Jornalistas estão na ordem do dia. A disputa de poder político e a violência urbana impuseram a própria mídia como tema na agenda pública ao longo da última semana. Não que os problemas não existissem antes. Eles existiam. É que parece que agora se tornou inevitável sua discussão e a busca de soluções em nome do interesse público.
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Não há registro de reação tão incisiva de um presidente da República como a manifestada pelo presidente Lula à publicação pela Veja (edição nº 1956, de 17/5 2006) de acusações graves contra ele e outros integrantes do seu governo, que a própria revista reconhece não ter conseguido comprovar: ‘Mentira, irresponsabilidade, leviandade, jornalismo de podridão’, foram alguns dos adjetivos e expressões utilizados pelo presidente.2.
O fato foi devidamente tratado neste OI [ver remissões abaixo] e teve repercussão inédita na própria mídia provocando, inclusive, um raro editorial do Estado de S.Paulo que condena Veja por denuncismo, por ter como objetivo ‘desintegrar o governo’ e pela ‘agressão às normas éticas’.3.
A violência urbana explodiu em São Paulo. Os programas de televisão – ditos policiais – exploraram a crise à exaustão. No meio da confusão o Jornal da Band divulga uma entrevista com o criminoso que chefiou a desordem. Só que o entrevistado não é o bandido. Um telejornal da RedeTV! provoca pânico na população e congestiona o ramal 190 da polícia.4.
Qual o papel da mídia em situações como essa? Qual a melhor maneira de cumprir a sua missão principal que é servir ao interesse público? A Folha de S.Paulo tratou do assunto em duas matérias e o Estado de S.Paulo dedicou página inteira ao tema.5.
Falando em evento sobre a TV digital, o presidente do Grupo Bandeirantes, Johnny Saad, referindo-se à fusão entre a Sky e a DirectTV a à compra de parte da NET pela Embratel, afirmou: ‘Se elas [a fusão e a compra] passarem [pelo CADE, do Ministério da Justiça], todo o conteúdo veiculado pela TV paga dependerá da opinião de uma única família do Jardim Botânico [os Marinho, da Globo]’.6.
O ex-deputado e ex-presidente do PT, José Genoino, divulga longa carta anunciando seu retorno à militância política depois de meses de silêncio e reclusão voluntária. Ele, que durante anos manteve excelentes relações com os jornalistas que cobriam o Congresso Nacional – e era o membro da oposição necessariamente ouvido em todas as matérias – faz agora ácida crítica à mídia. Escrevei Genoino:‘Assim como o predador persegue sua caça, a mídia busca obsessivamente o espetáculo. Seu alimento predileto são as crises, sejam elas reais ou não. E, para sobreviver, julga e condena sumariamente, mistura público e privado, promove o vale-tudo. Transforma o mundo em um Coliseu pós-moderno, tão sanguinário e horrendo quanto o romano’
Responsabilidade profissional
Esses fatos e essas denúncias – ao lado da indiscutível centralidade que a mídia ocupa no cotidiano de todos nós – não estariam a revelar que algum tipo de responsabilização formal é necessário em relação à prática profissional do jornalismo, às atividades e à concentração das empresas de mídia?
Se advogados suspeitos de colaborarem com os criminosos são passíveis de processo pelos conselhos da Ordem dos Advogados do Brasil, não deveria haver mecanismo semelhante que tratasse dos casos óbvios de violação da ética por parte de jornalistas profissionais e empresas de mídia?
Sistemas de responsabilização da mídia (media accountability systems, MAS) existem e funcionam nas democracias de todo o mundo. Não, isso não tem nada a ver com censura. Não, isso não tem nada a ver com autoritarismo, stalinismo ou outros rótulos do gênero.
Jornalistas e empresas de mídia não são inimputáveis. É preciso que tenham a responsabilidade profissional e ética que a sua atividade exige em nome do interesse público. Ou José Genoino tem razão e nossa mídia de fato se transformou no ‘coliseu pós-moderno’?
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Pesquisador sênior do Núcleo de Estudos sobre Mídia e Política (NEMP) da Universidade de Brasília e autor, entre outros, de Mídia: Teoria e Política (Editora Fundação Perseu Abramo, 2ª ed., 2004)