‘Faz 18 anos, nove meses e três semanas que esta coluna tratou pela primeira vez da seção ‘Painel do Leitor’. Seu titular era o primeiro ombudsman da Folha, Caio Túlio Costa. O tema apareceu 31 vezes nesta página. A mais recente, já no meu mandato, em 13 de julho deste ano.
Todos os ombudsmans defenderam que o espaço da seção de cartas do leitor não fosse ocupado por personagens da notícia ou seus assessores. A demanda é uma das mais freqüentes que lhe chegam.
Diversas sugestões foram feitas para resolver o problema: aumentar a seção, criar uma só para contestações ou direito de resposta, incluir o ‘outro lado’ nas páginas do noticiário, seguir o modelo do ‘Washington Post’, que aos sábados dá uma página inteira de cartas do leitor.
A Redação tem permanecido impermeável a essa chuva de apelos. Responde sempre que ‘as autoridades também são leitores’, que é ‘democrática’ a divisão do espaço entre ‘especialistas e anônimos’.
Não concordo. Nem aceito nenhuma das justificativas dadas aos nove jornalistas que ocuparam este cargo. Não é nada democrático que pessoas que já têm ampla possibilidade de expressar sua opinião tomem um dos poucos espaços dos que a têm muito limitada.
Ainda mais porque o limite de tamanho imposto às cartas dos comuns não se aplica aos célebres. Sem contar que quase sempre a carta do famoso recebe tréplica da Redação, o que diminui mais a área do leitor.
Bernardo Ajzemberg, ombudsman entre 2001 e 2004, apontou com razão que um dos motivos por que o jornal publica tantas contestações de pessoas noticiadas é provavelmente a falta de aplicação de seus repórteres no cumprimento da obrigação de ouvir devidamente o outro lado.
Assim, o leitor é punido duplamente: não tem os dois lados da história no dia em que ela sai e tem encurtada a chance de ver sua opinião publicada no jornal. Também a autoridade sai perdendo porque para ela é muito melhor ter sua versão ao lado da que contesta.
As cartas ao editor são uma tradição da imprensa ocidental. Na Inglaterra do século 19, elas amplificavam a voz dos que só podiam se expressar ao público no Speaker’s Corner do Hyde Park. Nos EUA, o intelectual e escritor E. B. White dizia, em 1950, que ‘o privilégio de escrever ao editor é básico’ e que as cartas de leitor são ‘o prato quente do cardápio de pratos feitos da América’.
Nos tempos de blogosfera, seções de cartas de leitores em jornais impressos são oásis de boa educação, civilidade e respeito na expressão de pontos de vista discordantes. Deveriam ser ampliadas.
A Folha é, entre os três grandes da imprensa brasileira, o que menos cartas de leitores publica em média, como constatou o ombudsman Marcelo Beraba em 2005, e continua.
Criou um aditamento eletrônico, que dobra o número de cartas aceitas (www1.folha.uol.com.br/folha/paineldoleitor/), mas não satisfaz a maioria absoluta dos leitores.
Foi por causa desse pleito até agora não atendido, que meu antecessor imediato, Mário Magalhães, recebeu mensagem que dizia: ‘o ombudsman é como peito de homem, não serve para nada’.
Eu pretendo continuar com o tema em pauta para ver se o título desta coluna vai terminar com ‘… tanto bate até que fura’ ou com ‘… tanto bate até que seca’.’
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‘O muro de Nova York’, copyright Folha de S. Paulo, 21/9/08.
‘O mundo atravessou esta semana uma das mais graves crises da história do capitalismo. Alguém usou a imagem de que ela pode levar à queda do Muro de Nova York, que teria para a economia a importância simbólica que a do Muro de Berlim teve para a política.
Pode nem vir a ser tanto assim, mas que o problema é grande, é. A Folha começou a cobertura mal, foi bem de terça a quinta e, a meu ver, acabou mal na sexta.
Na segunda, os prenúncios da tempestade eram claríssimos. Mas o jornal preferiu passar por cima deles e deu de manchete um texto ilógico, no qual se fazia ligação absurda entre as promessas do governo federal de usar a renda do pré-sal em educação com o fracasso do ensino em municípios fluminenses que ganharam muito dinheiro com o petróleo.
Durante a semana, as notícias e especialmente as análises para o furacão financeiro foram extensas, abrangentes e diversificadas.
Na sexta, em minha opinião, o jornal errou ao não dar como manchete os efeitos mais significativos da confusão para o Brasil, com a alta do dólar e a primeira intervenção do governo, para detê-la.
O colunista Vinícius Torres Freire discordou da minha avaliação. Argumentou ao ombudsman que os estudos do governo americano que foram o objeto da manchete da Folha eram mais que isso: ‘quem vai assumir as dívidas podres é o problema central da crise’.
Para ele, o leitor não teria compreensão melhor da situação se a manchete tivesse sido a questão do dólar. Ao contrário, teria perdido o essencial.
Pode ser. Mas não tenho dúvida de que a ênfase nos planos do governo americano enfraqueceu a capa da Folha e distanciou a curiosidade do leitor.
O importante é o jornal manter atenção e foco nos próximos dias para explicar ao leitor o que se passa e tentar antecipar como esses fatos podem transtornar a sua vida.’
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‘Para ler’, copyright Folha de S. Paulo, 21/9/08.
‘‘PARA LER
‘Prezado Senhor, Prezada Senhora – Estudos sobre Cartas’, organizado por Walnice Nogueira Galvão e Nádia Battella Golib, Companhia das Letras, 2000 (a partir de R$ 48,89) – coleção de 40 ensaios sobre cartas, gênero literário que tem entre seus primos pobres as cartas de leitores a editores
PARA VER
‘Nunca Te Vi, Sempre Te Amei’, de David Hugh Jones, com Anthony Hopkins e Anne Bancroft, 1987 (a partir de R$ 19,90) – singelo e comovente filme sobre a história verdadeira da correspondência de 20 anos entre uma bibliófila de Nova York e o dono de um sebo em Londres, iniciada via anúncio de jornal e encerrada sem que os dois jamais se encontrassem pessoalmente
ONDE A FOLHA FOI BEM…
Pequeno parteiro
História simples e bem contada e excelente foto do menino Roberto, de oito anos, que ajudou a mãe no parto da irmã iluminaram a edição de terça
Turismo fumante
Suplemento quase monotemático sobre relação entre a indústria do turismo e o tabaco prestou grande serviço ao viajante que fuma
Autocorreções do Word
Caderno Informática ajudou o leitor a se livrar dos irritantes instrumentos do programa, que corrigem o que não devem
…E ONDE FOI MAL
Folhinha
Jornal erra ao não aumentar o número de páginas editoriais do suplemento quando entram mais anúncios; no seu 45º aniversário, a Folhinha e seus leitores merecem mais jornalismo, não menos
Pink Floyd
Nota de dois parágrafos foi muito pouco para noticiar na terça a morte de Richard Wright, um dos fundadores da importante banda
Sálvia
Como ressaltou o leitor Sérgio Nicastri, reportagem sobre ‘barato da sálvia’ errou ao informar só no último parágrafo da segunda matéria que a droga é uma coisa e o tempero outra
ASSUNTOS MAIS COMENTADOS DA SEMANA
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