‘Nos EUA
A eleição presidencial americana deste ano é a mais interessante desde a de 1960, quando John Kennedy se tornou o primeiro católico e o mais jovem presidente eleito dos EUA, na campanha em que a televisão se tornou o principal meio de comunicação eleitoral no país.
Muito da formidável atração que este pleito provoca no público decorre do fenômeno Barack Obama. Além de ser o primeiro negro com real chance de se tornar presidente, é quase tão moço quanto Kennedy em 1960, tem uma biografia absolutamente original e o poder oratório mais arrebatador desde Martin Luther King.
Uma das regras essenciais do jornalismo é a de que quanto mais novidade um fato contiver, mais merecedor de espaço e destaque ele será. Ninguém foi mais novo do que Obama em meio século de política nos EUA. Era inevitável que ele se tornasse o queridinho da mídia.
Não há como questionar: a maioria absoluta dos veículos de comunicação do mundo se rendeu ao charme de Obama, que foi poupado por muitos meses de investigações mais aprofundadas e da exploração de suas contradições e eventuais deslizes.
Mas, como sabiamente constatou Goethe já no século 18, ‘depois de 15 minutos, ninguém continua olhando o arco-íris’. Nestes tempos atuais, os 15 minutos são muito mais rápidos. E Obama começa a deixar de ser tão novo e a entrar no redemoinho das críticas e do ceticismo essenciais ao bom desempenho jornalístico.
A Folha merece o crédito de ter, desde o início da campanha, ficado entre os que menos se deixaram levar pelo encantamento com Obama. Em geral, ela foi menos ingênua e mais desconfiada do que a maioria de seus congêneres pelo mundo.
Esta semana, a do apogeu de Obama, a tendência se manteve. Em vez de se limitar a reproduzir declarações de apoio ao vencedor, mostrou as dissidências internas do partido, em especial do casal Clinton, que até agora o controlava. O entusiasmo do ex-presidente e da ex-primeira-dama pelo candidato democrata é comparável ao do governador José Serra pelo do PSDB em São Paulo.
Na reta final, o jornal deve se manter firme nessa linha de dúvida em relação aos dois aspirantes à Casa Branca. Para o leitor, o que importa é saber o que pode acontecer de fato, não o que os jornalistas ou qualquer outro grupo gostariam que acontecesse.
Evidentemente, essa é uma tarefa difícil para brasileiros em outro país. Mas, felizmente, a Folha dispõe em seus quadros de profissionais experientes em EUA e pode usá-los em benefício do seu público.’
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‘Em São Paulo’, copyright Folha de S. Paulo, 31/8/08.
‘No domingo passado, a manchete do jornal para a pesquisa Datafolha de intenções de voto para a Prefeitura de São Paulo foi ‘Diferença Alckmin/Kassab cai à metade’. Mas, inegavelmente, o fato mais notável foi que a diferença entre Marta Suplicy e Geraldo Alckmin pulara de 4 para 17 pontos.
Apontei este equívoco na crítica interna e recebi inúmeras mensagens de leitores que concordavam com minha posição inicial. Só na tarde de segunda foi que me lembrei da notícia no dia 16 de agosto, oito dias antes, dada com destaque na primeira página, do avanço de Marta sobre Alckmin, registrado em pesquisa do Ibope.
A proximidade da informação sobre o Ibope atenua, mas não elimina o erro. Era possível abordar o progresso da petista sobre o tucano de maneira diversa da notícia anterior. Por exemplo, destacando a possibilidade de ela vir a vencer a eleição ainda no primeiro turno.
É verdade que também é interessante a chance de Gilberto Kassab, em vez de Alckmin, ao contrário do que o senso comum vinha indicando, ser o adversário de Marta no segundo turno. Mas a notícia principal na semana, ainda assim, foi o disparo da candidata do PT, e ela merecia a prioridade.
Apesar deste e de outros erros jornalísticos ao longo da campanha, a cobertura da Folha do pleito municipal paulistano tem sido até aqui marcada por relativamente poucos deslizes ostensivos.
Os maiores equívocos ocorreram em prejuízo do candidato à reeleição, inclusive um especialmente vexatório, corrigido na sexta-feira: ao contrário do que afirmara o jornal na véspera, o TRE não proibiu Kassab de usar marca de leite na sua propaganda na TV.
É um erro grave de apuração, injustificável, que pelo menos o jornal reconheceu com presteza e destaque e sem subterfúgios.
Parece-me natural que, por estar no poder, Kassab seja alvo de maior vigilância e receba mais reportagens que lhe são negativas. Nas duas últimas semanas, a Folha reequilibrou um pouco o jogo, tendo publicado textos que mostraram problemas de Marta e Alckmin quando em cargos executivos.
Na sexta deu ótima reportagem para apontar que os dois deixaram de cumprir promessas sobre investimentos para ampliar o metrô e o atual prefeito liberou menos dinheiro do que apregoa para tal ampliação.
O que o leitor espera do jornal é isso: uma cobertura isenta, imparcial, crítica a todos os candidatos, que cheque suas declarações e não cometa erros. E que mostre, como vem fazendo, as propostas de todos para problemas específicos da cidade.’
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‘Para ler’, copyright Folha de S. Paulo, 31/8/08.
‘‘1985: O Voto em São Paulo’, de Bolívar Lamounier (org.), Idesp, 1986 (R$ 8,40, em site que comercializa livros usados) – importante coleção de textos sobre as bases sociais do voto em São Paulo
‘Murro na Cara, o Jeito Americano de Vencer Eleições’, de Vitor Paolozzi, Objetiva,1996 (R$ 35) – bom estudo das táticas utilizadas pelas principais campanhas à Presidência dos EUA até as de 1992
PARA VER
‘Entreatos’, de João Moreira Salles, 2004 (a partir de R$ 48,25) – documentário mostra os bastidores da campanha de Luiz Inácio Lula da Silva em 2002
‘O Candidato’, de Michael Ritchie, com Robert Redford, 1972 (a partir de R$ 16,90) – excelente história de um candidato que resolve desafiar o sistema político e ser fiel apenas a si mesmo e a seus ideais na campanha
ONDE A FOLHA FOI BEM
Licitação do Metrô
Folha Online usa fórmula jornalística clássica para registrar informação recebida sobre resultado de licitação pública antes de sua divulgação oficial e a revela depois de confirmada
Cortadores de cana
Reportagem sobre condições de trabalhadores de cana comprova, sem adjetivação, que necessidade de melhorá-las é urgente e inadiável
E ONDE FOI MAL
Cratera do Metrô
Novos laudos que contestam a versão de que acidente foi causado por fatalidade deveriam ter tido mais destaque do que receberam
Reforma política
Insinuação de que projeto de reforma política do governo admite comércio de votos no Congresso é descabida e confusão entre corrupção e legítima troca de apoios políticos é equivocada
ASSUNTOS MAIS COMENTADOS DA SEMANA
1. Eleições municipais
2. Licitação do metrô
3. Caso Raposa/Serra do Sol’