‘‘Como fica a cabeça da criança que vê no telejornal a cobertura dramática do acidente da TAM e sabe que seu pai vai pegar um avião no dia seguinte?’

Bia Rosenberg, autora de ‘A TV que Seu Filho Vê’, defende que crianças em idade pré-escolar não devem assistir a telejornais. ‘As imagens e a narrativa são muito impactantes, e elas ainda não têm condição de relativizar a informação’, diz.

A psicóloga Rosely Sayão, colunista da Folha, acredita que, nessa idade, os pequenos ainda ‘não têm recursos para lidar com os dados de realidade’. ‘É só observar o impacto negativo que as notícias sobre os assassinatos da Isabella [Nardoni] e do menino João Roberto, do Rio, tiveram sobre as crianças.’

O pediatra Oswaldo Cudízio Filho, professor da Faculdade de Ciências da Saúde, também acha que os pequenos devem ser poupados das grandes tragédias, mas pondera sobre o não-acesso dos pré-escolares a noticiários. ‘É bom avaliar a maturidade de cada criança.’

Rosenberg considera que após os sete anos já se pode ver telejornais, de preferência com os pais, que devem conversar sobre as notícias. Os filhos podem ser provocados a pensar sobre como o noticiário é feito.

Propaganda

A autora também é contrária à veiculação de publicidade na programação infantil, que ‘incentiva precocemente o consumismo’. E, desde pequenas, diz, as crianças devem ser informadas de que os anúncios têm o objetivo de vender. Diretora de infantis na Cultura por 20 anos, a autora admite: ‘Acabar com a propaganda pode ser uma ameaça à produção para crianças. Mas é preciso buscar alternativas, como transferir fundos da propaganda em horário adulto para os infantis’.

Apesar de ser uma TV majoritariamente mantida pelo Estado, a Cultura coloca em sua programação propagandas que estão nas TVs comerciais. Procurada pela Folha, a assessoria da rede afirmou que ‘a Fundação Padre Anchieta [que administra a Cultura] sempre adotou uma postura diferente do mercado com relação à publicidade infantil e respeita preceitos estabelecidos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente’. Também está ‘reduzindo gradativamente a publicidade voltada às crianças’ e o número de intervalos, com ‘veiculação só entre um programa e outro’.

A restrição à publicidade infantil é defendida por projeto de lei em discussão no Congresso. Para a Abap (Associação Brasileira de Agências de Publicidade), ele é ‘inconstitucional’, pois o ‘Estado só pode legislar sobre publicidade de bebidas alcoólicas, medicamentos, tabaco, terapias e agrotóxico’. ‘E quem pagará a produção de infantis? Essa senhora [Rosenberg] está propondo novo modelo de negócio, talvez que se aumente o preço de assinaturas da TV paga ou se cobre pela aberta’, ironiza Dalton Pastore, presidente da Abap. A Abert, associação de TVs, diz que a restrição iria inviabilizar financeiramente a produção de programas infantis e que a publicidade já é auto-regulamentada pelo Conar.

Truque

Uma das críticas mais contundentes de ‘A TV que Seu Filho Vê’ é às novelas das sete da Globo. ‘Usam o truque, um golpe, na verdade, de criar núcleo com crianças para atrair ibope infantil, e as tramas têm temática adulta’, afirma Rosenberg. O livro cita pesquisa da Unicamp que contabilizou 900 beijos do protagonista de ‘Kubanacan’ (2003) em 30 parceiras diferentes. Para a autora, isso estimula a prática de ‘ficar com várias pessoas’.

A Globo rebate: ‘Infelizmente, o Brasil vive uma escalada contra a liberdade de expressão. A tal ponto que até uma comédia nonsense está sujeita a patrulha. Vale registrar que essa postura moralista é ainda mais sem sentido porque nossa programação passa, compulsoriamente, por classificação indicativa e porque cremos que, por mais qualificada que seja a autora, os pais-cidadãos são capazes de escolher o melhor para seus filhos’.’

 

 

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Nova, TV para bebês ainda gera polêmica

‘Com o advento da TV paga, a programação infantil está cada vez mais segmentada para diferentes faixas etárias, o que favorece também o mercado publicitário. E esses canais são mesmo um ótimo negócio. Campeões de audiência, chegam a bater até os de séries e filmes.

Entre os canais mais bem-sucedidos estão o Discovery Kids, para pré-escolares, e o Cartoon, focado nas crianças mais ‘crescidas’.

Bia Rosenberg, autora do livro ‘A TV que Seu Filho Vê’, lembra que ‘a TV Cultura também sempre trabalhou com horários para cada faixa etária.’

‘As crianças não costumam respeitar a segmentação. Elas passeiam por diferentes programas.’

Ela lembra que a novidade são os polêmicos programas e até emissoras só para bebês. A Associação Norte-Americana de Pediatria recomenda que nessa idade não se veja televisão. Rosenberg discorda. Acha inevitável que os bebês estejam expostos à telinha. ‘E, já que é assim, é melhor que vejam algo feito para eles.’

Rosenberg cita ainda a chamada fase ‘tween’, termo em inglês criado para designar os que estão entre a infância e adolescência.

‘É uma idade bastante difícil para quem faz programas, porque eles ora se interessam por infantis, ora por programas adultos.’’

 

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Opiniões da autora

‘CHAVES

‘É estereotipado, mas muito engraçado.

Lembra um pouco a comédia de circo, de palhaços, e algumas vezes ensina brincadeiras divertidas’

BACKYARDIGANS

‘É educativo. Como as crianças, os personagens brincam de fantasiar, de estar em outro lugar. A série traz essa representação da brincadeira, mas é importante que as crianças não deixem de brincar’

TURMA DO PICA-PAU

‘É irreverente e mostra o domínio dos mais fracos sobre os mais fortes.

As crianças se identificam porque são mais ‘fracas’ no mundo dos adultos.

Tem também uma malícia de adulto, mas pode ser encarado como uma brincadeira’

LAZY TOWN

‘É louvável estimular a prática de esporte e a alimentação saudável. Por outro lado, o programa propõe muita ginástica, um nível exagerado de atividades, e não fala do tempo para ler e estudar, por exemplo’

POWER RANGERS

‘Tem um heroísmo bonito, de salvar o mundo. Mas uma violência pouco adequada, ao mostrar que só por meio da força física o mundo pode ser salvo. É bom mostrar à criança que há outras formas. Mas ela também intui que aquilo não é real. E essa fase de ‘Power Rangers’ passa’

BIA ROSENBERG

autora de ‘A TV que Seu Filho Vê’’

 

Bia Abramo

A alegria de ver bichos

‘A VIDA selvagem presta-se, na televisão, a dois tipos de abordagem. Um é o documentário da natureza nos moldes anglo-americanos, com imagens espetaculares e uma certa precisão, se não científica, pelo menos informativa sobre aquilo que se está vendo. Nessa modalidade ‘Planet Earth’, as séries da BBC dirigidas por David Attenborough são imbatíveis, pela raridade e beleza das filmagens, bem como pela narrativa sóbria, não-humanizadora e que é capaz de despertar a curiosidade científica.

A outra é a do entretenimento, seja pelo lado turístico, como a que vem sendo praticada pelo ‘Globo Repórter’, ou pelo lado aventureiro, que aproxima a vida dos animais ao que há de ‘radical’ dos esportes assim qualificados, como muitas das que estão em exibição no Discovery. Um brasileiro de nome estrangeiro, Richard Rasmussen, vem, em seu quadro ‘Selvagem ao Extremo’, exibido no ‘Domingo Espetacular’ da Record, fixando uma outra modalidade de programa de natureza. Para começar, ele mesmo é um naturalista, o que equivale a dizer que sua curiosidade por bichos, plantas e o meio ambiente é quase inesgotável.

Ele não se interessa apenas pelo bicho maior, ou mais raro, ou mais feroz, ou seja, por aquele que sai melhor na foto.

Rasmussen pode estar no meio de uma matéria sobre jacarés do Pantanal e parar para observar uma aranha que outros olhos desprezariam.

Sua intimidade com os animais é física -gosta de pegar, de apalpar, de cheirar, de botar no colo. Seu entusiasmo não apenas torna o programa vibrante, mas é daqueles que são capazes de contaminar e despertar o mesmo desejo de conhecer no espectador.

Há em ‘Selvagem ao Extremo’ uma preocupação de não apenas mostrar o espetacular, mas como que dissecar por fora, de mostrar tudo aquilo que faz daquele bicho uma espécie de milagre da natureza.

Além disso, Rasmussen é dono de uma comunicabilidade fácil e verdadeiramente espontânea, o que faz dele um ser televisivo por excelência. Com formação em biologia, mas sem ser um especialista, ele consegue conversar com os biólogos, zoólogos e outros profissionais da área com propriedade, e, ao mesmo tempo, explicar a informação especializada para o espectador.

O que atrapalha ‘Selvagem ao Extremo’, além da quantidade excessiva de reprises, é que o discurso resvala, vez por outra, em um beco quase sem saída em que se encontra toda a contemplação da natureza: a sensação de que aquilo é tão precioso e único que a vida humana soa como uma ofensa.’

 

 

Jerome Taylor

Não é brincadeira

‘As crianças ainda são alvos de fabricantes de ‘junk food’ que anunciam seus produtos pela internet ou por meio de promoções ‘virais’, apesar da proibição no Reino Unido de anúncios de TV promovendo alimentos pouco saudáveis para menores de 16 anos.

Um relatório do grupo de defesa dos consumidores Which?

[Qual?] revela que empresas que fabricam produtos com alto teor de sal, gordura e açúcar continuam a usar táticas testadas e comprovadas para promover alimentos menos saudáveis para o público infanto-juvenil ao mesmo tempo em que exploram táticas de publicidade de ‘porta dos fundos’ para evitar os regulamentos.

Em janeiro deste ano, devido à preocupação com o aumento da obesidade infantil, foi proibida a veiculação de comerciais de ‘alimentos pouco saudáveis’ na TV.

Novas táticas

Mas os defensores dos consumidores dizem que as empresas estão agindo com astúcia crescente, encontrando outras maneiras de anunciar seus produtos para as crianças.

O relatório constatou que, além do emprego de técnicas tradicionais para comunicar-se com o público infantil e juvenil -como personagens de quadrinhos, vinculações com filmes e o endosso de celebridades-, os fabricantes de ‘junk food’ vêm promovendo seus produtos para crianças por meio da web, de sites de jogos ou concursos patrocinados em celulares, cujos participantes podem ganhar prêmios.

Sue Davis, do Which?, explicou: ‘Não nos opomos aos alimentos gostosos nem ao marketing, mas combatemos as práticas irresponsáveis das empresas e as promessas feitas por elas da boca para fora’.

‘Basta percorrer qualquer supermercado para ver a quantidade de personagens de quadrinhos que convencem as crianças a escolher a opção menos saudável. É hora de todos os fabricantes de alimentos começarem a fazer sua parte e voltar sua enorme gama de técnicas de marketing criativas e persuasivas para a venda de alimentos mais saudáveis às crianças, em lugar dos menos saudáveis’, conclui ela.

Embora as leis britânicas estejam entre as mais duras do mundo no que diz respeito à regulamentação de como e quando as empresas podem anunciar seus produtos para o público infantil, os sites de marcas têm liberdade total em relação a seus conteúdos, como jogos e promoções, já que estes são classificados como conteúdo editorial.

Mudanças na lei

Desde 1º de janeiro passado, numa tentativa de fazer frente à preocupação crescente com a obesidade infantil, os anúncios promovendo alimentos pouco saudáveis foram proibidos na televisão em programas populares com as crianças menores de 16 anos.

Os canais via satélite voltados ao público infantil têm até dezembro para fazer a retirada progressiva desses anúncios.

Muitos ativistas da saúde dizem que o governo deveria ter proibido toda e qualquer publicidade de ‘junk food’ exibida antes das 21h.

A Campanha Alimentação Infantil estima que 18 dos 20 programas mais assistidos pelas crianças não são cobertos pela proibição, por serem classificados como programas adultos.

Já as emissoras de TV argumentam que a qualidade da programação infantil será prejudicada devido à queda na receita publicitária.

A íntegra deste texto saiu no ‘Independent’.

Tradução de Clara Allain.’

 

 

MEMÓRIA / DERCY GONÇALVES
Sergio Torres e Fabiane Roque

Aos 101, morre a atriz Dercy Gonçalves

‘A atriz e comediante Dercy Gonçalves morreu às 16h45 de ontem no hospital São Lucas (Copacabana, zona sul do Rio), onde foi internada durante a madrugada, vítima de pneumonia. Ela tinha 101 anos. A causa da morte foi insuficiência respiratória e infecção pulmonar, conseqüências da pneumonia grave. Ela deixou a filha única, Dercimar; não era casada.

Até a conclusão desta edição, a família não divulgou informações sobre velório e enterro. O mais provável é que o corpo da artista seja sepultado em seu município natal, Santa Maria Madalena, na região noroeste fluminense, a 230 km do Rio.

A atriz Marília Pêra prepara já há alguns meses a montagem de uma peça em homenagem à artista, na qual será diretora. O texto de ‘Dercy por Fafy’ é de Maria Adelaide Amaral, biógrafa de Dercy.

Filha de um alfaiate e de uma lavadeira, que a abandonou e aos seis irmãos pequenos, Dolores Gonçalves Costa, nome de batismo de Dercy, fugiu de casa aos 17 anos, para se incorporar a uma companhia de teatro instalada na cidade de Macaé (litoral norte do Estado do Rio).

A estréia teatral de Dercy aconteceu em 1929, na cidade de Leopoldina, na Zona da Mata de Minas. Ela integrava o elenco da Companhia Maria Castro. No ano seguinte, passou a trabalhar em parceria com o ator e cantor Eugênio Pascoal, com quem formou a dupla ‘Os Pascoalinos’, que se apresentava em cidades interioranas. Pascoal foi seu primeiro namorado, conforme relatos da própria Dercy.

No Rio, a partir da década de 30, Dercy passou a trabalhar no teatro de revistas, tornando-se um sucesso pelo comportamento irreverente no palco, que se contrapunha à beleza das vedetes. Nos anos 40, integrou a companhia do empresário Walter Pinto. Na década de 60, Dercy passou a investir em espetáculos solitários. Rodou o país inteiro, sempre com falas recheadas de palavrões, misturando histórias tristes ditas autobiográficas.

No cinema, estreou em 1943, em ‘Samba em Berlim’, do cineasta Luiz de Barros. Ela contracenou, no filme, com outros craques da comédia nacional, como Grande Otelo, Mesquitinha, Catalano e Brandão Filho. Atuou em 24 filmes.

Dercy também trabalhou na televisão. Reza a lenda surgida em torno de sua carreira que, em 1963, era a atriz mais bem paga da TV Excelsior. Em 1966, ingressou na TV Globo, inaugurada um ano antes.

Até 1969, ela apresentou na Globo o programa de auditório ‘Dercy de Verdade’. Depois, foi contratada pela Record, onde atuou em programas humorísticos e de variedades. Passou ainda pela Bandeirantes antes de voltar à Globo, onde em 1984 participou do humorístico ‘Humor Livre’.

Em 1991, com os seios à mostra, a artista foi o tema do enredo da escola de samba Unidos do Viradouro, de Niterói, em desfile do Rio.’

 

 

Agildo Ribeiro

Comediante unia talento e coragem

‘Se Monteiro Lobato fosse vivo, com certeza já estaria adaptado à irreverência ao extremo, pornográfica até, no bom sentido, cáustica e individualista de nossos tempos. E a boneca Emília do século 21 teria, com certeza, o perfil de Dercy Gonçalves.

Ou talvez Dercy fosse uma Emília nos padrões atuais de humor, sarcasmo, inteligência e, principalmente, talento criativo. Felizmente, pertenço às duas gerações: à de ‘Sítio do Pica-Pau Amarelo’ e à de ‘O Bordel de Dercy’.

Bordel que amamos, no qual nos divertimos, com que aprendemos e, sem dúvida, que respeitamos.

Pois Dercy era um gênio autêntico. Importa muito o que ela falava, fosse em qualquer setor de nossa vida pública, e mais ainda o que ela fazia, nos últimos anos, com uma performance e um vigor de dar inveja.

Em depoimento à Folha na década de 90, afirmou: ‘Não tenho doença, não tenho dores, não tenho saudade de nada nem de ninguém. Não tenho ódio, não tenho amor, nunca fui apaixonada.

Sou livre. Não tem outra igual a mim! Ninguém tem mais moral do que eu’.

Aí ela é igual à Emília de Monteiro Lobato, que afirmava: ‘Não tenho ódio nem amor, sou livre e não tenho medo de nada, porque sou boneca de pano com macela por dentro. Qualquer ‘desastre’, a Tia Anastácia me faz outra’.

A diferença é que não se faz outra Dercy. Nunca mais, da boca de ninguém, se ouvirá: ‘Não saio sem dentadura, pestana e peruca’.

Afirmação de uma coragem única numa artista como ela, que pode dispensar esses detalhes, porque sai com aquilo que é o maior presente que Deus lhe deu: seu imenso e inconfundível talento.

Ela, como todo humorista, era o desabafo do povo, a alegria de todos aqueles que a ouviam, embevecidos, porque ao povo não é dado o direito de dizer francamente aquilo que pensa… e ela podia. Podia e devia. Estava, como sempre esteve, acima do bem e do mal.

Atuando nas mesmas áreas -teatro, filmes e TV-, nunca tive a oportunidade de contracenar com ela. Mas vi quase tudo o que fez e aprendi. Imito-a em quase todos os meus shows e programas de TV.

Nesses momentos, ‘incorporo’ a figura dela e isso me dá uma imensa satisfação. É uma homenagem que tento fazer.

Não conheço a cidade de Santa Madalena, no Rio, onde em 23 de junho de 1907 nasceu Dercy. Um dia vou reverenciar a terra que produziu esse gênio. Quero ‘viajar’ no berço da estrela que dividiu com Oscarito a revista, ‘Quero Ver isso de Perto’, a que assisti umas 20 vezes no teatro Carlos Gomes. Pois ali estavam os dois que muito trabalho deram para a censura da época.

Ri, como sempre riu com ela todo o país. Como sempre riu e riem várias gerações beneficiadas pela arte incomparável dessa deusa do humor.

AGILDO RIBEIRO é ator e humorista’

 

 

***

Repercussão

‘LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA, presidente da República, em comunicado:

‘A irreverência e a força da personalidade de Dercy Gonçalves vão deixar saudade em todos os brasileiros. […] A idade não importava, a verdade é que Dercy se manteve jovem durante toda a vida.’

MARIA ADELAIDE AMARAL, autora de ‘Dercy de Cabo a Rabo’:

‘Era extremamente puritana, apesar de todos acharem que era uma pervertida. Casou-se virgem, deu uma educação conservadora para a filha, prezava o respeito. Acho que morreu sem viver um grande amor. Apesar da máscara pública da Dercy, entre quatro paredes ela era a pessoa mais triste e solitária que eu conheci.’

JÔ SOARES, apresentador:

‘A Dercy era um marco na história do teatro, do cinema e da TV no Brasil, inclusive por sua maneira absolutamente original, única, de interpretar.’

SÁBATO MAGALDI, crítico:

‘Ela tinha um talento espontâneo admirável, uma presença de espírito muito rara em atores e total domínio do público. Em seu gênero, foi a atriz mais importante do teatro brasileiro. Falar mal dela por causa dos palavrões é ridículo.’’

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