Monday, 23 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Ernesto Rodrigues

‘(Cartão Verde, 1 de outubro)

Nada como um dia depois do outro.

No caso, infelizmente.

O time do Cartão Verde, uma semana depois de um programa muito bem-temperado com humor e informação, escorregou várias vezes na galhofa, exagerou nas piadas internas envolvendo Vítor Birner, soou em alguns momentos como uma balbúrdia incompreensível e foi pobre em análise e informação esportiva.

E já que o assunto é o Cartão Verde, cito trecho que considero pertinente do longo e indignado email que recebi do telespectador palmeirense Mario Galhardo, escrito depois que ele leu a coluna que fiz sobre o programa da semana passada (‘De prima’, 26 de setembro). O email não foi comentado, como eu imaginava que aconteceria, no Cartão Verde seguinte, de 1º de outubro. Galhardo, na minha opinião, exagera nos protestos, dando-lhes uma dimensão descabida. Mas suas queixas, como torcedor, são pertinentes. Por isso, cito dois trechos. O primeiro:

‘O fato é que futebol é assunto muito importante para uma grande parcela da população, e levado a sério por cidadãos que nunca freqüentaram um boteco. E o que o Cartão Verde tem a ver com isso? Tem a ver com o respeito ao cidadão torcedor. Não posso admitir que uma TV pública, subsidiada com os impostos de cidadãos de todos os credos, possa dar espaço num programa para que um time seja esculachado sistematicamente. ‘Não tenho nada contra o Palmeiras é apenas uma forma de brincar com a vida’ disse Xico Sá respondendo a um telespectador, que provavelmente não entende frases como ‘eu torço para o Palmeiras cair em todos os campeonatos’.

O outro trecho:

‘Muitas vezes o limite entre a brincadeira e o desrespeito/preconceito é sutil. (…) Não teria muito que reclamar não fosse a TV Cultura uma TV pública. Não acho engraçado ver meu time ser desrespeitado sistematicamente. Não acho ético que isso seja feito numa TV pública sem que exista, no mínimo, um contraponto para a posição praticada. Futebol é também negócio. Times são marcas, que vendem espaços publicitários ao custo de milhões de reais. Desvalorizar o time é desvalorizar a marca. É ridicularizar a paixão do cidadão’.

Como diria o genial João Saldanha, que também tinha seus dias de colunas infelizes, vida que segue…

Conheça os pontos positivos e negativos da programação exibida na última semana.

Sem preconceito

(Entrelinhas, 21 de setembro)

O Entrelinhas continua dando exemplo para outros programas da emissora e abrindo pontes eficientes para a literatura no mundo eletrônico. Na edição de 21 de setembro, o conteúdo principal do programa foi uma rica e abraNente reportagem sobre a lenta mas definitiva chegada do áudio-livro ao mercado brasileiro. Ilustrada com interessantes making ofs de gravações de áudio-livros feitas por José Wilker, lendo ‘Quando Nietzsche chorou’, de Irvin D. Yalom, Rafael Cortez, lendo ‘O alienista’, de Machado de Assis, e de Paulo Betti, lendo ‘A lição final’, de Randy Pausch, além de momentos antológicos em que câmeras de cinema registraram Carlos Drummond de Andrade, Adélia Prado e Manuel Bandeira lendo suas próprias obras, a reportagem incluiu uma interessante e informativo ‘test drive’ de áudio-livros com frequentadores de uma livraria de São Paulo.

A voz

(Radiola, 22 de setembro)

Mais um fecho precioso do Radiola, com seu quadro Arquivo: Milton Nascimento, em um MPB Especial de 1972, cantando ‘Nada será como antes’, ‘Cais’ e ‘Sentinela’.

Sucesso virtual

(Pé na rua, 20 de setembro)

Vale a pena rever a excelente reportagem do Pé na rua sobre os caminhos da fama na Internet, produzida com estrelas da rede como Mallu Magalhães, Rafinha Bastos e a vj Mari Moon. Em termos de conteúdo, esta matéria continha duas pérolas, se considerarmos o público do programa. Primeiro, Rafinha Bastos sugerindo que as pessoas criem na Internet, mas não deixem de levar o que criam para o ‘mundo real’. Depois, Mari Moon alertando que, na Internet, ‘tem muita gente fazendo a mesma coisa’ e que a saída é ser criativo e diferente.

TPM

(Metrópolis, 25 de setembro)

O trecho exibido da performance ‘TPM’, com Carol Zóccoli, foi um aperitivo e tanto para quem queria uma boa dica de teatro em São Paulo. E, quem sabe, uma ótima possibilidade para quadros de humor especialmente feitos para TV?

Estimulantes

(Jornal da Cultura, 25 de setembro)

É perceptível, já a partir das manchetes, nessa nova e estimulante fase do Jornal da Cultura, a preocupação com um notíciário mais abrangente e eclético. E com um conteúdo sempre que possível analítico, contextualizado e, quando o caso permite, crítico e bem-humorado. Foi assim na cobertura da crise com a Odebretch no Equador, acompanhada de uma boa matéria de redação sobre a trajetória bolivariana do presidente Rafael Correa, na boa reportagem sobre o custo futuro da exploração do pré-sal e na inacreditável história dos pilotos dorminhocos do Havaí.

Luxo paulistano

(Pé na rua, 20 de setembro)

Um reparo na agenda cultural dos sábados, no Pé na rua: por ser restrita aos paulistanos, ela deve deixar muito telespectador de fora da capital com uma ponta de frustração com a falta de um olhar do programa para o que está acontecendo de bom em outras cidades.

Ninguém viu

(Vitrine, 20 de setembro)

O melhor mesmo era concentrar a matéria sobre o novo livro de Washington Olivetto nos bastidores e na repercussão mundial do famoso filme do primeiro sutiã. Mas já que concentrou, considerando o tempo que a matéria teve, melhor seria exibir a versão integral de 30 segundos do anúncio da Valisere, do começo ao fim, principalmente para que as gerações mais novas pudessem sentir o lirismo e o impacto que o filme na época em que foi ao ar.

Desafinados

(Prelúdio, 21 de setembro)

O especial do Prelúdio 2008, com as apresentações do pianista Cristian Budu, tocando Rachmaninoff, e do violinista Rodrigo Monteiro, interpretando Felix Mendelsshon, ambos regidos por Júlio Medaglia, merecia um script mais harmonioso. Faltou uma amarração melhor entre o texto da competente Estela Ribeiro, no palco do Teatro Franco Zampari, com as imagens de arquivo do concurso e entrevistas que foram gravadas com os dois músicos.

Faltou a fonte

(Jornal da Cultura, 22 de setembro)

Tudo bem mostrar a indignação do presidente Lula com a notícia da Folha de S.Paulo de que o governo liberaria o FGTS para capitalizar a Petrobras na exploração do pré-sal. Mas não custava dizer que a fonte explícita da Folha – pelo menos confirmando o estudo da medida – foi o Ministro do Trabalho, Carlos Lupi.

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Flerte musical

(Prelúdio 2008, 28 de setembro)

A exemplo do que o Entrelinhas faz com a literatura, os realizadores do Prelúdio 2008 revelaram, no programa que mostrou a primeira eliminatória do concurso, a saudável preocupação de atrair o telespectador médio de TV aberta, no caso para a música erudita.

A peça de abertura, a conhecida e também belíssima ‘Primavera’ , de Antonio Vivaldi, regência de Júlio Medaglia, certamente contribuiu para que muitos não trocassem de canal. Outra preocupação, na mesma linha, foi a apresentação, através da eficiente Estela Ribeiro, das três concorrentes – uma cantora, uma flautista e uma violinista – com pequenas mas interessantes reportagens de perfil. A participação dos jurados convidados, Irineu Franco Perpétuo, Eduardo Monteiro e Gilberto Tinetti, também foi eficiente, com análises rápidas, francas e fraternas.

E, claro, o próprio formato do programa, com o irresistível fascínio que qualquer competição humana desperta, certamente fez com que muitos telespectdadores assistissem às três apresentações – conhecendo um pouquinho mais da música de Mozart, Mendelsshon e Reinecke – para saber quem venceria a primeira eliminatória.

É assim que a muita gente se apaixona por música clássica.

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Por que não facilitar?

(A`Uwe, 28 de setembro)

Uma rara história com final feliz, em se tratando do destino dos índios brasileiros, o documentário ‘De volta à terra boa’, direção de Mari Corrêa e Vicent Carelli, começa no trágico encontro dos índios Panará com a civilização, com a construção da BR 163, de Cuiabá a Santarém, durante o ‘milagre brasileiro’ do regime militar.

O excelente material de arquivo inclui os vôos de reconhecimento que aterrorizavam a aldeia, levando os homens a usarem flechas e as mulheres a se refugiarem sob as bananeiras, o relato de um índio sobre o encontro emocionado do sertanista Cláudio Villas Bôas com os remanescentes da tribo, o desembarque, de um DC3 da FAB, dos 78 panará sobreviventes que foram transferidos, nus, para o Alto Xingu, a percepção de que a nova terra não era tão boa – sem mamão, açaí e outras frutas – a volta à terra em 1994, mais de 20 anos depois, a imagem da terra devastada peo garimpo de ouro, o protesto dos índios contra os garimpeiros (‘Vocês mataram a nossa floresta e comeram nossa terra’) e a reconquista da terra em 1996, a indenização inédita ganha da União e da Funai por danos materiais e morais, a assistência de professores e agentes indígenas de saúde e a situação atual da tribo, assim resumida por um dos índios: ‘Hoje estamos muito contentes e nossa população está aumentando. Nós caçamos, brincamos e falamos nossa língua. Aqui é assim’

É preciso dizer que essa tentativa de resumo do ótimo conteúdo de ‘De volta à terra boa’ não inclui a dificuldade que os telespectadores menos engajados no tema tiveram ou teriam de acompanhá-lo até o final. Mais uma vez, tratou-se de uma simples transposição do ‘filme’ para a televisão, como acontece com quase todos os documentários acolhidos pela TV Cultura. Uma narração de Marcos Palmeira, ainda que concomitante à legendagem às vezes precária, mais algumas cabeças temáticas introdutórias com o ator inseridas no meio dos blocos, e algumas artes atualizadas, situando os fatos no tempo e no território brasileiro, entre outras medidas de adequação do material à exibição em TV aberta, certamente aumentariam o espectro de público do programa.

O mesmo se pode dizer em relação a outro documentário apresentado na mesma edição do A’uwe, cujo título, ‘Plano de manejo de quelônios da terra indígena Ashaninka do rio Amônia’, já dava uma idéia da complexidade do desafio de torná-lo mais acessível ao telespectador médio da TV aberta.

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Teatro, televisão, cinema e tietagemSet 30, 2008 | 14:38:07

(Roda Viva, 29 de setembro)

Não foi por falta de aviso. Desde o início, para desgosto de alguns telespectadores que enviaram emails para este ombudsman, ficou claro que a entrevista com Wagner Moura seria temperada com uma taxa considerável de tietagem dos entrevistadores convidados – Crisitina Padiglione, Monica Bergamo, Nina Lemos e Jefferson Del Rios. E assim foi , principalmente porque Wagner Moura é uma pessoa simplesmente – e irresistivelmente – simpática.

O comportamento de Lillian Witte Fibe e dos entrevistadores, ainda que às vezes marcado por um incontido encantamento, esteve longe de ser, no entanto, anti-jornalístico. Até porque não impediu que todas as questões relevantes decorrentes da presença de Wagner Moura no programa fossem levantadas. A começar por um primeiro bloco quase que inteiramente dedicado ao teatro e ao fenômeno de bilheteria em que se transformou a montagem de Hamlet que o ator protagoniza num teatro de São Paulo. Momento, aliás, em que Wagner recebeu uma inquestionável aclamação também de Del Rios, o crítico de teatro da TV Cultura.

Wagner não negou sua condição de privilegiado da Lei Rouanet , chegou a revelar o valor do patrocínio que captou (R$ 800 mil) para seu Hamlet, discutiu a controvérsia ideológica em torno do filme ‘Tropa de elite’’, fugiu do script previsível dos astros da tv que falam mal da tv e das telenovelas, explicou as razões pelas quais não entra na ‘mentira’ das revistas de celebridades, declarou-se um entusiasta dos governos Lula e Sérgio Cabral, confirmou a existência de preconceito contra nordestinos , falou de sua grande preocupação com a violência rural e contou, com orgulho, como o pai, um sargento da Aeronáutica, e a mãe, uma dona de casa, conseguiram garantir formação superior para ele e a irmã.

Se Wagner Moura não falou mais sobre teatro, política, mercado cultural e outros assuntos foi porque era visível sua simpática determinação de não dizer bobagens ou parecer pretensioso. Se ele não vestiu todas as saias-justas mundanas, a maioria delas postas na mesa pela insistente Monica Bergamo, foi porque parece trafegar bem no entrocamento da privacidade com o bom-mocismo e o profissionalismo.

Se o programa, enfim, não foi tão profundo quanto desejavam os telespectadores citados no início desta coluna, a culpa – que, diga-se, não considero existir – não foi , definitivamente, de Wagner Moura nem de seus entrevistadores. Afinal, aos 32 anos, não fosse o capitão Nascimento, o Olavo de ‘Paraíso Tropical’ e seu Hamlet ‘latinizado’, ele jamais estaria naquela cadeira giratória no programa de aniversário dos 22 anos do Roda Viva.’