O mercado de televisão por assinatura no Brasil, com uma década e meia de vida, ainda é pouco relevante. Mesmo tendo grande ligação com a TV, a população brasileira não aderiu a essa forma de receber conteúdos (teoricamente) diferenciados. Uma combinação de fatores pode ter contribuído: preço elevado, pouca divulgação e o próprio modelo de comercialização, baseado em práticas de exclusividade. Com isso o consumidor fica impossibilitado de ter acesso ao mesmo tempo a canais concorrentes, como GloboNews e BandNews; para assistir a ambos deve-se assinar duas operadoras de televisão por assinatura.
A exclusividade de canais imposta pela Globo às concorrentes impede, por exemplo, que operadoras não-afiliadas ao sistema Net/Sky ofereçam o Campeonato Brasileiro de Futebol a seus assinantes. A mesma Globo chegou ao extremo de proibir há alguns anos que a operadora DirecTV oferecesse aos assinantes o sinal da TV Globo, uma rede aberta, fruto de concessão pública. A razão é que a Globo é também sócia da operadora Sky, concorrente da DirecTV. Esta, insatisfeita, resolveu acionar o Conselho Administrativo de Direito Econômico, o Cade, alegando que a Globo abusava de seu grande poderio para prejudicar as rivais. Tal processo em nada resultou, mas atualmente existe outro: enfraquecidas, as concorrentes da Net pedem igualdade de condições para negociar o conteúdo programado pela Globosat.
Uma reviravolta se deu quando o magnata das comunicações Rupert Murdoch comprou a DirecTV americana e assumiu com isso o controle da operação latino-americana. Murdoch, que já era um dos donos da Sky, passou a controlar cerca de 97% do mercado brasileiro de DTH (via satélite). A fatia restante é ocupada pela empresa brasileira TecSat, de São José dos Campos, que enfrenta dificuldades de investimento: sofreu duro golpe quando a DirecTV assinou contrato de exclusividade com os canais HBO, tirando-os da grade da TecSat.
No Brasil, DirecTV e Sky afirmam que ainda operam separadamente, mas algumas posturas indicam que a verdade pode ser mais complexa. Como a Sky tem no país aproximadamente o dobro de assinantes da DirecTV, o nome da empresa resultante da fusão deve ser Sky. Entretanto, fusão parece não ser o termo mais adequado, tendo em vista que não haverá combinação de forças no que tange à programação. A tendência é que os canais que a DirecTV oferecia, mas não a Sky, sejam simplesmente retirados. Quem ganha com isso? A operadora, que economiza ao distribuir um número menor de canais; a Globo, que amplia a distribuição de seus canais e elimina a livre concorrência; e finalmente a News Corp., de Murdoch, que ganha com tudo isso.
Surpresa para assinantes
Quem perde? Os assinantes. Os da Sky, privados da possibilidade de novas opções em cultura, informação e entretenimento; e da DirecTV, prejudicados pela retirada dos canais com que estavam acostumados há muito tempo, além de correrem o risco de, conforme divulgado pelo futuro presidente da nova Sky, ter que pagar a mais para receber os canais hoje da Sky, mas não da DirecTV.
A questão da fusão foi analisada já pela Anatel, que emitiu parecer impondo cinco ressalvas para a operação, sendo que uma delas dizia que as operadoras deveriam cumprir os contratos com as programadoras. A intenção era impedir que o consumidor fosse lesado com a retirada de canais da grade. Porém, após o anuncio da fusão, a DirecTV retirou ainda em 2005 dois canais de áudio e um canal de vídeo, o Soundtrack Channel, alegando que com o vencimento do contrato a operadora optou por não renová-lo devido aos baixos índices de audiência que ela alegava, sem apresentar provas.
No primeiro dia de 2006, a operadora retirou mais seis canais que, por anos, substituíram a ausência dos canais Globosat em sua grade. Similarmente, a operadora alegou (ainda sem provas) que os canais apresentavam baixa audiência e recebia muitas reclamações e pedidos para sua retirada. Os assinantes forma pegos de surpresa, mas a operadora informou que enviou a seguinte carta aos assinantes:
São Paulo, 30 de novembro de 2005.
Caro cliente,
A maior preocupação da DIRECTVTM é oferecer o melhor atendimento através de um processo contínuo de relacionamento e transparência na comunicação.
Desta forma, comunicamos que os canais: Fashion TV (139), Muchmusic (133), HTV (135), Infinito (181), Clase (163) e Retro (117) sairão da nossa grade de programação no final de 2005.
Como estes canais sempre apresentaram baixa audiência em nosso sistema de medição, corroborado pelas inúmeras reclamações de nossos clientes, seja pelas repetições ou inadequação de conteúdo ao mercado brasileiro, ao término do contrato com a programadora em 31/12/2005, a DIRECTV optou pela não renovação.
Em tempo, a DIRECTV oferece outros canais com programação musical, documentários e variedades, tais como: MTV (127), Film&Arts (171), People+Arts (173), Discovery Channel (175) e Canal 21 (223)
Além disso, a partir de Janeiro/2006 você poderá conferir a excelente programação da FOX (107), com séries e filmes premiados, e do canal Futura (163), com conteúdo educacional e cultural 100% brasileiro.
Continue aproveitando a sua DIRECTV, muitas novidades estão por vir!
Roger Haick, diretor de Relacionamento com o Cliente; Aline Fatima Silva Costa, Atendimento DIRECTV
Liminar da Band
Entretanto, não pude localizar nenhum assinante que a tenha recebido. E o que torna o ocorrido ainda mais interessante é que os canais Fox e Futura citados na carta, e que foram favorecidos por verem seu publico aumentado, pertencem respectivamente a Murdoch e à família Marinho.
A Claxson, responsável pelos canais que foram retirados, pronunciou-se, conforme mostram-se os textos veiculados:
‘Nada podemos fazer’, diz gerente da Claxson
12/01/06
Na última terça-feira, dia 10/01, o carioca Jornal do Brasil publicou uma matéria sobre os seis canais da programadora argentina Claxson que deixaram de ser transmitidos pela operadora Directv. A ênfase da reportagem foi a saída do cultuado canal Retro e a insatisfação de muitos assinantes.
Procurada pela reportagem do Jornal do Brasil, a assessoria de imprensa da Directv afirmou que seus assinantes foram avisados sobre o corte e negou que o motivo da não renovação com a Claxson tenha sido a fusão Directv/Sky, que dará à nova empresa o monopólio da distribuição de canais por assinatura via satélite, com 97% do mercado, e que deterá 34% de todos os clientes de TV paga. As empresas agora aguardam decisão do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), órgão do Ministério da Justiça que está avaliando o processo de fusão, iniciado há quase dois anos. Os acionistas da Sky esperam que o processo esteja concluído até o final do primeiro semestre.
Os assinantes que ligaram para o serviço de atendimento da Directv depois do corte, só ouviram explicações desencontradas, como ‘os próprios canais não estão enviando seus sinais, aguarde um pouco’, ‘os canais saíram devido a baixa audiência e ao alto índice de reclamações dos assinantes’.
Assinantes ouvidos pelo Jornal do Brasil e pelo site RetrôTV afirmam que não foram comunicados com antecedência pela Directv sobre o cancelamento dos canais.
Além do Retro, os canais Infinito (alternativo), Cl@se (educativo), Much Music (música), Fashion TV (moda) e HTV (música latina) também deixaram a grade da Directv.
Alguns especialistas desconfiam que a quase certa fusão da operadora com sua concorrente direta Sky seria a responsável pela sua falta de interesse em manter determinados canais no ar.
Essa desconfiança tem fundamento. No documento da Anatel que dá anuência ao processo – e que está disponível para consulta na internet – a agência deixa claro que, após a fusão, as duas empresas não poderão retirar canais em que os contratos ainda estejam vigorando.
produ.com’
Balassanian, da Claxson: ‘A operadora [Directv] deveria ouvir mais seus assinantes’.
A Claxson, sem o contrato renovado, lamentou sua saída do line-up da Directv: ‘Sabemos que essa decisão foi estratégica para a Directv, mas queremos dizer para os fãs de nossa programação no Brasil que foi uma decisão unilateral. Ficamos comovidos com os e-mails e telefonemas de brasileiros pedindo a volta dos canais, mas nada podemos fazer. A operadora deveria ouvir mais seus assinantes’, disse ao JB, por telefone de Buenos Aires, o gerente comercial da Claxson, Juan Carlos Balassanian.
O canal Retro estreou no Brasil pela própria Directv em setembro de 2003. Segundo afirmou o gerente da Claxson, o nostálgico Retro, mesmo sendo um canal segmentado, compete com canais de programação atualizada diariamente em países como Argentina, Peru e México.
‘A nostalgia está em voga em toda América Latina, e o Retro tem um dos melhores conteúdos desse nicho. As pessoas querem voltar a assistir aos programas que viam quando eram crianças e adolescentes. E os jovens querem conhecer o que seus pais assistiam e que tanto comentam’, acredita Juan Carlos.
A partir de agora, o canal Retro só está sendo sintonizado pelos assinantes da operadora ViaCabo, presente em apenas 15 cidades brasileiras.
Fox
Com a saída dos seis canais, a Directv trouxe outros dois: Futura e Fox. Este último atualmente exibe as séries Viagem ao Fundo do Mar (sab e dom, 10h; sab, 5h) e Terra de Gigantes (sab e dom, 11h). Desde dia 1º de janeiro, a operadora passou a oferecer o canal Fox no canal 107. Durante o mês, todos os assinantes poderão sintonizá-lo e, a partir de fevereiro, será exclusivo para quem assina o pacote ‘Ouro Plus’ (ou superior). Vale lembrar que este pacote é mais caro que o pacote em que o Retro Channel era disponibilizado.
Ambas as séries clássicas da Fox são exibidas com dublagens originais e os episódios são das suas primeiras temporadas.
Um canal com raridades
Apesar de o Retro Channel exibir algumas séries muito comuns na tevê, como Agente 86, Jeannie é um Gênio, A Feiticeira e Os Três Patetas, sua programação em 2005 ficou marcada por estréias raras, como A Fuga das Estrelas e Daktari (jan), O Homem do Fundo do Mar (jun), Viagem Fantástica (jul), Police Woman (ago), O Agente da UNCLE, Os Gatões, Tarzan e As Aventuras do Super-Homem (out). Além delas, o canal seguiu exibindo Kung Fu, Diff’rent Strokes (inédita no Brasil), A Mulher Maravilha, Starsky & Hutch, Quinta Dimensão, Fama e Flash Gordon.
Para fevereiro de 2006, o canal prepara a estréia de outra raridade: Os Pioneiros, com Michael Landon. Mas, como já dito, apenas os assinantes da ViaCabo poderão assitir.
Revolta
Nos últimos dias, muitos assinantes da Directv entraram em contato com o site RetrôTV e postaram mensagens em nosso Grupo de Discussão, colocando em questão o referido aviso prévio e a tal medição de audiência. Alguns atendentes da operadora informaram que ela é feita através de pesquisa, mas os assinantes reclamam: ‘nenhum dos assinantes que conheço foi pesquisado até hoje’.
Muitos assinantes da Directv têm participado de uma petição online e de uma enquete feita pelo site RetrôTV. Até o fechamento desta matéria, a petição contava com 415 assinaturas e a enquête, com 316 votos.
Após poucas semanas, houve o rumor de que a DirecTV tampouco renovaria seu contrato com os canais programados pela Rede Bandeirantes: BandNews, BandSports, Rede 21. Até então, Band e DirecTV foram parceiras ao levar aos assinantes canais que tinham por objetivo suprir a ausência dos canais Globosat. Diferentemente, desta vez, o Grupo Bandeirantes conseguiu liminar e mantém seus canais na operadora.
Momento decisivo
O mais recente golpe sofrido pelos assinantes da definhada DirecTV se deu no dia 1º/5, quando mais dois canais foram retirados: o CasaClub e a MTV Latino. O motivo alegado, o mesmo. Será que a operadora queria ficar com um único canal, aquele com maior audiência? E como ela mostraria a metodologia e os resultados da medição?
Acrescente-se o fato de que a DirecTV reduziu o número dos canais de áudio, que já chegou a ser de 50, para cerca de 30, devido a um processo de reestruturação em toda a América Latina. As perdas acumuladas pelos assinantes DirecTV são grandes.
É certo que o DTH parece ser uma terra de ninguém: sem legislação, pois alega-se que a chamada Lei do Cabo não se aplica ao setor, faz-se o se que bem entende, e o direito do consumidor é brutalmente desrespeitado. Rupert Murdoch, percebendo o cenário, pretende tornar o Brasil um novo personagem de seu império das comunicações, com posturas questionáveis. Mas, a fusão não afeta apenas o mercado de TV via satélite; a união de forças entre Globo e News Corp. se estende pela maior parcela do mercado de televisão por assinatura: juntas, detêm cerca de 70% do mercado. E com o poder de fogo de Murdoch, não é leviano imaginar que o quadro tende a se tornar mais delicado.
Não obstante, a maior perda ainda é pouco questionada: qual o papel do conteúdo independente na mídia brasileira? Como garantir que a televisão por assinatura não se seja controlada apenas pelos interesses da Globo e da News Corporation?
Este é um momento decisivo para todo o setor. A sociedade deveria, pois, atentar para a fusão no mercado de TV via satélite e em suas conseqüências para as comunicações no país.
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Físico, São Carlos, SP