Monday, 23 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Ernesto Rodrigues

‘Instado pelo protesto do telespectador Luciano Quintão Ataíde, que além de demonstrar contrariedade com o conteúdo do programa Planeta Turismo, acusou os responsáveis de usarem a TV pública para divulgar um site através do qual ‘vende pacotes turísticos com fins comerciais’, analisei a edição do último dia 16 de agosto. No caso, tratou-se de uma expedição do apresentador Ruy Façanário ao município paulista de Iporanga, a meio caminho entre São Paulo e Curitiba.

No estilo que parece uma adaptação ‘campestre’ às vezes eficiente e às vezes amadorística do formato ‘vem comigo’ consagrado por Goulart de Andrade nas madrugadas paulistanas, Ruy e seu cinegrafista Daniel mostraram, ao som de muita música ‘lounge’ e com uma edição folgada, atrações bem ao gosto dos turistas e telespectadores urbanos que gostam de ‘reencontrar’ a natureza e de se aventurar nela nos fins de semana, sem maiores compromissos ou preocupações.

Estavam lá, registrados de forma satisfatória, o passeio pelo rio em canoa rústica, uma detalhada visita a uma loja local de artesanato de palha, o making of de uma descida de rapel de 130 metros protagonizada pelo apresentador, um registro das descidas de uma corredeira, feita por jovens adeptos do chamado ‘bóia-cross’, uma singela pescaria de lambaris num trecho de águas cristalinas do rio, uma caminhada no interior da caverna de Santana e, finalmente, as imagens de uma bela cachoeira, com uma queda de água de 60 metros.

Reconheça-se que, embora a léguas de distância, por exemplo, do olhar do Repórter Eco – um programa profundamente comprometido com o ambientalismo, com a sustentabilidade e sem qualquer preocupação turística imediata – o comportamento em cena do apresentador Ruy Façanário foi marcado pela preocupação preservacinista e por muito cuidado com as condutas e equipamentos de segurança. E salvo um logotipo da empresa aérea Gol na camisa, não houve nenhuma referência explícita a qualquer publicidade comercial.

O problema, e problema sério, é o endereço de internet (www.planetaturismo.com) que pisca incessantemente, ao longo do programa, no rodapé da tela. Um click nos revela o notório envolvimento do programa – e da TV Cultura, através de seu logotipo – com a agência de turismo Nascimento. Além de fazer um link com a agência, o Planeta Turismo mistura claramente sua pauta – que não deveria sofrer nenhum tipo de interferência comercial – com a venda de pacotes da agência. A oferta atual diz o seguinte: ‘O Programa Planeta Turismo estará gravando um programa especial no Amazonas, percorrendo o Rio Negro e afluentes. O apresentador Ruy Façanário e toda sua equipe estarão a bordo, gravando mais um programa e você nosso telespectador pode estar lá’.

À luz dos estatutos da Fundação Padre Anchieta, não se trata, portanto, de apenas retirar da tela o endereço de um site onde não se sabe direito onde termina o conteúdo editorial de turismo e onde começa a venda de pacotes de viagem. Trata-se de zelar e agir para que a pauta do Planeta Turismo e a responsabilidade editorial por esse espaço da grade da TV Cultura não tenham qualquer relação de dependência, explícita ou dissimulada, com negócios de qualquer natureza ‘linkados’ ao que se exibe no programa.

Conheça os altos e baixos da TV Cultura

Bom aperitivo

(Entrelinhas, 17 de agosto)

O perfil-resenha feito por Veronica Stigger sobre Miranda July e seu livro ‘É claro que você sabe do que estou falando’ foi o melhor momento do Entrelinhas de 17 de agosto.

Guinadas fotográficas

(Metrópolis, 19 de agosto)

Uma pauta surpreendente e muito bem-realizada: a guinada profissional do prêmio Pulitzer Greg Gibson, ex-fotógrafo da agência Associated Press, que trocou o registro da caminhada da História pelo ofício de (ótimo) fotógrafo de casamento. O final da reportagem, com Greg se deliciando com um pastel do mercado de São Paulo, foi um hino ao despojamento.

De mulher para mulher

(Roda Viva, 18 de agosto)

Uma das entrevistadoras convidadas do Roda Viva, a jornalista Norma Couri, com seu estilo elegante de ir direto ao ponto, levou a escritora Ayann Hirsi Ali a abordar, com franqueza e serenidade, um aspecto traumático inseparável de sua biografia: o fato de ela ter sido submetida ao sombrio ritual da extirpação de clitóris.

Preciosidade

(Radiola, 18 de agosto)

O quadro Arquivo, no Radiola de 18 de agosto, com Chico Buarque, em programa gravado em 1973, merece reprise. Primeiro, pelo momento em que ele canta trechos dos clássicos ‘Tatuagem’ e ‘Cotidiano’. Depois, pelo relato divertido de Chico sobre um episódio que ele viveu com Toquinho durante um show.

Conteúdo

(Jornal da Cultura, 19 de agosto)

Um Jornal da Cultura informativo e ágil que não deixou de fazer apostas temáticas. O cardápio incluiu matéria de campo sobre doenças cardíacas, os destaques do dia olímpico, a boa cobertura da estada do juiz espanhol Baltazar Garzon ao Brasil, o conflito da Geórgia, o rompimento de uma barragem no Grand Canyon, a nacionalização do setor do cimento na Venezuela, o projeto polêmico que tira dos bancos a responsabilidade pela violação da segurança de seus sites, o resgate dos quadros da Pinacoteca do Estado, a soltura da falsa mãe de Goiás, o reaparecimento dos chineses sequestrados no Rio, a decisão do Superior Tribunal de Justiça sobre a manutenção as pensões alimentícias para filhos maiores de 18 anos, o incêndio do Teatro Cultura Artística – incluindo a informação sobre o prêmio de seguro insuficiente para a reconstrução – e a boa estréia do quadro ‘De olho no voto’.

Páreo duro

(Pé na rua, 21 de agosto)

O quadro ‘Repórter porque quiz’, sobre a vida dos jóqueis, deixou a sensação de que o jovem que ancorou a matéria e seus entrevistados – todos jóqueis – foram salvos por uma edição cheia de boas inserções cinematográficas relacionadas a corridas de cavalo. E que eles devem ser bem melhores, muito melhores, na pista, disputando os páreos da vida…

Confusão

(Jornal da Cultura, 19 de agosto)

A saudável iniciativa de ‘calçar’ a reportagem sobre a gravação do Roda Viva com a escritora Samantha Power com material jornalístico relacionado ao seu biografado, o falecido embaixador Sérgio Vieira de Mello, resultou em dois momentos não muito felizes do Jornal da Cultura: um trecho datado e sem muita relevância, além de quase inaudível, de uma entrevista do embaixador a Paulo Markun em 2000, e um momento da gravação do Roda Viva no qual o âncora Alexandre Machado diz: ‘Você acompanha hoje…’. Um nó na cabeça de muitos telespectadores, que já tinham sido avisados de que o Roda Viva com Samantha Power iria ao ar na próxima segunda, dia 25, cinco dias depois.

Beth Carvalho

(Vitrine, 16 de agosto)

As condições não muito boas de iluminação, o enquadramento lateral demais e captação precária de áudio comprometeram um pouco a qualidade da entrevista com Beth Carvalho. Em relação ao conteúdo, seria importante mencionar o conflito recente da cantora com a direção da escola de samba da Mangueira. Nem que fosse para ela dizer que tudo já passou.

Travamento

(Entrelinhas, 17 de agosto)

Como já aconteceu em outras entrevistas dadas esse ano, incluindo um Roda Viva inteiro com ele, Zuenir Ventura – não por culpa da entrevistadora do Entrelinhas, diga-se – demonstrou, mais uma vez, uma certa dificuldade de transformar seu retorno literário ao tema 1968 em algo um pouco mais contundente ou inspirador para o telespectador.

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Tal e qual quem? (29/8/08)

O novo horário de exibição do Tal & Qual, no final da noite, é bem mais adequado à sua proposta de conteúdo. Os textos de introdução, apresentados pelo carismático Amaury Wilson, continuam revelando um saudável e criativo esforço para que os assuntos latino-americanos conquistem o telespectador médio brasileiro. Mas a contradição mais aguda do programa, a julgar pela edição de 26 de agosto, continua sendo sua incapacidade de transpor as sólidas fronteiras culturais, históricas, comportamentais e temáticas, que, queiramos ou não, existem entre nós, brasileiros, e nossos hermanos co-participantes do projeto.

A produção argentina, uma reportagem retrospectiva sobre o Luna Park – espécie de Ginásio do Ibirapuera ou Maracanãzinho de Buenos Aires – até seria, para nós, telespectadores brasileiros, uma curiosidade turística e cultural interessante, principalmente para quem estivesse prestes a embarcar para a capital argentina. Mas a edição frouxa, em boa parte embalada pelo som de uma inexplicável big band americana dos anos 40, suspensa no tempo devido à falta de data de produção, sem narração em português, sem nenhuma conexão aparente com a atualidade portenha ou sul-americana, congestionada de filmes de arquivo sobre boxeadores e roqueiros argentinos pouquíssimos conhecidos fora daquele país e, principalmente, marcada por uma contemplação nostálgica que só faz sentido para quem frequentou o Luna Park, dificilmente envolveu ou prendeu muito a atenção dos telespectadores ‘do lado de cá’.

O que nos aproximava desse conteúdo era o fato de que foi no Luna Park que estiveram Frank Sinatra, o Holiday on Ice, os Globe Trotters , o Papa João Paulo II e outras personalidades mundiais. O que nos distanciou, no entanto, e muito, foi o fato de esse mini-documentário não ter uma pegada universal e ser feito originalmente pra argentino ver.

O mini-documentário seguinte, uma produção colombiana chamada ‘Heróis do Amazonas’ peca no outro extremo: usa uma sucessão conhecidíssima de chavões visuais, literários e conceituais para contar o que para nós, telespectadores brasileiros, é a enésima história sobre seringueiros, índios e pescadores que tentam sobreviver na Amazônia com projetos sustentáveis e turismo ecológico. E com um colossal erro de informação: o de que, nos próximos cinco anos, toda a selva amazônica brasileira vai desaparecer para sempre. Isso mesmo: toda e para sempre…

O fato de o Tal & Qual ter como objetivo declarado ‘incentivar a integração e contribuir para um importante diálogo estético e cultural entre os povos latino-americanos, oferecendo rico material para quem se interessa em conhecer a cultura dos vizinhos de continente’ não o livra, como vemos, dos complicadores que ressurgiram nessa edição de 25 de agosto. A universalidade latino-americana que se busca, infelizmente, longe de ser fácil, é uma conquista muito mais rara do que rotineira.

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Posição do conselho (27/8/08)

No último dia 18, respondendo a demandas de telespectadores que não concordavam com a transmissão, pela TV Cultura, da Missa de Aparecida, manifestei minha opinião, lembrando que o estatuto da Fundação Padre Anchieta, no parágrafo 2º de seu artigo 3º, desautoriza a transmissão da missa, ao estabelecer que a TV Cultura deve ‘produzir e emitir programação de caráter educativo e informativo’, e que sua finalidade é ‘a defesa e o aprimoramento integral da pessoa humana, sua formação crítica para o exercício da cidadania e a valorização dos bens constitutivos da nacionalidade brasileira, no contexto da compreensão dos valores universais’.

Sobre essa questão, recebi mensagem do Secretário Executivo da Presidência da TV Cultura, Júlio Moreno, na qual ele manifesta a posição atual do Conselho Curador da FPA a respeito do assunto. Transcrevo-a:

Há poucos meses, foi realizada uma pesquisa entre os membros do Conselho Curador da Fundação Padre Anchieta sobre a questão. A maioria dos que se manifestaram opinou pela continuidade da transmissão.

A discussão do tema deverá ser retomada na próxima reunião do Conselho.

A transmissão da Missa de Aparecida é feita desde 1987, inicialmente como parte integrante de um bloco de programação denominado ‘Cultura Paulista’, em que se buscava prestigiar as manifestações regionais, culturais e artísticas, de diferentes áreas do Estado. Reproduzindo um domingo típico das cidades do interior, a programação iniciava com a Missa (sempre a da Basílica de Aparecida), em seguida ‘A Cidade faz o show’, exibindo os diversos talentos e personagens ilustres locais, e finalizando com o musical ‘Viola minha Viola’, com Inezita Barroso, este, um dos mais antigos – e até hoje prestigiado – programas da emissora.

É nessa tradição que se baseia a opinião de boa parte dos conselheiros que responderam a pesquisa. Para eles, a transmissão da Missa de Aparecida não pode também ser considerada sob o prisma reducionista de programa da organização Igreja Católica Apostólica Romana, que beneficia determinada igreja em prejuízo das demais. O dia 12 de outubro, realmente, foi declarado feriado nacional por lei federal para ‘culto público e oficial a Nossa Senhora Aparecida, Padroeira do Brasil’ (artigo 1º). Isso não deve ser confundido, entretanto, com qualquer juízo de valor sobre as diferentes crenças e sua exteriorizações.

Atenciosamente,

Júlio Moreno

Secretário Executivo da Presidência da TV Cultura’

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No calor da redação (26/8/08)

Dois momentos emblemáticos dos desafios diários enfrentados pela equipe do Jornal da Cultura:

Na matéria de balanço sobre o desempenho olímpico brasileiro, o Jornal da Cultura adotou a famosa e discutível conta que nos dá o custo de cada medalha – R$ 50 milhões – a partir do gasto feito, nos últimos quatro anos, com o esporte olímpico brasileiro, segundo a ONG Contas Abertas. A conta e o enfoque claramente condenatório do jornal, é verdade, saem muito ao gosto de um certo tipo de telespectador da TV Cultura, não muito entusiasmado com o esporte em geral. Mas também ensejam a tese simplista – e elitista – de que esse negócio de olimpíada é só pra país rico. Uma tese e um princípio de política esportiva que, se levados às últimas conseqüências, recomendariam, por exemplo, que o jamaicano Usain Bolt e seus colegas etíopes e quenianos – que destronaram, juntos, a poderosa equipe de atletismo americana – nem fossem para Pequim.

A matéria também analisou o desempenho do futebol e, sem mencionar o bronze conquistado pelos brasileiros, traduzindo-o apenas como ‘fracasso’, aderiu à quase inevitável sessão nacional de cascudos que vem sendo aplicada no técnico Dunga. E foi especialmente agressiva ao apresentar o momento em que o treinador disse o seguinte: ‘Outros esportes tiveram quatro anos para se preparar. Chegaram lá e não trouxeram medalha. Estão muito mais tristes do que nós. Então a gente está tranquilo naquilo que fez’. O texto da matéria – e o texto das chamadas do jornal, – interpretava a frase dizendo que Dunga ‘justifica o fracasso do time com o fracasso de outros atletas’. Será que foi isso que ele quis dizer?

Esse enfoque emocional deu lugar, felizmente, no final da matéria, à palavra serena de Nuno Cobra, que lembrou a velha lição das ressacas olímpicas brasileiras: sem investir na educação, não avançaremos no ranking esportivo mundial.

Já a matéria sobre o evento comemorativo dos dez anos do Banco do Povo Paulista foi um exercício equilibrado de jornalismo na delicada fronteira do interesse público com a informação de interesse governamental: abriu espaço para um executivo defender os feitos do banco – e, indiretamente, a parceria que o governo estadual faz no projeto – mas também habilitou o cidadão-telespectador a entender melhor o assunto ao eleger, entre as declarações dadas pelo indiano Muhammad Yunus, convidado principal, Prêmio Nobel da Paz de 2006 e inspirador desse tipo de banco, a advertência: ‘Microcrédito e governo não têm boa química. O governo deve criar ambiente propício, mas não se meter na parte operacional’.

Como diria João Saldanha, vida que segue…’