Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O Estado de S. Paulo

MÍDIA & POLÍTICA
O Estado de S. Paulo
Estadao.com.br trará ficha digital de candidatos a vereador

‘Para tornar possível aos paulistanos conhecer cada um dos cerca de mil candidatos que disputam as 55 cadeiras da Câmara Municipal de São Paulo, o portal estadao.com.br lança nesta quinta-feira o projeto Vereador Digital, um serviço destinado a mostrar quem são eles e o que se propõem a fazer em troca do voto do eleitor. Assim, será possível ao internauta acessar pelo portal entrevistas gravadas por cada um dos candidatos, em que falam das propostas que pretendem pôr em prática caso sejam eleitos.

Essas entrevistas integram páginas específicas para cada concorrente. Nessas páginas, eles respondem a perguntas feitas pelos jornalistas do portal – entre elas sua área de atuação, o que consideram o principal problema da cidade, político predileto, ídolo e time para o qual torcem. Nas páginas, o internauta terá à disposição dados biográficos, informações sobre escolaridade e renda, filiação partidária, o número na urna, além de foto e link para o site oficial do candidato.

Os cerca de mil vídeos terão em média três minutos de duração cada um e vão permitir revelar um perfil inédito da classe política paulistana. O conjunto de fichas eletrônicas ocupa um espaço de 10 gigabytes de memória – espaço que poderia abrigar nada menos que 2.500 músicas ou 10 mil fotos digitais. Por meio de recursos multimídia, o site também explica o funcionamento da Câmara Municipal e qual é o papel de um vereador. O tempo total de gravação deverá superar a casa de 50 horas.

Para montar o Vereador Digital, foram necessários quase dois meses, para localizar e contatar os candidatos, diretamente e através de seus partidos, por telefone, e-mail e carta. Até o momento, mais de 500 já foram entrevistados. Candidatos que ainda não tenham sido ouvidos poderão entrar em contato com a coordenação de produção do projeto para a devida inclusão.

Com base nesse banco de dados, as equipes do Grupo Estado produzirão uma série de reportagens que ajudarão o eleitor paulistano a entender melhor a política local e a conhecer seus representantes na Câmara Municipal. Esse conteúdo será veiculado pelo portal estadao.com.br, pelo Estado, pelo Jornal da Tarde e também pela Rádio Eldorado.

Para entrar em contato com a produção do projeto Vereador Digital, candidatos a vereador devem procurar Giulianna Correia, pelos telefones (11) 3722-0259 e 3722-0343 ou através do e-mail producaotv@estadao.com.br.’

 

Gabriel Manzano Filho

Guerra na TV começa terça-feira

‘A guerra será longa: 42 dias, de terça-feira até 2 de outubro. O desafio é imenso: brigar pelos 7.593.144 votos do eleitorado de São Paulo. E ficou mais dramático com a grande vantagem obtida pela petista Marta Suplicy sobre os demais, apontada na pesquisa Ibope divulgada ontem pelo Estado.

Nessas seis semanas, o marqueteiro de Marta, João Santana, vai brigar para manter e ampliar seus atuais 41% de intenções de votos. Contra ele estarão principalmente os marqueteiros de Geraldo Alckmin (PSDB), Lucas Pacheco, o do prefeito Gilberto Kassab (DEM), Luiz Gonzales, e o de Paulo Maluf (PP), Marcelo Teixeira. E, para completar o cenário, o PPS de Soninha Francine e o PSOL de Ivan Valente darão seus recados rápidos e diretos – sem marqueteiros – de um minuto e alguns segundos.

A diferença de tempo de cada um torna a batalha desigual: enquanto Kassab dispõe de mais de 8min44s, Marta tem 6min40s, Alckmin 4min27s e Maluf 2min30s, os demais vão caindo até os 54 segundos de Levy Fidelix. No rádio, os programas serão às 7h30 e ao meio-dia. Na televisão, um às 13 horas e outro às 20h30 – todos eles de 30 minutos.

A grande vedete da campanha aparece logo na estréia do programa de Marta. É o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que apresentará seu apoio à petista, no programa da quarta-feira – pois a terça será dedicada apenas à apresentação dos vereadores. Lula grava hoje esse texto, que a ex-prefeita diz não conhecer ainda. ‘Ela terá um programa marcante na forma, consistente no conteúdo’, promete o marqueteiro Santana. Seu rival direto, o tucano Alckmin, tem como resposta o depoimento do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. O marqueteiro tucano Pacheco diz que vai recorrer à experiência do ex-governador: ‘A melhor estratégia é o candidato, ele é o mais preparado’, avisa.

Talvez o maior desafio seja o do marqueteiro Gonzalez: dispõe de um tempo enorme, tem um candidato que ainda não decolou e precisa aproximar os 8% de intenções de voto de Kassab aos 50% de aprovação de seu trabalho como prefeito. ‘O programa terá um pouco de tudo, será uma revista’, avisa ele, ciente de que a missão é transformar o prefeito em alguém em que o eleitor confie mais. Já no primeiro programa será apresentado um pot-pourri de realizações na cidade nos últimos dois anos.

O marqueteiro Marcelo Teixeira, da Makplan, tem a tarefa de apresentar o plano ambicioso de Maluf de construir uma grande freeway, com pistas de alta velocidade, nas Marginais do Tietê e do Pinheiros. ‘Qual a obra viária que eles (os adversários) fizeram? Basta que o povo mesmo compare. O que resolveram na área de saúde os três? Não precisa bater boca com ninguém para mostrar o que a gente fez’, diz Teixeira.

Nos partidos menores, e com tempo curto, o esquema é mais simples e direto. Com apenas 1 minuto e 46 segundos, a candidata Soninha, do PPS, virá com uma perguntinha provocante – ‘quem é que disse?… – para levantar questões sérias da cidade e levar o eleitor a repensar seu modo de escolher um candidato.

E o PSOL, de Ivan Valente, com mensagens claramente estatizantes, pretende mostrar ‘que o capitalismo transformou São Paulo num monumento à irracionalidade humana’. O candidato avisa: ‘Não temos orçamento nem marqueteiro. Quem leva adiante nossa campanha são os militantes’.’

 

GUERRA NA GEÓRGIA
Lourival SantAnna

‘Um miliciano mirou o fuzil no meu peito e pulei na estrada’

‘Eram 10h47 de quarta-feira quando chegamos à bifurcação depois de Gori, 80 quilômetros a oeste de Tbilisi (capital da Geórgia). À esquerda, a estrada segue para o Porto de Batumi, no Mar Negro; à direita, para Tskinvali, capital da província separatista da Ossétia do Sul. Entramos devagar pela estrada coberta de brita fina. A 100 metros, vimos os primeiros tanques russos. Um soldado se abaixou e mirou o fuzil no nosso jipe, em posição de tiro. Voltamos de ré para a estrada principal.

À frente, na direção de Batumi, os poucos carros na estrada davam meia-volta e aceleravam em direção a Gori. Disparos de fuzis e artilharia vinham daquele lado. Eu saberia depois que o Exército russo estava completando ali seu movimento de pinça para bloquear o acesso georgiano às províncias separatistas da Ossétia do Sul e da Abkházia (a noroeste). O motorista e o dono da agência de carros – que nos acompanhava porque os seguros não estão cobrindo viagens para fora de Tbilisi e ele queria certificar-se de que seu jipe voltaria – ficaram de me esperar nos arredores de Gori, que, conforme eu presenciara na véspera, tinha sido bombardeada pela aviação russa e abandonada pelo Exército georgiano.

Voltei caminhando pela estrada, com minha credencial na mão e gritando: ‘Press, Korrespondant.’ Quando cheguei ao posto de controle, que representava a linha divisória entre as áreas controladas pela Geórgia e pela Rússia, contei 13 tanques e cerca de 30 militares russos. O comandante era um major. Mostrei minha credencial e meu passaporte brasileiro. Expliquei que queria ir para Tskinvali. Chamou um soldado checheno, que pilotava um dos tanques e falava um pouco de inglês.

O soldado examinou minha câmera, que não tinha nenhuma imagem. Levou-me para perto de uma pequena construção de alvenaria, parecida com um posto da polícia rodoviária no Brasil, e me disse que eles parariam um carro para me levar para Tskinvali. Tirou de um bolso da farda um pacote de gaze e amarrou no meu ombro.

A faixa branca é o símbolo dos militares russos e dos milicianos ossétios, que se consideram ‘forças de paz’ na Ossétia do Sul. Um acordo firmado em novembro de 1992, após a declaração de independência da Ossétia do Sul, seguida de um conflito armado, criou forças de paz russas, ossétias e georgianas, para garantir a ordem na província. Os georgianos acusam os russos de apoiar os separatistas ossétios e as escaramuças entre os dois lados foram freqüentes, até desencadear, no dia 8, a ofensiva militar da Geórgia, para retomar a província.

Peguei o celular para avisar Giorgi, o dono da locadora de carros, que tinha conseguido passar. O soldado quis ver as imagens do celular. Mostrei uma foto dos meus filhos. Ele me disse que também tinha dois filhos, era do Daguestão (república russa), e me pediu para telefonar para casa. Marquei os números, mas a ligação não completou. Faltava o código da Rússia (7), que ele não sabia.

Talvez contrariado com o telefonema, o major deu ordem para o soldado manobrar o seu tanque. Então o próprio major se aproximou e me ofereceu uma garrafa de Fanta, com um quarto de conteúdo. ‘Spassiba’, recusei. Tinha acabado de tomar quase uma garrafa de água no carro, antes de vir. O major insistiu. Um soldado ao lado fez sinal para eu aceitar. Compreendi que era uma ordem, e virei todo o refrigerante, morno e sem gás. Só mais tarde entenderia o valor do líquido. Não há água potável, comida nem eletricidade em Tskinvali. Só os militares russos têm geradores e suprimentos.

Os disparos se aproximaram do checkpoint. Mandaram que eu ficasse atrás de um tanque, enquanto assumiam posições de tiro. Nisso, cinco milicianos ossétios cruzaram o posto a toda velocidade, num velho Lada Samara. Em seguida, parou um sedã seminovo da Opel, com um jovem casal dentro. O checheno me mandou entrar correndo no carro e sairmos depressa. Os disparos se intensificavam.

Rodamos menos de um quilômetro. Depois de uma curva, os ossétios nos esperavam. Apontando os fuzis para nós, mandaram descermos do carro. Um dos milicianos assumiu o volante do Opel. Mandaram que eu me sentasse no banco de trás do Lada. O motor do velho carro tinha apagado e eles começaram a empurrá-lo, até pegar no tranco. Um miliciano de camiseta preta e calça de camuflagem ajoelhou-se no banco do passageiro da frente e mirou o fuzil no meu peito, gritando. Abri a porta à minha direita com tanta força que a maçaneta saiu na minha mão. Pulei na estrada. Eles arrancaram com a porta aberta. O Opel ia à frente.

O casal chorava, abraçado na beira da estrada. Ele era georgiano e ela se identificou como russa. Deduzi que era da Ossétia do Norte, que pertence à Rússia, para onde eles estavam tentando ir. O casal ficou sem nada. Dinheiro, documentos, lap top e bagagem foram com o carro.

Caminhamos de volta para o checkpoint russo. Quando nos avistaram, os russos vieram no tanque pilotado pelo checheno, com o major sentado à frente. O rapaz georgiano ergueu as mãos para o alto, como quem se rende. Contrariado, o major mandou-o abaixar os braços.

O rapaz contou a história, gaguejando, em russo, numa mescla de nervosismo e dificuldade com a língua, falada por todos os georgianos até que o país se proclamou independente em abril de 1991 – quatro meses depois do fim da União Soviética. A nova geração não fala russo.

Dois carros velhos vindo de Tskinvali pararam. Desceram dois homens e três mulheres idosos e uma de meia idade, chorando. Antes que os russos tivessem tempo de cuidar de todos os casos, que se acumulavam, 6 carros com 30 milicianos ossétios se aproximaram. Seis russos desceram do tanque e cercaram os carros apontando os fuzis para eles. Mandaram descer, largar as armas e deitar no chão. Aliados dos russos, os ossétios, perplexos, relutaram em obedecer. Não sabiam que o major estava tentando restaurar sua autoridade depois que os outros ossétios o desafiaram confiscando o carro do casal.

Os milicianos estavam em folgada superioridade numérica, mas os russos tinham um tanque e, muito mais importante que isso, dão a palavra final na Ossétia do Sul. Nos dois dias que passei na província, só vi um blindado com milicianos ossétios. Eles desfilavam em Tskinvali, com a bandeira de faixas branca, amarela e vermelha da ‘República da Ossétia do Sul’, visivelmente orgulhosos de seu veículo. Mas a norma é circularem em caminhonetes, jipes e carros de passeio, obviamente confiscados como o Opel do rapaz georgiano. Em contrapartida, os russos têm dezenas de tanques, carros blindados e caminhões na província.

Humilhados, os ossétios se levantaram do chão e vieram descontar no casal, formando um semicírculo ao nosso redor. Alguns queriam agredir o rapaz; outros, levar a moça. Os russos os impediram. Os milicianos entraram nos carros e partiram em direção ao checkpoint.

Em seguida, um jipe do Exército russo chegou trazendo três jornalistas russos, que tinham pedido para ver a situação na estrada até a linha de demarcação, por eles chamada de ‘fronteira de Gori’. Eles desceram e o jipe seguiu. Esperamos uma carona. Parou um sedã BMW preto, com os vidros estilhaçados e dois soldados russos. O do banco do passageiro usava goggles militares, que lembram óculos de mergulhador. Nós quatro sentamos no banco de trás. O BMW parecia ter acabado de ser confiscado do outro lado da linha divisória, porque os militares pararam depois de novo para arrancar, com o cabo do fuzil, o pára-brisa espatifado, que atrapalhava sua visão.

Logo adiante, pararam novamente, num restaurante, do qual saíram milicianos ossétios, que lhes entregaram caixas de cerveja georgiana. Os soldados as destamparam com os dentes, e foram bebendo no caminho. Deram um maço de cigarro russo da marca Alliance para cada um de nós. Estavam eufóricos. A cada militar russo e miliciano ossétio que cruzavam, buzinavam e mostravam o punho fechado – saudação-padrão. Conforme avançávamos nos 25 quilômetros até Tskinvali, e o motorista virava as cervejas, nosso trajeto pela estrada de asfalto – riscado pelas lagartas dos tanques – se tornava mais errático.

Dois corpos de homens ainda estavam na beira do caminho – um debaixo de uma van tombada de lado e outro deitado com a barriga para cima, em frente a um posto de gasolina. Brinquedos e bicicletas de crianças na beira da estrada, assim como carros esmagados, davam uma idéia da avassaladora ofensiva georgiana dos dias 8 e 9, repelida em seguida pelos russos.’

 

TV DIGITAL
Ethevaldo Siqueira

Alta definição pode ser privilégio de poucos

‘As imagens de alta definição são ótimas. Mas o projeto nacional de implantação da TV digital tem sido muito ruim. Os poucos brasileiros que tiveram o privilégio de assistir ao inesquecível espetáculo da abertura das Olimpíadas de Pequim em televisores de alta definição talvez concordem comigo: a TV brasileira nunca ofereceu espetáculo tão belo. Pena que só um em cada mil paulistanos pôde vê-lo com a qualidade da high definition (HD).

Meu amigo João Pedro me telefonou exultante, para falar de seu novo televisor de 52 polegadas, 1080 linhas de 1920 pixels (full HD), tela de cristal líquido e sintonizador integrado. Cidadão da classe A – como apenas 6% da população brasileira – ele investiu R$ 9 mil em seu televisor. E já se prepara para curtir os canais em alta definição na TV por assinatura e os novos DVDs Blu-ray em seu home theater depois das Olimpíadas.

O que realmente encanta o telespectador é, portanto, a beleza da alta definição. Essas imagens ainda serão, por alguns anos, a única inovação a ser proporcionada pela TV digital. E meu amigo parece não querer nada mais: ‘Olha, não estou absolutamente interessado em mobilidade, portabilidade, interatividade ou multiprogramação’.

VELHOS ERROS

A maior frustração decorre da pressa do governo em inaugurar um sistema ainda incompleto como o padrão nipo-brasileiro. Outro problema sério é o baixo poder aquisitivo da população, que impede o acesso da esmagadora maioria aos televisores de tela plana de maiores dimensões, mesmo com a queda de mais de 60% no preço desses televisores nos últimos dois anos.

Nos Estados Unidos, quando foram lançados, em 1999 e 2000, os primeiros televisores digitais de 42 polegadas custavam mais de US$ 20 mil. Ganância da indústria? Absolutamente, não. Sem escala de produção e novos recursos tecnológicos, os preços só poderiam ser elevados. Hoje, com a produção em grande escala, o preço de um televisor de plasma ou cristal líquido (LCD), de 50 polegadas, full HD, 1080p, caiu abaixo de US$ 1.500. Ou seja, menos de R$ 2.500.

DECÁLOGO

Depois de entrevistar especialistas brasileiros e estrangeiros, nos últimos meses, consegui compilar as 10 regras básicas para o sucesso dos projetos de implantação da TV digital. Ei-las:

Melhor tecnologia – É preciso licitar a tecnologia digital com isenção e transparência. A melhor tecnologia, entretanto, não é necessariamente a mais cara nem a mais sofisticada, mas a que oferece a melhor relação custo/benefício ao País.

Mais informação – Mais de 80% dos brasileiros ainda não têm a menor idéia do que seja a TV digital. É preciso, portanto, informar a população, mostrando o que é (e o que não é) a TV digital. Para tanto, é preciso envolver toda a mídia eletrônica nesse processo educativo.

Sem demagogia – Não se pode transformar a TV digital em projeto político-partidário, até porque, com esse enfoque, o governo mais atrapalha do que ajuda.

Longa transição – A melhor contribuição do governo é elaborar um plano de longo prazo, com várias etapas, para o período de transição analógico-digital, com sucessivos testes de campo, sem caráter comercial, para grupos específicos de usuários.

Projeto industrial – É essencial que se crie um projeto industrial integrado, com a participação de fabricantes, universidade e emissoras, com vistas ao permanente desenvolvimento e à atualização tecnológica. Sem esse projeto, de nada adianta gritar contra os preços altos na fase de lançamento dos produtos, em especial dos set-top boxes. Xingar a indústria é a forma mais demagógica de tratar o assunto. Os preços só baixam com a combinação de produção em larga escala com evolução tecnológica e política tributária adequada.

Mais conteúdo – É preciso estimular a produção de documentários e filmes de alta qualidade que aproveitem todos os recursos da digitalização e do alto padrão de som surround, pois faltam bons conteúdos em alta definição.

Promessas realistas – O governo não deve criar expectativas infundadas, prometendo coisas que só o tempo e a maturação tecnológica poderão assegurar.

Interatividade demora – O mundo ainda dá os primeiros passos em matéria de interatividade. Numa perspectiva realista, só daqui a 10 anos ou mais é que teremos a decolagem maciça desse recurso.

Tudo é caro no início – É preciso reconhecer que, no início, infelizmente, toda nova tecnologia é cara. Por conseqüência, no começo, só o topo da pirâmide social tem acesso à TV digital. É o que está ocorrendo no Brasil. Não é nenhuma vergonha reconhecer que a TV digital, em seus primeiros anos, é essencialmente elitista, um privilégio das classes A e B. Assim ocorreu com o televisor em cores, o videocassete, o DVD, o celular, o computador e com o automóvel.

Futuro é IPTV – É preciso dizer, com todas as letras, que o futuro da TV digital será a IPTV, ou seja, a TV com a mesma linguagem ou protocolo da internet. Dentro de 30 anos, a TV aberta será apenas um nicho.’

 

REVISTA DAS REVISTAS
Francisco Quinteiro Pires

A verdade vai ao baile de máscaras

‘O segredo do bom entrevistador está em revelar o homem por trás da máscara. A sociedade, se considerada como um teatro, bem pode servir como divertido exemplo de uma cooperativa de bons atores. É um espaço onde se joga, onde a representação impera, senão sempre, pelo menos no mais das vezes. Entrevistar é ver no meio de. É encontrar – ou criar – a brecha por meio da qual a verdade irrompe, ainda que num ou noutro detalhe. Tal como um surpreendente relâmpago que é impossível ignorar. Não à toa é comum dizer que existe ‘a arte da entrevista’. Ela incomoda, e dá trabalho.

Desde 1967, a revista Rolling Stone pratica o desafio de dar voz aos astros da música, em um tom que vai da informalidade ao drama. As páginas da publicação não podiam, porém, ser simplesmente palco para a atuação desses artistas, como se estivessem num baile de máscaras, para o qual a verdade sempre é convidada. O segredo era encontrar o ser humano onde quer que ele se manifestasse genuinamente.

A sensibilidade recomendava: cada caso é um caso. ‘Um entrevistador pode conduzir a coisa para qualquer caminho que deseje, tanto o do camarim após o show quanto a casa do artista, e ele precisa passar essa experiência ao leitor’, palavras de Jann S. Wenner, co-fundador da Rolling Stone, sobre o papel do entrevistador como intermediário a serviço do ávido leitor.

Criada por Wenner e Ralph J. Gleason, em São Francisco, EUA, a publicação ganhou prestígio em razão, principalmente, das entrevistas, algumas ocupando mais de dez páginas e outras coletadas durante um ano. The Paris Review e Playboy publicavam entrevistas instigantes, mas sem a seriedade dada pela Rolling Stone ao rock-?n-?roll.

Para registrar essa história, 40 entrevistas, no formato pingue-pongue (perguntas e respostas) e publicadas entre 1968 e 2005, foram selecionadas num único volume – As Melhores Entrevistas da Rolling Stone (448 págs., R$ 49,90) -, lançado pela Larousse. A tradução é de Emanuel Mendes Rodrigues.

Wenner e Joe Levy, editor executivo da publicação, fizeram a edição dos trechos. Os personagens não pertencem só ao universo do rock (Bob Dylan, Kurt Cobain, Mick Jagger, Jim Morrison, etc.). Eles são músicos (Leonard Bernstein, Ray Charles, Eminen), políticos (Bill Clinton), cineastas (Francis Ford Coppola, George Lucas), atores (Jack Nicholson, Robin Williams), escritores (Truman Capote, Tom Wolfe), apresentadores de televisão (David Letterman), religiosos (dalai-lama)…

O leque de interesses se ampliou depois dos anos 1980, quando a sede foi transferida para Nova York. Nascida com o radar voltado para a contracultura, e tendo uma pegada underground, a Rolling Stone abriu espaço para experiências inovadoras, como o jornalismo gonzo de Hunter S. Thompson, antes de dedicar-se, nos últimos anos, ao público jovem e às celebridades.

Sinal dos tempos, ela adotou gradualmente padrões jornalísticos tradicionais até atirar-se de vez à perseguição do show biz. A Rolling Stone, não por acaso, é editada em todos os continentes, exceto na África.

A diversidade de As Melhores Entrevistas… é grande, mas a ênfase se direcionou aos roqueiros. Aparece a antológica entrevista feita por Wenner com John Lennon sobre o primeiro disco-solo – Plastic Ono Band. Feita em dezembro de 1970, ela revelou em primeira mão os bastidores da dolorosa ruptura com os Beatles. Lennon rachava ali a imagem do bom-mocismo da banda, nada parecida com a realidade de orgias e drogas na qual o quarteto estava metido. ‘As turnês dos Beatles eram como o filme Satyricon, do Fellini.’

Bill Clinton, ex-presidente dos EUA, concedeu três entrevistas ao periódico. A primeira foi em 1992, durante a campanha presidencial. A segunda foi realizada na sala de jantar da Casa Branca. Clinton perdeu a paciência, dizendo-se ‘de saco cheio’. Chamou a imprensa de medíocre. Na terceira entrevista, em 2000, selecionada para o livro, Clinton confessou ter precisado do primeiro mandato para aprender que ‘a presidentes não é permitido expressar sentimentos pessoais. Quando você manifesta repúdio ou raiva em público, deve ser no interesse do povo americano e nos valores em que ele acredita’. Mesmo não sendo presidente dos EUA, é preciso ter grande talento para representar no jogo da vida.’

 

CRÔNICA
Luis Fernando Veríssimo

Em branco

‘Idéia para uma história. Um dia um homem está lendo um livro e nota que, à medida que lê, o texto vai desaparecendo da página. Letra por letra, linha por linha – simplesmente desaparecendo. Como se os olhos do homem aspirassem o que ele lesse, deixando a página em branco. Apesar de assustado (O que é isto?!) o homem continua a leitura. Quando chega ao final do texto, tem um livro vazio nas mãos. Folheia as páginas brancas e descobre, aqui e a li, algumas coisas que ficaram, porque não foram aspiradas pelos seus olhos. Grande parte da numeração das páginas. Quem lê o número de cada página? Alguns nomes próprios complicados que ele pulara. Um trecho inteiro de descrição da paisagem (sempre achara aborrecido trechos com muita Natureza atrasando a história, e se irritava com autores que sabiam todos os nomes da vegetação) que também tinha pulado e permanecera como uma ilha tipográfica no oceano branco das páginas.

O que é aquilo? Que poder – ou que fenômeno oftalmológico, ou que delírio – é aquele? Pega outro livro para ler mas joga-o longe quando se dá conta que é um policial que acabara de comprar, pois tem o hábito de voltar atrás e consultar páginas já lidas dos policiais para não perder o fio da trama. Também precisa ter cuidado para não fazer o teste com algum livro favorito, que goste de reler. Pega um livro cujo conteúdo não lhe faria falta, cuja aspiração significaria até um serviço para a literatura nacional, e vai abrindo clareiras brancas no texto, com leituras rápidas e salteadas. Incrível! Ele poderia, se quisesse, reduzir enciclopédias a nada. Bastava lê-las. Poderia apagar mundos inteiros. Capinar com os olhos e deixar fulcros no texto de, sei lá, Guerra e Paz, como certos jogadores de futebol fazem no seu cabelo.

Mas, pensa, do que me serve este poder? E então tem a idéia. Naquele mesmo dia vai a uma livraria e compra um livro recém-lançado que quer ler. Lê, e volta à livraria para se queixar.

– Comprei este livro aqui há dias e ele está com defeito.

– Como, defeito?

– Veja. O livro está em branco. Totalmente em branco. Só têm os números das páginas.

– Que coisa estranha. Vamos lhe dar outra cópia.

– Não. Quero outro livro ou o meu dinheiro de volta.

– Mas senhor…

– Não quero mais esse. Fiquei traumatizado. Quero outro livro ou o meu dinheiro de volta!

O homem passa a ter livros para, literalmente, devorar, de graça. Só deve cuidar para alternar as livrarias e cuidar para que a repetição do truque não desperte suspeita.

– Lembra do livro que eu comprei aqui há um mês e estava todo branco?

– Lembro…

– Pois aconteceu outra vez.

– O quê?!

– Quero outro livro ou meu dinheiro de volta.

Às vezes o homem não gosta do livro e o devolve antes de terminar a leitura.

– Olhe, metade das páginas está em branco… Quero outro.

Todas as parábolas, mesmo as mais obscuras, devem conter uma lição moral. Ainda mais esta, que, se a entendi bem, é sobre interferências nocivas no funcionamento normal do comércio de livros, na indústria editorial e, principalmente, nos direitos dos autores, além da sofreguidão humana. Pois eis a lição: um dia o homem começa a regurgitar tudo o que aspirou dos livros por todos os seus orifícios e paga pela sua falcatrua, morrendo no chão do banheiro de uma indigestão de leitura. E bem-feito.’

 

OLIMPÍADAS DE PEQUIM
Keila Jimenez

A arte da leitura labial

‘É dia de final dos 50 metros. ‘Hoje não tem Phelps’, me avisa Galvão, todo animadinho. Ué, mas não é ele que adorava o tubarão? Ah, tem o Cielo na água. Antes mesmo de a turma se molhar, Galvão já se esgoela: ‘Cielo tá rasgando, tá rasgando, tá rasgando…’ Chego a ficar preocupada. ‘É ouro, é ouro, é oooooouro’, me ensurdecem na SporTV. ‘O Cubo d?Água é nosso, é nosso’, gritam na Band. Mas não era dos chineses? E o Gustavo Borges chora, e Galvão chora, e Cielo chora, e eu choro. Tá, só um pouquinho. O suficiente para não perder a piada: ‘Isso não se compara a nenhuma das vitórias de Phelps. O Cubo d?Água em nenhuma final ficou tão emocionado.’ De quem? Do vira-casaca Galvão, claro. Ou ele pensa que eu esqueci do: ‘Éééééééé dos Estaaaados Uniiiiiiiidos’. Deixa pra lá.

Na ESPN alguém avisa que fomos mal no remo. Ah, perdemos também no boxe, nos 400 metros, no heptatlo, no tiro com pistola… Tiro com pistola? Melhor assim. E começa o ?Vale a Pena Ver de Novo? no Cubo d?Água. É a chegada de Cielo, é ele chorando, é a medalha, é a mãe, é a avó, é o primo de quarto grau… Que eu vi – veja bem, faço outras coisas na vida além de reclamar da Olimpíada – foram mais de 10 reprises em menos de duas horas. Só perdendo a vez para a turma do Ronaldinho, que dá um sono danado na gente…

‘E ninguém se entende em campo’, fala Oscar Roberto de Godoy na Band. Bom, fora dele também não. ‘Tem de parar com essas faltas’, alguém reclama na ESPN Brasil. ‘O Brasil tem de entrar duro neles’, manda Neto. Substituição em Camarões. Sai sei lá quem e entra um tal de Ngal no time. Ninguém vai falar do visual Biro Biro dele? Nem o Galvão? Nem o Neto? Alguém pode chamar o Oscar, por favor? E chega a prorrogação.

‘Ainda bem que não tem Golden Gol’, grita Galvão, mudando de idéia na seqüência, com um golaço nosso. ‘Ah, bem que podia ter Gol de Ouro, né?’. É mesmo. E começa o vôlei de praia, e o de quadra também. Ah não, vão abrir a tela em três, que ver? Vitória suada nos dois, com direito a patada em Pedro Bassan, com a pergunta: ‘O que mudou da última partida, que vocês perderam, para essa.?’ ‘Nada’, responde o simpático meio-de-rede Gustavo. Então tá.

‘E lá vem o homem mais rápido do mundo’, ‘O momento mais mágico da Olimpíada’, ‘O mais esperado por todos, o mais veloz dos velozes’. Ok, Robson Caetano, você me convenceu, quero ver quem é o cara. Não conto até dez e lá está ele: o jamaicano Usain Bolt, que chega fazendo pose e batendo no peito, com direito a tradução corporal/labial/mental do poliglota Galvão Bueno, em atuação de dar inveja à turma de mudinhos do ?Fantástico?, lembram? Aqueles que espionavam com leitura labial o time de Parreira. Galvão garante que ouviu Bolt dizer: ‘Eu sou o mais rápido do mundo’. É, mas podia ser também: ‘Gosto de pão com requeijão’, ou ‘Meu colã está apertado’, ou simplesmente ‘Fica quieto, Galvão’.’

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