Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O Estado de S. Paulo

INTERNET
O Estado de S. Paulo

O Google se rende e contrata publicidade

‘O gigante da internet Google começa a quebrar sua festejada resistência à contração de serviços publicitários. Tem conversado com agências de propaganda a fim de promover suas ferramentas de buscas e os produtos que desenvolveu nos últimos anos. A empresa sempre se vangloriou de usar apenas a divulgação boca-a-boca. Em agosto, já tinha lançando, num movimento raro, uma campanha no Japão com mídia exterior.’

 

 

Daniele Carvalho

Acesso à internet é mais caro no Brasil

‘O forte crescimento da utilização da banda larga para acesso à internet ainda não se converteu em redução de preços para o consumidor no País. Levantamento feito pela consultoria IDC coloca o Brasil no topo da lista dos países com tarifas mais altas, entre os emergentes. Os custos pesam no bolso dos clientes, que fazem conexão tanto por meio da tecnologia oferecida pelas operadoras de telefonia fixa (ADSL) como pela das TVs por assinatura (cable modem).

A pesquisa, que usou como parâmetro as velocidades mínimas e máximas oferecidas em cada mercado, levantou o custo final para o consumidor no Brasil, Argentina, Chile, Rússia e República Tcheca. ‘Não seria justo comparar o Brasil com países desenvolvidos, onde o mercado já está mais maduro’,explica o analista em telecomunicações da consultoria, Vinícius Caetano. Por isso, a o estudo definiu um perfil de países a serem observados. ‘Resolvemos, então, fazer uma avaliação junto a países emergentes da América latina e do Leste Europeu.’

Ao pesquisar 15 provedores de banda larga no Brasil, a consultoria apurou que o custo médio para a velocidade mínima, de 128 quilobits por segundo (Kbps), oferecida no mercado pela conexão por operadoras de telefonia fixa era de US$ 30 em julho deste ano. Já no Chile, onde a velocidade mínima é mais que o dobro da brasileira (300 Kbps), o preço era de US$ 34,71. Na vizinha Argentina, 512 Kbps saíam por US$ 27, 05.

O descompasso é ainda maior quando confrontados os dados do Brasil com os dos países europeus em desenvolvimento. Na Rússia, por exemplo, a velocidade mínima é de 1 megabit por segundo, com preço médio de US$ 14,64. Já na República Tcheca, paga-se US$ 17,68 por 2 megas de conexão.

‘No acesso mínimo de banda larga, o Brasil ainda oferece conexão de 128 Kbps , que já é ultrapassada em vários países. E, mesmo assim, o custo é maior que o de conexões com maior velocidade’, comenta Caetano.

A diferença de preços também é grande quando se avalia os produtos mais sofisticados, voltados para clientes de classe A. No Brasil, a velocidade máxima oferecida no varejo, de 20 megas, exige desembolso mensal de US$ 300. Na Argentina, 5 megas saem a US$ 46,80. No Chile, por 6 megas paga-se US$ 59,70. Os internautas tchecos pagam por 8 megas de conexão ADSL US$ 53, enquanto que os russos desembolsam cerca de US$ 38 por 6 megas de conexão.

‘Se na conexão mínima estamos em desvantagem na oferta de serviço, na máxima, já chegamos a 20 megas. Os demais países ainda oferecem acessos que ficam em torno de 5 a 8 megas. O preço cobrado no Brasil, no entanto, é proporcionalmente mais alto que nos países estudados’, acrescenta o analista da IDC.

VIA CABO

A situação não é diferente no acesso por cabo. No Brasil, o preço mínimo, para 200 Kbps, é de US$ 32,60. Já os argentinos pagam US$ 15,90 por 640 Kbps, e os chilenos, US$ 38,70 por 1 mega. ‘Na conexão máxima, as empresas brasileiras cobram US$ 130 por 12 megas. Na Argentina, 10 megas tem preço médio de US$ 191, que no Chile saem por US$ 69,40’, revela Vinícius Caetano.

A indústria nacional do setor aponta a carga tributária como o principal vilão dos preços do acesso à internet banda larga. De acordo com o presidente da Associação Brasileira de Provedores de Internet (Abranet), Eduardo Parajo, a taxação na atividade de telecomunicações chega a 43% dos custos. ‘Assim fica difícil sair ganhando na comparação das tarifas’, diz Caetano.

Parajo admite, no entanto, que ainda há pouca concorrência no setor, o que reduz a necessidade das empresas de oferecer preços mais competitivos. De acordo com ele, esta disputa poderia ser motivada por meio da redução da carga tributária ou diminuição da tarifa de importação de produtos para o setor, que segundo ele chega a 100%.

‘Estas medidas poderiam atrair mais investidores para o mercado’, defende ele. O analista da IDC observa que ainda há pouca concorrência no serviço de banda larga, mas acrescenta que outro motivo para o encarecimento do serviço de banda larga pode estar nas dimensões continentais do País.

‘Além disso, o grau de penetração do serviço ainda é baixo no Brasil, de 13%. Em alguns dos países comparados chega a 30%’, diz. ‘Temos que levar em conta que isto faz uma grande diferença porque o custo fixo se mantém estável’, argumenta Caetano.’

 

 

TECNOLOGIA
Ethevaldo Siqueira

País não tem projeto digital de longo prazo

‘‘Políticos, em sua maioria, plantam couve. Estadistas plantam jequitibás.’ Essa é a diferença entre as duas categorias de nossos dirigentes, numa definição que ouvi de meu pai ainda na juventude.

Puxe por sua memória, leitor, e diga qual foi o último grande projeto nacional de que se recorda. Não force muito, pois, em verdade, em sua história recente, o Brasil tem sido muito carente de projetos ambiciosos, de longo prazo, aqueles capazes de mudar qualitativamente o País. Recordemos alguns, a começar da criação da Universidade de São Paulo (USP) em 1934. Ou da Companhia Siderúrgica Nacional, em 1941. Ou do Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA), em 1950, sem o qual o Brasil não teria a Embraer nem uma indústria aeronáutica de classe mundial. Ou da Petrobrás, em 1954. Ou da Universidade de Campinas (Unicamp) em 1966. Ou da Telebrás, empresa-chave na implantação da primeira infra-estrutura moderna das telecomunicações brasileiras, em 1972. Ou da Embrapa, em 1973, sem a qual o Brasil não teria hoje a competência tecnológica para explorar o cerrado e produzir mais de 130 milhões de toneladas de grãos por ano.

Depois da morte do ex-ministro Sérgio Motta, em 1998, nenhum projeto ambicioso foi proposto para as comunicações brasileiras. A grande prioridade do setor ainda é a elaboração de uma lei geral, moderna e abrangente, capaz de harmonizar todos os segmentos do setor. A legislação em vigor é uma colcha de retalhos, com partes eficientes, como a Lei Geral de Telecomunicações, de 1997, e outras obsoletas, como o velho capítulo do Código Brasileiro de Telecomunicações, de 1962, que ainda rege o rádio e a TV.

E não faltam recursos ao País para projetos muito mais ambiciosos no campo da inclusão digital. Dou apenas dois exemplos que somam R$ 15 bilhões. O primeiro é o Fundo Nacional de Universalização das Telecomunicações (Fust), que já arrecadou R$ 7 bilhões, sem nada aplicar nas finalidades de sua criação. O segundo é o Fundo de Fiscalização das Telecomunicações (Fistel), cujos excedentes já somam mais de R$ 8 bilhões, inteiramente confiscados pelo governo.

APESAR DE TUDO

Para os brasileiros de boa-fé que têm alguma saudade do monopólio estatal, vale a pena comparar aquele modelo com a nova realidade. Em 1998, ano da privatização da Telebrás, o Brasil alcançava a densidade de 16 telefones por 100 habitantes. Hoje tem 94. O percentual de residências com telefone não passava de 20%. Hoje chega a mais de 70%.

Comparem ainda estes números: há 10 anos, o País tinha apenas 5,5 milhões de celulares em serviço. Hoje tem 138,4 milhões (dados de 31 de agosto de 2008). Um crescimento de 2.500%. O Brasil já é o quinto mercado de telefonia móvel do mundo. Até o final do ano, serão 150 milhões de celulares. Em 2010, mais de 200 milhões.

Na área de tecnologia da informação, o número de internautas passou de 1 milhão para 42 milhões, 10 milhões dos quais usuários de banda larga. O Brasil é hoje o sexto mercado mundial de internet.

E a mudança mais significativa de paradigma: os brasileiros estão comprando mais computadores do que televisores. Em 2007, foram vendidos 10,5 milhões de desktops e laptops contra 10 milhões receptores de TV. Em 2008, a venda de computadores deverá ser ainda maior: 11,8 milhões.

Qual foi o milagre? Apenas a redução da tributação. Ou seja, o governo passou a atrapalhar menos. Mesmo assim, a carga tributária brasileira tem crescido sem parar ao longo de mais de 30 anos. E já se aproxima de 40% do PIB, com alíquotas de impostos que chegam a quase 50% do valor dos serviços telefônicos e de banda larga.

LULA RECONHECE?

Diante desse quadro, não seria pedir demais ao presidente Lula que reconhecesse e comemorasse as conquistas do novo modelo com seu conhecido chavão: ‘Nunca antes na história deste País, tivemos uma inclusão digital dessas proporções: mais de 100 milhões de cidadãos passaram a ter telefone e 42 milhões tiveram acesso à internet em apenas 10 anos. Peço desculpas ao País por ter combatido a privatização das telecomunicações e reconheço publicamente que ela representou um avanço enorme para o Brasil.’

Mas estamos longe desse milagre. A tentação populista ainda é muito mais forte, recorrente, como aconteceu durante a campanha presidencial de 2006, em que Lula e seu partido voltaram a combater ferozmente a privatização das telecomunicações. E se dependesse do desejo de ambos, a Telebrás e suas 27 subsidiárias continuariam estatais e, com certeza, hoje totalmente aparelhadas pelo partido ou a serviço da barganha de cargos.

É claro que ainda há muito a fazer nas telecomunicações. A qualidade do atendimento nos call centers ainda é inaceitável. Os serviços de banda larga são medíocres e seus preços quase 10 vezes maiores que o da Coréia do Sul. Dos 5.564 municípios brasileiros, 2 mil ainda não dispõem de telefone, embora o celular deva chegar a todos os municípios do País nos próximos 24 meses.

O que falta ao País neste ponto é, sem dúvida, um ambicioso projeto digital de longo prazo.’

 

 

LITERATURA
Valéria França

Samuca, a grife das livrarias

‘Amigos, parentes, funcionários e mesmo clientes chamam o livreiro Samuel Seibel, de 54 anos, de Samuca. E o tom de intimidade que às vezes pode parecer inadequado soa muito natural. Explico: quem chega a uma das quatro unidades da Livraria da Vila se sente à vontade, como se estivesse numa sala de visita e não numa loja. Os vendedores não pressionam o comprador. Em contrapartida, tem leitor que fica horas, sem exagero, fuçando nas bancadas à procura de novidades, sentado nos sofás ou no café. Todas as lojas têm um. Além disso, os clientes encontram amigos, que não raro estão por lá. Trocam figurinhas com outros compradores, vendedores e, freqüentemente, sem saber, com o próprio Samuca. ‘Sou ótimo vendedor’, gaba-se ele, que está sempre numa das unidades.

Com roupas despojadas e tênis, ele pode mesmo ser confundido com um dos seus 130 funcionários. Não só por causa dos trajes. Ele está sempre agitando e se misturando com as pessoas. Talvez seja um efeito da malhação diária. Ele faz musculação, nada e corre no Parque do Ibirapuera, que fica próximo de sua casa. Em 2005, chegou a participar de uma maratona em Berlim, na Alemanha. Na quarta-feira, embarcou para a Itália, com o objetivo de fazer uma viagem de bicicleta pela Toscana com a família – a mulher, Débora, de 48 anos, e os filhos, Flávio, de 27, e Rafael, de 25. Talvez seja pelo fato de gostar de fazer amigos e de engatar numa conversa animada, a ponto de esquecer uma reunião marcada.

‘Além de distraído, ele é um grande otimista. Sempre acha que tudo vai dar certo e por princípio confia nas pessoas’, conta Débora. ‘Outro dia, estava em casa e um taxista tocou a campainha. O motorista trazia as coisas do Samuca, o laptop e a mala.’ O livreiro tinha chegado de uma de suas viagens de negócios e, para ganhar tempo, pegou um táxi, desceu na livraria, mas pediu ao motorista que seguisse para sua residência com os seus pertences. ‘Imagine, era um motorista que ele não conhecia.’

Os manobristas do estacionamento da unidade da loja da Vila Madalena, zona oeste, onde funciona o escritório central, estão acostumados com esse jeitão diferente do patrão. E já não estranham quando recepcionam Nero, um golden retriever de 4 anos, caramelo, freqüentemente despachado sozinho, de táxi, da casa para a livraria.

Mas o que impressiona de fato é a maneira como Samuca virou um livreiro. Foi assim, digamos, da noite para o dia. Em agosto de 2002, para participar de uma meia maratona, viajou para o Rio num fim de semana. Na época, era diretor comercial da Leo Madeiras – empresa com 36 lojas pelo País que herdou do pai, Bernard, judeu imigrante da Romênia, que chegou ao Brasil no início do século passado. A família Seibel ainda tem a Satipel, empresa de MDF (placas de madeira), e preside o conselho administrativo do braço nacional do grupo francês Leroy Merlin. Durante a estada no Rio, passeando em Ipanema, bairro da zona sul, Samuca viu que a Livraria Renovar havia aberto uma unidade do café da Colombo, tradicional casa do centro da cidade. ‘Quando entrei, escutei harpas’, conta. ‘Tomei consciência de que esse era o negócio que queria para o resto da vida.’

A partir daí, começou a pesquisar e a conversar com outros empreendedores. ‘Ele levou o case para discutir com o nosso grupo’, diz o amigo Sergio Kuczynski, de 50 anos, dono do restaurante Arábia. Os dois faziam parte do Renaissance Executive Forums, uma prática importada dos Estados Unidos onde CEOs, isolados pelos altos cargos, se reúnem para discutir carreira, negócios, incertezas, suas fragilidades e até mesmo aspectos que envolvem a vida pessoal. ‘Apesar de vir do ramo industrial, no fundo, Samuca foi um livreiro a vida toda.’

Kuczynski refere-se à paixão que o amigo sempre teve pelos livros. ‘Desde pequeno, quando morávamos no Bom Retiro, no centro, sempre vi meu pai lendo. Ele tinha uma biblioteca em casa, mesmo sendo um simples gerente de loja’, conta Samuel. ‘Quando era pequeno, ele contava que havia conhecido Jorge Amado, na época em que morou na Bahia.’ Samuel acreditava nas histórias do pai, como todo filho, mas tinha dúvidas se o inverso valia, ou seja, se o escritor também conhecia de fato seu pai. Mais tarde, recém-formado em Jornalismo, sem querer esbarrou com Jorge Amado numa festa em Paris. ‘Disse que era filho de Bernard. E não é que ele se lembrou do meu pai e ainda falou de minha mãe, Rosinha?’

MERCADO OSCILANTE

Dois meses após ter ‘escutado som de harpas’ no Rio, Samuca soube que a Livraria da Vila – até então com uma loja, a da Rua Fradique Coutinho – estava à venda. No início de dezembro, saiu dos negócios da família e comprou a livraria. ‘É muita coragem deixar um ramo estável como o industrial e comercial para investir num setor extremamente oscilante’, elogia o editor Pedro Paulo de Sena Madureira, no ramo há 42 anos.

Samuca conseguiu transformar a livraria de bairro em grife. ‘Ela não é gigantesca, como a Saraiva e a Cultura, mas média. E sobretudo a loja da Alameda Lorena tem um acervo muito completo de títulos nacionais’, diz o editor. ‘Ele ainda inovou. Absorveu o que a Livraria Cultura já vinha fazendo desde a década de 80 e deu a sua cara, o que resultou num atendimento excepcional, muito personalizado.’

Samuca conseguiu transformar a livraria num ambiente tão agradável que virou ponto de encontro. Muita gente vai mesmo a passeio. ‘Fui criado no tempo em que o livro era a principal fonte de informação. Talvez por isso nunca tenha parado de ler.’

Idealista, na época do colégio, Samuca fazia parte do movimento estudantil. ‘Eu saía com o Bob Wolfenson (fotógrafo) pichando as ruas da zona norte. Não tínhamos a menor noção do perigo. Estávamos em plena ditadura.’ Quando se formou em Jornalismo, acreditou, por curto período de tempo, que poderia ‘mudar o mundo com sua pena’- ele trabalhou no Estado e na Folha de São Paulo. Mais tarde, acabou fisgado pelo irmão, Hélio, de 55 anos, que lhe ofereceu a oportunidade de montar um jornalzinho na empresa do pai. O jornalzinho virou uma área de marketing e o jovem idealista, diretor comercial, que ajudou a alçar a Leo Madeiras de um pequeno negócio no Gasômetro, no centro, à categoria de rede nacional.

‘Quando fiz 50 anos vi que havia completado minha obrigação familiar. Contei a Hélio sobre os meus planos, e ele disse que o negócio tinha a minha cara.’ Em julho, inaugurou a quarta casa da Livraria da Vila, num dos mais sofisticados shoppings de São Paulo, o Cidade Jardim, uma loja com 2.500 metros quadrados, duas vezes maior que a unidade da Alameda Lorena. ‘Meu maior prazer é ver as pessoas descobrindo coisas novas na livraria’, resume.’

 

 

Francisco Quinteiro Pires

Esboço da alma humana

‘A coisa mais feia deste mundo é a realidade. Se um escritor deseja retratá-la com justiça, é preciso dominar uma forma literária que a copie – não é permitido dispensar a feiúra. Esse poderia ser o manual do escritor ensinado por Fiódor Dostoiévski (1821- 1881). Seu estilo era duro, porque ele via cruamente a aspereza do universo à sua volta.

Até hoje depreciado como um autor de formas literárias rudes, Dostoiévski padeceu com as traduções indiretas feitas do inglês e do francês para o português. A história começou a mudar em 2000, com Memórias do Subsolo, traduzido diretamente do russo por Boris Schnaiderman. O ápice desse processo é a tradução de Os Irmãos Karamázov por Paulo Bezerra. Sob a chancela da Editora 34 e considerado a síntese das criações de Dostoiésvki, esse romance chega às livrarias em 5 de novembro, dentro de uma caixa com dois volumes, com 1.040 páginas e a R$ 98. Esta é a primeira edição efetivamente integral em língua portuguesa.

Última obra de Dostoévski, escrita um ano antes de sua morte, em 1881, o romance é um esboço profético do século 20 e do começo do 21, quando o capitalismo mostrou suas faces mais selvagens. As certezas e as utopias caíram por terra. ‘No lugar, aparece o novo deus – o mercado’, diz Bezerra. Segundo o tradutor, o autor russo manifestou em toda a sua obra, em especial no Os Irmãos Karamázov, ‘o poder devastador do dinheiro sobre o psiquismo das pessoas’. Atualmente soa ridículo ter como perspectiva a irmandade universal, no que Dostoiévski apostava. O negócio é guiar-se racionalmente pelo egoísmo, risco que o autor de Crime e Castigo mais temia.

O centro do romance é o questionamento sobre a possibilidade da coexistência da moralidade com a renúncia a um poder sobrenatural. ‘A grande dúvida está em saber se uma consciência sem Deus leva ao desastre e legitima a tudo’, diz Aurora Bernardini, tradutora e professora da USP. ‘Parece que o homem não sabe lidar com a liberdade, ele quer a autoridade e o mistério’, arremata. Com o homem do século 21 não é diferente. A consciência humana não se tranqüiliza sem a crença em algo transcendente. A multiplicação de superstições e a força do esoterismo, segundo Bezerra, são um sintoma. O pânico causado pela crise financeira atual é outro.

Paulo Bezerra afirma que Os Irmãos Karamázov não pode ser reduzido à esfera religiosa. Não se pode restringir o enredo à dúvida sobre a imortalidade da alma como garantia da virtude dos indivíduos. ‘Dostoiévski tinha profundo sentido histórico, via o homem como um sujeito da história, que devia ter preocupação com a imagem deixada à posteridade’, diz Bezerra. Para o tradutor, a preocupação com as coisas deste mundo resulta no comprometimento ético com o semelhante, apesar de os fatos atuais indicarem o contrário: o enfraquecimento dos laços solidários.

Enquanto isso, como Dostoiévski mostrou por intermédio de seus personagens, a consciência não deixava de torturar os indivíduos com os seus gritos. Sua literatura apóia a ação nos momentos de crise e de catástrofe. Seus personagens são conscientes da condição de humilhados e têm voz própria. ‘Mikhail Bakhtin dizia que Dostoiévski não inventava os personagens, ele os pré-encontrava na realidade’, afirma Bezerra. E, cedo ou tarde, os escrúpulos – etimologicamente as pedrinhas da alma – desses indivíduos começavam a incomodar. O alerta é dado, mas o que fazer depois dele?

A famosa máxima ‘Se Deus não existe, tudo é permitido’ é atribuída a Ivan Fiódorovitch, um dos três irmãos Karamázov (com o primogênito Dmitri e o caçula Alieksiêi, filhos de Fiódor Pávlovitch). Segundo Paulo Bezerra, Ivan é o personagem que mais se aproxima do alter ego de Dostoiévski, de fala erudita, com a qual questiona a existência divina e rejeita este mundo.

Revolta é o capítulo principal de Os Irmãos Karamázov, de acordo com Bezerra. Nele, Ivan rebela-se ao narrar a história de um criança violentada por um general. Não era possível aceitar uma sociedade em que a inocência infantil, manifestação da presença divina, era manchada. Não era mais possível a anulação do homem como agente da própria vontade diante desse crime. Restava ultrapassar o limite, depois do qual o sujeito não é mais um na manada. Mas como é doloroso ser dono de si mesmo!

Dmitri Fiódorovitch Karamázov, segundo Bezerra, é o representante da decadência da nobreza russa. Sua linguagem vulgar e seu desvario psicológico representam a consolidação dos hábitos burgueses. Para Dostoiévski, o egoísmo desses hábitos ameaçava inviabilizar o destino dos homens na Terra.

Quem promove a mediação entre os personagens é Alieksiêi (Aliócha) Karamázov, o homem de Deus. Eleito como herói pelo narrador de Os Irmãos Karamázov, Aliócha é ‘a medula do todo’. É o procurado pelas criaturas atrás de ‘algum sentido comum na balbúrdia geral’. Embora acreditasse nos homens, aos quais dedicou amor incondicional, ele não era considerado simplório ou idiota. Aliócha não condenava ninguém, era respeitado por carregar o conhecimento dos recantos da alma humana. Não só compreendia, mas vivia os problemas dos outros.

Aliócha era monge, mas essa escolha não o livrou das contradições do espírito humano nem da sensualidade dos Karamázov. (No russo, Karamázov pode significar negro, castigo ou borrão.) Sua condição o martirizou. Até o fim ele defendeu verdadeiros valores humanos, como a amizade, capazes de justificar a vida neste mundo.

Enquanto suportava suas tormentas existenciais, Fiódor Dostoiévski acreditou que o mundo podia ser mais bonito – havia a possibilidade de redenção. Esta vida bem podia ser o resultado da prática do amor universal: a entrega a todos e a cada um, sem reservas e com abnegação.’

 

 

BASQUETE
Valéria Zukeran

Sucesso da nova Liga está nas mãos da TV

‘O ano de 2009 promete ser de virada para o basquete brasileiro, com a realização do primeiro campeonato organizado por uma liga de clubes sob a chancela da Confederação Brasileira de Basquete (CBB). Pode ser o pontapé inicial para a revitalização do esporte, alquebrado pela ausência do time masculino nas últimas três olimpíadas e pelas brigas entre o presidente Gerasime Grego Bozikis e os dirigentes das equipes. Mas o sucesso da iniciativa está nas mãos de uma delicada negociação entre o staff da nova liga e as emissoras de TV interessadas em transmitir o torneio.

Para que se compreenda a situação é necessário voltar no tempo. O ano de 2005 marcou o primeiro racha entre a CBB e os clubes. Liderada pelo ex-jogador Oscar Schmidt, foi criada uma liga que organizou um campeonato paralelo, a Nossa Liga de Basquete (NLB). A primeira temporada foi disputada, mas a iniciativa não prosperou. Vários clubes ‘rebeldes’ decidiram não participar da edição seguinte e voltaram a disputar o Nacional promovido pela CBB.

O descontentamento, no entanto, não terminou. Este ano, por exemplo, os principais clubes de São Paulo decidiram ficar de fora do Nacional, alegando que seria mais rentável esticar o Campeonato Paulista do que bancar do bolso as despesas do Nacional. A competição da CBB foi disputada sem os paulistas – e transmitida pela SporTV, que já acertou os direitos de veiculação do campeonato do ano que vem.

É aí que a coisa fica complexa. Para fazer um campeonato com a chancela da CBB em 2009, a Liga terá de renegociar o contrato vigente entre a entidade máxima do basquete brasileiro e a SporTV. Os clubes querem uma renegociação com valores mais altos – alegam que quando a CBB assinou o acordo boa parte dos clubes da Liga atual estava fora do Nacional. Além disso, várias equipes são favoráveis ao fim da exclusividade na TV. A ESPN/Brasil e a BandSports já sinalizaram interesse na transmissão.

O presidente da Liga, Kouros Monadjemi, é cauteloso quando o assunto é o acordo da TV. Deixa claro que a última coisa que deseja fazer é declarar uma guerra com a SporTV, mas admite que o contrato atual não agrada os integrantes da Liga. ‘Não queremos peitar ninguém’, diz o ex-presidente do Minas Tênis, que ainda cultiva bom relacionamento com a CBB e espera conseguir ?costurar? o acordo entre a entidade, a Liga, e as TVs. O objetivo é acertar tudo amigavelmente e manter o que faz da Liga atual mais forte que as anteriores: a união de clubes que já estiveram de lados opostos politicamente.

Cássio Roque, dirigente do Winner Limeira e vice-presidente da Liga, confirma. Segundo ele, que participou de todos os movimentos dissidentes da CBB, muitos clubes consideram que talvez seja interessante não ter exclusividade, mesmo que isso signifique um contrato não tão vantajoso com a SporTV. A transmissão de um número maior de jogos na TV poderia compensar. ‘A ESPN/Brasil e a BandSports já mostraram interesse. Para nós é motivo de alegria ver que, mesmo com a crise que o basquete brasileiro vem enfrentando, ainda temos interessados em transmitir nossos jogos.’

A Liga, contudo, ainda está em fase de oficialização. ‘Esperamos que até o fim do mês toda a parte burocrática, como registro e CNPJ esteja resolvida’, diz Kouros. Mas o grupo não está parado. Enquanto a parte da papelada não fica pronta, o grupo planeja o formato do campeonato – e detalhes como tabela, bolas, arbitragem. ‘Vai ter 16 ou 18 clubes. Isso deverá ser definido em breve’, diz o dirigente. E explica que uma das premissas da competição é ter partidas bastante disputadas. ‘Não queremos jogos com placar de 140 a 40. A TV não gosta e nós também não.’’

 

 

 

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