Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Prato-feito de insegurança informativa

Saltou aos olhos o esforço do Jornal Nacional de quarta-feira (17/5) para suavizar o impacto da pesquisa divulgada pelo IBGE sobre segurança alimentar. O estudo constatou que no Brasil existem 72 milhões de brasileiros em três níveis de insegurança alimentar (leve, moderada e grave), sendo 13,6 milhões com insegurança grave. O que significa, nos termos técnicos, ‘que nos últimos três meses a família não teve certeza se teria condições de adquirir ou receber alimentos’. Nos termos reais, significa que esses brasileiros passam fome ou estão perto disso.

Como não fica bem para qualquer governo, sobretudo para aquele que faz do fim da fome sua bandeira de honra, lá foi o canal oficial colorir o quadro. Primeiro ao relatar que o país possui 4% das pessoas abaixo do peso ideal e, em seguida, justificar: ‘Para especialistas, o índice de até 5% é considerado normal em qualquer sociedade’. Não se sabe que especialistas são esses e nem por que razão eles crêem ser normal estar abaixo do peso. É como estar diante da estatística anual de mortes violentas e, friamente, avaliar que ‘Sim, este ano foi bom. Morreram menos pessoas que no ano passado’.

Depois – e essa foi brilhante – o JN ressaltou pesquisa divulgada no mês passado pela USP sobre a desnutrição de crianças nos estados do Nordeste (exceto Maranhão) e norte de Minas Gerais. E vem a locução: ‘Os pesquisadores constataram que 6,6% das crianças estavam desnutridas. Uma queda significativa em relação a 1975, quando a desnutrição alcançava praticamente metade das crianças’. Que maravilha de comparação! Chega a ser reconfortante saber que apenas 6,6% das crianças nordestinas estão desnutridas. Um percentual que, convenhamos, não é grande coisa. Até porque, na visão do Jornal Nacional, viver em estado de insegurança alimentar grave significa que essas pessoas ‘já tiveram a redução na quantidade de comida’. Talvez tenham até se acostumado, quem sabe.

Incorreção

No fim, e para fechar com chave de ouro sua reportagem de quase cinco minutos (uma eternidade em termos de telejornalismo), surge a comparação com os Estados Unidos. No belo quadro exibido, em cores calmas como em toda a matéria, o JN mostra que na Meca do neoliberalismo 3,5% da população vivem em situação de insegurança alimentar, o equivalente a 36 milhões de pessoas. ‘Um número alto para um país que gasta quase US$ 42 bilhões com programas de distribuição de alimentos’. Detalhe: o 3,5% foi exibido com grande destaque, tomando a maior parte do lado do televisor reservado aos EUA.

Ao lado, na mesma tela, o JN dispôs os dados brasileiros: ‘Quase 72 milhões de pessoas vivendo em insegurança alimentar – leve, moderada ou grave. Os gastos do governo nos programas de transferência de renda, em 2005, chegaram a US$ 6,5 bilhões’. Detalhe: o percentual dos brasileiros nessa situação foi omitido. Talvez porque em 200 milhões de pessoas (população total brasileira) 72 milhões representem gritantes 36% de seres humanos vivendo em condições desumanas.

Além disso, o telejornal mais assistido do Brasil, depois de errar grosseiramente uma simples multiplicação na conta da velocidade da nave que trouxe o astronauta brasileiro de volta, agora diz que nos EUA, país com 300 milhões de habitantes, 36 milhões de pessoas equivalem a 3,5% da população. Uma incorreção – 36 milhões em 300 milhões significam 12%. E 3,5% de uma população de 300 milhões equivalem a 10,5 milhões de habitantes.

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