Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Folha de S. Paulo

CAMPANHA
Rainier Bragon e Catia Seabra

Marta aposta em Lula na volta à TV para reverter desvantagem

‘Assim como ocorreu no primeiro turno, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva deve ser a principal estrela hoje da estréia do programa eleitoral de TV de Marta Suplicy (PT) nesta segunda etapa. Na gravação que fez na última sexta-feira, em São Paulo, Lula afirma que o eleitor tem que ‘conhecer’ a história dos candidatos em quem pretende votar.

O texto faz parte da estratégia da campanha petista de tentar associar Gilberto Kassab (DEM) ao ex-prefeito Celso Pitta (1996-2000) e ao malufismo, tendo em vista a alta rejeição que Paulo Maluf (PP) amarga na cidade de São Paulo.

Marta está atrás de Kassab 17 pontos percentuais, segundo pesquisa do Datafolha.

Diante desse cenário, a intenção do comando de campanha de Kassab é adotar a mesma estratégia do primeiro turno e só reagir se necessário. A mudança de tom só ocorrerá se as pesquisas qualitativas indicarem sua necessidade.

No programa de Marta, Lula dirá que conhece a petista há 30 anos e que ambos têm identidade de projetos.

Nas ‘inserções’ -as propagandas veiculadas nos intervalos comerciais da TV-, as duas campanhas vão veicular críticas às gestões respectivas.

Nas de Kassab, haverá depoimento de agradecimento pela votação obtida no primeiro turno, apresentação do resultado do Datafolha com sua vantagem e com a aprovação recorde de seu governo (61%).

De 11 inserções, 2 serão sobre deficiências do governo Marta. Até sexta-feira, o governador José Serra (PSDB) não tinha gravado sua participação. O programa usará imagens de arquivo do governador tucano ao lado do prefeito.

Outras alfinetadas contra Marta ficarão para o programa do rádio, que apresentará uma nova música: ‘toque, toque na madeira/ Marta aqui de novo/ nem de brincadeira’.

Nas inserções de Marta, haverá exploração de supostas deficiências da atual gestão, tais como o atraso em obras dos CEUs (Centro Educacional Unificado). Segundo petistas, a intenção da campanha é mostrar a diferença entre o ‘candidato da propaganda’ e o ‘candidato da vida real’.

O programa eleitoral vai até o dia 24 e terá, na TV, duas veiculações diárias de 20 minutos cada uma, às 13h e às 20h30.

Debate

Hoje acontece também o primeiro debate do segundo turno, na TV Band, a partir de 20h50.

Atrás nas pesquisas, Marta tende a adotar a estratégia mais agressiva, com críticas à atual gestão. Kassab tentará ignorar os ataques, mas isso dependerá sempre das pesquisas qualitativas, que são feitas por sua equipe inclusive durante o debate.

O primeiro encontro entre Marta e Kassab no segundo turno terá cerca de duas horas de duração, com estimados 80 minutos de enfrentamento direto entre os dois. O programa terá quatro blocos.

Além das perguntas feitas pelos candidatos um ao outro, jornalistas da Band também questionarão Marta e Kassab.

Os dois ainda se enfrentarão em dois outros debates até o dia 26, quando acontece a votação decisiva. No dia 19, na Record, e no dia 24, na Globo.’

 

 

Italo Nogueira

Gabeira diz ter contatos ‘no mundo’; Paes vai exibir Lula

‘Uma disputa entre alianças ‘nacionais’ e ‘internacionais’ deve espreitar, a partir de amanhã, os programas de TV dos candidatos a prefeito do Rio.

Fernando Gabeira (PV) pretende apresentar experiências internacionais a serem aplicadas no Rio. Já Eduardo Paes (PMDB) promete acabar com ‘o isolamento político do Rio’. Para isso usará o depoimento de Lula, gravado na sexta.

Gabeira dirá que tem ‘mais contatos no mundo’. Dosse que os ‘verdes’ do Parlamento Europeu, liderados por Daniel Cohn-Bendit, líder do Maio de 68, preparam uma carta de apoio ao Rio, caso ele ganhe.

Paes ironizou a ‘importação’ de propostas: ‘É claro que existem experiências internacionais que podem ser trazidas para cá, mas não dá para ficar na divagação’. Ele prefere o perfil de ‘síndico’: diz que conhece a cidade melhor que seu oponente, que seria um ‘candidato zona sul’ (das classes média e alta) e que fará melhorias no Rio graças ao bom relacionamento com Lula e com Sérgio Cabral.

Gabeira mostrou no primeiro turno experiências como a reforma do sistema de saúde da Catalunha, na Espanha, modelo que pretende adaptar. ‘Gabeira tem todo esse relacionamento internacional’, afirma seu publicitário, Lula Vieira.

Paes mostrará expoentes da ampla aliança que reuniu no segundo turno (PT, PC do B, PSB, PDT). Já Gabeira deve explorar os apoios de Marina Silva (PT), Luiza Erundina (PSB) e Jorge Roberto da Silveira (PDT).’

 

 

ELEIÇÕES NOS EUA
Carlos Heitor Cony

A cara da América

‘RIO DE JANEIRO – Resisti até agora a cometer qualquer tipo de comentário a propósito das próximas eleições presidenciais nos Estados Unidos. E, se agora o faço, é de forma oblíqua, marginal, pior do que superficial. Desde que uma certa senhora foi indicada para vice-presidente na chapa dos republicanos, a mídia internacional, em peso, caiu em cima dela, satanizando-a, promovendo a até então desconhecida governadora do Alasca ao papel de besta negra da vez.

Não vou defendê-la, não tenho vontade nem informações detalhadas para isso. Admito que ela tem dito e feito muita besteira, é republicana radical. Parece que Bush, perto dela, é um modelo ilibado de democracia liberal.

Mas vamos às caras. Não é nada, não é nada, a cara é uma certidão, um atestado de quem somos, pensamos e queremos. Coloquemos lado a lado a cara de Obama e a de Sarah Palin. Não estão concorrendo na mesma faixa. O primeiro é candidato a presidente pelo Partido Democrata, a segunda é candidata a vice pelo partido adversário. As chances de a madame chegar à Casa Branca são bastante remotas.

Fiquemos com as caras, somente as caras. Obama é simpático, dizem que possui um charme desgraçado -e as pesquisas o provam. Mas não tem cara de americano, não pelo fato de ser negro. Louis Armstrong, Sidney Poitier, Martin Luther King, Billie Holiday, Lena Horne eram negros, mas esbanjavam a essência da alma americana pela cara.

Obama parece um esforçado e bem-sucedido herói do Terceiro Mundo. Sarah Palin, mesmo vestida de esquimó ou escafandro, é a cara da América tal como a fizeram os peregrinos do Mayflower. Não apenas em cara, mas parece que em idéias.

Podia estrelar um daqueles filmes musicais da Metro dos anos 50. Além do rosto apropriado, tem belas pernas.’

 

 

CRISE
Elio Gaspari

Por qué no te callas, Lula?

‘PARA O BEM DE TODOS , Nosso Guia precisa aprender a ficar calado diante da crise financeira. Suas bobagens comprometem a credibilidade do país. Em setembro, falando nas ONU, ele disse o seguinte:

‘Das Nações Unidas, máximo cenário multilateral, deve partir a convocação para uma resposta vigorosa às ameaças que pesam sobre nós’.

Quem conhecer uma pessoa capaz de acreditar que a ONU tem capacidade, estrutura e autoridade para tratar desse assunto, ganha uma passagem de ida e volta a Cuba. Quem conhecer duas, ganha só a de ida.

Semanas depois, tratando da capotagem da Sadia e da Aracruz, que torraram R$ 2,7 bilhões em operações cambiais exóticas, Nosso Guia acusou as empresas de estarem apostando contra o real. Falso. Elas perderam dinheiro porque apostaram a favor. Mesmo que estivesse certo, não fica bem para um presidente da República o comportamento que o jornalista americano Murray Kempton atribuiu aos editorialistas:

‘Depois da batalha eles vão ao campo e matam os feridos.’

Admita-se que sua teoria da ‘marolinha’ foi conversa de palanqueiro. Até porque dias depois, tratando do problema, disse que ‘não sabemos o seu tamanho’. Releve-se a sua interpretação da geografia ao dizer que ‘até agora, graças a Deus, a crise americana não atravessou o Atlântico’. Foi a segunda vez que Nosso Guia relacionou a travessia do Atlântico com um percurso Norte-Sul. Em geral, as pessoas associam essa travessia às viagens de Colombo (de barco) e Charles Lindbergh (de avião), no sentido Leste-Oeste (ou o contrário).

Administrando uma crise que botou a Bolsa de joelhos, meia dúzia de bancos no vermelho e o dólar a R$ 2,30, o presidente da República pode fazer tudo, menos tratá-la com olhar de marqueteiro. Foi isso que George Bush fez nos últimos 12 meses. Pagará o preço de uma vergonhosa saída da Casa Branca.

Quem trata a crise como coisa pitoresca, num personagem pitoresco se transforma. Como ele mesmo já disse, a crise exige ‘juízo e responsabilidade’. Sobretudo dele.’

 

 

TELEVISÃO
Daniel Castro

Maternidade premiada

‘Ao voltar de sua primeira licença-maternidade, em 2000, Mônica Pimentel, 43, então diretora de um programa semanal, foi premiada pela Rede TV! com a missão de comandar duas atrações diárias. Quase três anos depois, ao retornar da segunda licença, foi promovida a superintendente-artística, cargo que ocupa até hoje. ‘Estou tentando um terceiro filho’, brinca. Formada em jornalismo, Mônica trabalhou em jornal até 1991, quando foi convidada para ser redatora de Gugu Liberato. Atualmente, comemora sua boa fase na Rede TV!. Programas por ela criados, como o ‘Brothers’, estão em alta no Ibope.

Em sigilo, filho de Edir Macedo canta rock em novela da Record

As novelas da Record ‘Os Mutantes’ e ‘Chamas da Vida’ trazem em suas trilhas sonoras músicas de Mikefoxx, misterioso cantor de pop. Mikefoxx é a identidade secreta de Moisés Macedo, filho caçula do bispo Edir Macedo, dono da Record e líder da Igreja Universal.

Moisés só é conhecido como cantor gospel, mercado em que se apresenta como Moysés. Está prestes a lançar seu terceiro CD pela gravadora da igreja.

Diretor musical da Record, Marcio Antonucci sustenta que Moisés não é obrigado a cantar gospel, embora demonstre gostar mais de pop -no primeiro CD religioso, gravou uma versão evangélica de hit do Aerosmith. Diz que ele só não assina como Moysés ‘porque acha Mikefoxx mais comercial’. ‘Ele tem uma banda de rock nos Estados Unidos e usa o nome de Mikefoxx’, conta. A Folha não conseguiu falar com Moisés.

Em ‘Os Mutantes’, Moysés, ops, Mikefoxx emplacou ‘Amor de Sedução’, baba com pegada trance que lembra o tecnopop de FM do começo dos anos 90. A letra romântica embalava o sensual casal formado por Ângelo Paes Leme e Monica Carvalho. Em ‘Chamas da Vida’, o rapaz solta a voz numa versão dançante de ‘Primeiros Erros’ (sucesso de Kiko Zambianchi nos anos 80).

Segundo Antonucci, as músicas de Mikefoxx só entraram nas novelas após serem aprovadas por ele e por um comitê, que inclui autores e diretores das tramas. ‘Não tem como entrar se não tiver a ver com o personagem e não convencer essa comissão’, fala.

PORTUNHOL AUTÊNTICO

O ator argentino Pablo Bellini (foto), 34, interpretará na minissérie ‘Maysa’ o empresário espanhol Miguel Azanza, com quem a cantora Maysa foi casada durante quase dez anos. Miguel era casado com uma socialite espanhola quando se apaixonou pela musa da música de fossa brasileira. Pablo foi escolhido pelo diretor Jayme Monjardim, filho de Maysa com o brasileiro André Matarazzo, por causa da semelhança física e pelo sotaque. No programa, ele falará portunhol propositalmente. No Brasil, Pablo fez participações em ‘Páginas da Vida’ e ‘Alice’ (HBO). Até agora, ‘Maysa’, que a Globo exibe em janeiro, é seu trabalho mais relevante na TV brasileira.

ATOR VIRA DIRETOR

De malas prontas para viajar à Índia, onde gravará ‘Caminho das Índias’, o ator Alexandre Borges dirige nesta semana seu primeiro curta-metragem. Ele criou uma história sobre um astrônomo doente que testemunha um eclipse lunar com uma idosa em estado terminal e um jovem que acaba de ser pai, mostrando diferentes atitudes diante da vida -ou da morte. Paulo José será o astrônomo, e Ruth de Souza, a paciente terminal. O curta faz parte do projeto ‘Essa História Dava um Filme’, do canal Multishow.

MULHERES

O canal GNT vai comemorar seu aniversário, em novembro, com a série ‘Eternas’, de documentários inéditos sobre grandes mulheres, como Claudia Cardinale, Sophia Loren, Isabel Allende e Brigitte Bardot. A atriz Maitê Proença fará a narração de dois programas: ‘Belezas Francesas’ e ‘E Brigitte Criou Bardot’.

DANÇA

Estréia na TV Cultura, no próximo dia 27, a série ‘Figuras da Dança’, projeto da São Paulo Companhia de Dança, que em sua primeira temporada, de cinco episódios, apresentará as carreiras de Ivonice Satie, Ismael Guiser, Ady Addor, Marilena Ansaldi e Penha de Souza.

PERGUNTA INDISCRETA

FOLHA – No ‘Brasil Urgente’ da última quarta-feira, a candidata a prefeita Marta Suplicy te chamou de Faustão. Ela ganhou ou perdeu seu voto depois disso?

JOSÉ LUÍS DATENA (apresentador da Band) – Achei normal. Ela falou sem querer, estava pensando na entrevista, concentrada. Na volta do intervalo, eu a chamei de Luiza Erundina. Pra mim, foi uma honra [ter sido chamado de Faustão]. Queria ter o dinheiro que ele tem [risos]. Mas eu não voto em São Paulo. Voto em Ribeirão Preto.’

 

 

Sylvia Colombo

Série retrata latinos para gringo ver

‘A confiteria Ideal é um dos clichês turísticos mais batidos de Buenos Aires. Para lá são levados os estrangeiros que querem ver o ‘verdadeiro’ tango, aquele que não está nos salões mais modernos da capital. Nada melhor que um espaço assim para contar uma historinha sobre a América Latina …. para gringos. E é essa a idéia por trás da série de documentários ‘Desvendando a América Latina’, em quatro episódios, que começa a ser exibida hoje pelo National Geographic. O programa é escrito e apresentado por Álvaro Vargas Llosa, 42, ensaísta peruano, filho de Mario Vargas Llosa, conhecido por ser co-autor do livro ‘Manual do Perfeito Idiota Latino-americano’ e pela sua defesa do liberalismo nas análises que faz sobre o continente. E é no cenário tangueiro descrito acima que Vargas Llosa começa o capítulo dedicado a discutir o ‘imperialismo’. Ele compara a tensão entre os bailarinos e o sofrimento atávico ao gênero ao modo conflituoso como a América Latina se debate com os impérios que sobre ela exercem sua influência. Divagação um tanto tortuosa, mas que pode chamar a atenção de um espectador que estiver zapeando e resolver parar neste canal em que uma bela dançarina vestida de vermelho está servindo de metáfora para um povo dito oprimido. É esse tipo de clichê que Vargas Llosa, um conservador convicto, usa para tornar sua explicação sobre o continente atraente a um público amplo -além do penteado e do visual de intelectual dândi.

Busca histórica

Porém, por mais afetação e vaidade que apresente, a série do escritor tem méritos. Os capítulos, divididos em temas (indigenismo, novo autoritarismo, populismo e imperialismo), não se limitam a cair nos lugares-comuns direitistas que marcam sua visão sobre a América Latina hoje e estão expressos em suas entrevistas e em artigos para a imprensa global. O peruano teve a preocupação de fazer uma busca histórica à origem dos problemas latino-americanos. Por isso, obras de autores importantes dos séculos 19/20 são mencionadas, assim como algumas experiências relevantes de cada país são contadas, numa tentativa de relacioná-las à realidade. Desse modo, a série tem um didatismo garantido, pelo menos para um público comum, como o brasileiro, que pouca familiaridade tem com temas como a Revolução Mexicana de 1910 ou a obra seminal do uruguaio José Enrique Rodó, autor de ‘Ariel’ (1900). Na obra, por meio de uma referência shakespeariana (a peça ‘A Tempestade’), Rodó identificou de modo original até então as principais diferenças entre a América do Norte e a do Sul. Vargas Llosa também bate na porta de presidentes e obtém depoimentos momentosos de Michelle Bachelet (Chile), Álvaro Uribe (Colômbia), Alan García (Peru) e outros. Os inimigos do progresso latino-americano em sua opinião, porém, são identificados claramente. ‘Devemos refletir muito sobre o caudilhismo. É claro que existem tipos diferentes, dependendo do país e do período, mas todos guardam algo em comum. E o problema não são eles, os caudilhos, e sim nós. Precisamos nos perguntar porque continuamos com uma fé tribal, com uma necessidade de seguir sempre um bruxo de aldeia’, disse, em entrevista à Folha, por telefone. Vargas Llosa afirma que teve a iniciativa de fazer a série porque sentiu que, desde a ‘guinada à esquerda’ do continente, houve um aumento do interesse do público. ‘E porque considero que a atitude do governo norte-americano, de desviar os olhos daqui para o Oriente, um erro. Espero que eles não o percebam tarde demais.’

DESVENDANDO A AMÉRICA 0LATINA

Quando: hoje, às 22h; episódios inéditos às sextas, às 21h

Onde: no National Geographic

Classificação indicativa: livre’

 

 

Fernanda Ezabella

Líder do AfroReggae filma ‘quem faz diferença’

‘Um exército quase invisível de pessoas que ‘fazem o bem’ protagoniza o novo programa que o Multishow exibe a partir de amanhã. ‘Conexões Urbanas’ será apresentado pelo ativista José Junior, que lidera mais de 70 projetos sociais do Grupo Cultural AfroReggae no Brasil e no exterior. A diretora de um presídio onde os detentos fazem roupas e brinquedos e um empresário que criou uma rede de bancos de microcrédito são exemplos de ‘gente que faz a diferença’, nas palavras de Junior. ‘Algumas pessoas são conhecidas, mas a maioria é desconhecida’, diz o apresentador, citando Cirlene Rocha, diretora da penitenciária Juiz Plácido de Souza, em Caruaru (PE). Apesar de sofrer com superpopulação, os detentos têm acesso a educação e mantêm uma grande produção de objetos, o suficiente até para fazer um desfile de moda interno. Já João Joaquim é o empresário por trás do banco Palmas, um projeto comunitário que está presente no Ceará, no Maranhão, no Espírito Santo e já chegou à Venezuela. Ele criou uma nova moeda, a ‘palma’, emprestada a juros mais baixos e que só circula no comércio da comunidade, para alavancar a economia local. ‘Na área de tecnologia social, nós [o Brasil] somos primeiro mundo, disparado. São muitas as experiências aqui, temos muito a exportar’, diz Junior, que chegou a viajar para Índia, China, Estados Unidos e Alemanha para implantar o trabalho social do AfroReggae. ‘O que eles [Europa e Estados Unidos] dão um banho na gente é em política pública. Isso é incomparável’, lamenta. Cada episódio será como um minidocumentário de 22 minutos. ‘O Junior vai in loco conhecer pessoas e iniciativas que estão tentando transformar um bairro, uma cidade e, em última instância, o mundo’, diz o diretor do programa, Rafael Dragaud.

Revolucionários

Em alguns países visitados por Junior e sua ONG também foram as câmeras do ‘Conexões Urbanas’, que será semanal, com 26 episódios. Em Nova Déli, filmou o projeto de comércio justo Tara Projects, pioneiro no mundo. Em Hong Kong, Junior entrevistou o deputado e ativista Leung Kwok-hung, conhecido como Long Hair, para o episódio ‘Revolucionários’. Usando camiseta com o Gue Chevara estampado, ele fala sobre como o capitalismo está destruindo os valores sociais da China. O programa pretende ser uma via de mão dupla, aproximando pessoas de classes sociais distantes, mas com projetos ou ideais similares, como o empresário paulista André Skaf e Rômulo Costa, empresário do Furacão 2000, mais antiga equipe de som organizadora de bailes funks no Rio -os dois protagonizam o mesmo episódio, sobre ‘empreendedores’. Também pretende ser o ‘braço televisivo de um movimento social’, de acordo com Junior e Dragaud. Eles filmam e geram a transformação social por meio do programa, uma manobra interessante, mas perigosa, já que pode esbarrar na autopromoção ou demagogia. No primeiro episódio, por exemplo, sobre soluções contra a violência em grandes cidades, Junior conversa com um ex-traficante que está preso. Ele promete ao rapaz uma chance para deixar o crime, e o programa então o segue em seu primeiro dia de trabalho no AfroReggae, após sua libertação.

CONEXÕES URBANAS

Quando: amanhã, às 22h

Onde: no Multishow

Classificação indicativa: livre’

 

 

Rodolfo Lucena

‘Família Soprano’ volta em maratona

‘Quem não viu precisa ver. Quem já viu tem a chance de rever. A partir das 20h de hoje, o canal Warner transmite uma maratona de ‘Família Soprano’, a série televisiva que mudou conceitos e iniciou uma nova era na composição de personagens, levando à tela contradições existenciais, crises de consciência e choques de vida que os telespectadores, guardadas as devidas proporções e feitas todas as ressalvas de praxe, experimentam no seu cotidiano familiar e de trabalho.

Produção original para a HBO, criada por David Chase, a série estreou nos Estados Unidos em janeiro de 1999, e suas seis temporadas, num total de 86 episódios, se desenrolaram até o ano passado. Acumulou prêmios e mais prêmios -só de Emmys, levou três vezes os de melhor ator e melhor atriz, entre outros; ganhou ainda cinco Globos de Ouro, para ficar apenas nos mais conhecidos.

Mas o que, afinal, fez dela ‘o mais extraordinário e realista drama familiar na história da televisão’, segundo o ‘The New York Times’, que também considera a série ‘viciadora’?

Se ‘Twin Peaks’, de David Lynch, mudou o mundo televisivo ao levar para a telinha a estética do cinema, no início dos anos 1990, ‘Família Soprano’, no final deles, estabeleceu novos parâmetros no que se refere à profundidade psicológica e à seriedade no tratamento das pieguices, das maldades e do heroísmo de seus personagens.

Pois Tony Soprano, o mafioso que é o eixo de toda a trama, é um pai de família e um trabalhador, um executivo. Tudo bem que, quando alguém o contesta na vida profissional, uma das soluções que encontra é matar o incomodativo a tiros ou na porrada mesmo, coisa que não seria de bom tom fora das telas; mas também enfrenta situações em que precisa, tal qual cada um de nós, encontrar soluções negociadas, ser diplomata, aprender a conviver.

Na família, então, essas tensões são elevadas à enésima potência. Ainda que os personagens sejam, como qualquer figura de ficção, estereótipos, conseguem fugir da mesmice, do maniqueísmo e, de certa forma, combinando heroísmo e baixeza, assumem as rédeas de sua história.

É por isso que, apesar de datada por força das circunstâncias -nas primeiras temporadas, aparecem na introdução as torres gêmeas, destruídas no 11 de Setembro-, a série mantém-se viva, violenta e forte.

Só espero que a Warner não estrague tudo isso enchendo a transmissão de longuíssimos comerciais -originalmente, as transmissões na HBO, mesmo cá no Brasil, foram sem intervalos. E que também respeite a ordem dos episódios e os horários prometidos.

A intenção do canal, segundo sua assessoria, é passar todas as temporadas em seqüência. Se isso vingar, teremos por quase dois anos uma boa opção ao ‘Fantástico’ domingueiro.’

 

 

Bia Abramo

Novela em ritmo de aventura

‘NO MESMO dia em que o dólar disparou e as Bolsas do mundo inteiro entraram em parafuso, a nova novela das seis começou mostrando um golpe típico do capitalismo financeiro globalizado. O mesmo que estava, no noticiário, entrando em colapso.

O cenário é um cassino em Macau, China. Um funcionário provoca um blecaute; mas, não se sabe como, consegue deixar um computador funcionando. Desse computador, transfere todo o dinheiro em circulação no cassino para uma conta na Suíça. Vemos tudo acontecendo virtualmente – o ‘dinheiro’ existe apenas como símbolos e imagens na tela do computador, o ‘roubo’ é representado pela movimentação da barra de transferência de arquivos.

Certamente essa coincidência não foi a responsável pelos índices animadores de audiência obtidos por ‘Negócio da China’ em sua estréia, mas, além de servir de comentário irônico sobre aquilo que se passava no mundo real, marcou bem a sua diferença com suas antecessoras.

Em vez do passado, a novela aposta num presente meio caótico, meio caricato e em ritmo de aventura. Arranha-céus de aço e pontes impressionantes em São Paulo, cenas de rua na China e Portugal, um Rio de Janeiro urbano, ainda que um tantinho nostálgico.

A novela começou em tom dramático -um homem, literalmente no leito de morte, faz a mulher prometer que vai revelar ao filho um segredo guardado por 20 anos, o casal central começa separado e melancólico, o patriarca da família rica lamenta a falta de herdeiros. Mas, mesmo cumprindo a obrigação noveleira de fazer drama, Miguel Falabella tem lá suas obsessões e elas estão presentes na trama: vedetes decadentes e megeras intrometidas dão o tom cômico escrachado que também destoa em relação ao padrão ingênuo do horário.

O golpe descrito no início enseja uma série de aventuras em torno da fortuna desviada -perseguido pela máfia chinesa, o funcionário do cassino foge para Lisboa, deixando o pendrive onde está gravada a transação na bagagem de um dos mocinhos da história, um português que está de mudança para o Rio. Ainda que as cenas de ação sejam um ponto fraco, a intenção de fazer uma novela mais movimentada, com referências à cultura pop oriental, pode se transformar num fator de atração para o público mais jovem.

Agora, se tudo isso vai, de fato, fazer ‘Negócio da China’ voltar para os índices de audiência esperados, não se sabe. Provavelmente não. Aqueles índices, assim como o dólar a R$ 1,50, são coisa de ‘época’.’

 

 

CENSURA
Jorge Coli

Monstros de pureza

‘Oswaldo Martins, especialista em literatura erótica, é também poeta. Um ou outro de seus poemas, em livros e no blog http://osmarti.blogspot.com, contém palavras mais fortes. Alguns elaboram desejos físicos de maneira delicada e sem evidência imediata. O blog é inteligente, carregado de amor pela literatura; os poemas são bons. Essas qualidades bastaram para que a Escola Parque [no Rio], em que Oswaldo Martins lecionava português, o demitisse, como contou, no domingo passado, o Mais!. A miopia moralista da escola, dos pais, de ‘psicólogos e juristas’ evocados no texto, miopia que desencadeou o caso, assusta pelo ‘obscurantismo e a certeza dos censores’, na expressão do próprio professor despedido. Censura e obscurantismo, no caso, não são singulares e episódicos. Eles se inserem na mentalidade de nossos tempos regressivos, marcados por puritanismos, por fundamentalismos religiosos, pelo maniqueísmo das convicções, pelo gosto doentio em patrulhar, controlar, vigiar e punir. É bem difícil lutar contra tudo isso porque essas manifestações se fazem com parcimônia, gota a gota, disfarçadas, em nome de álibis austeros. Aqui, trata-se de proteger as crianças, que, como todos sabem, são anjinhos imateriais, feitos de etérea e cândida substância, não de carne e osso. Mas quem os protegerá, e a nós todos, do mal que existe na cabeça desses educadores, desses pais, desses psicólogos e juristas, que nunca disseram um palavrão, que estão incólumes de pulsões pecaminosas, e que, senhores da moral, transformaram-se em juízes? Quem nos protegerá dos puros?

Travessuras

Exposição toda carregada de energia, humana e sexual. Seu título é um trocadilho de tom frívolo e bem achado: ‘Diário de Bolsa’. Está na Pinacoteca do Estado de São Paulo e reúne fotografias de Vania Toledo. A maioria é dos anos 1970, até os primeiros 1980. Há nelas uma grande atração pelas festas delirantes, pela noite agitada, pelo mundo gay, por celebridades na moda, que vão de Warhol a Ângela Maria. Todos surgem surpresos em situações inesperadas, incongruentes. São instantâneos que se dilatam no espírito de uma época. A forma das fotografias se submete a algo maior: expandir uma vitalidade nada contemplativa. Nas situações mais ambíguas ou escabrosas, nenhum sentimento de deliqüescência, nenhum voyeurismo sórdido, mas a felicidade de ser, de ter existido ali, naquele momento. O passado volta, não como vestígio em documento antigo: ele dá lições de prazer sem culpa.

Morno

Na galeria Vermelho, em São Paulo, uma exposição intitulada ‘É Claro Que Você Sabe do Que Estou Falando?’. A apresentação explica seu ponto de partida: ‘Onde está o sexo, mais do que a sexualidade, na produção de uma nova geração de artistas brasileiros?’. A mostra não permite descobrir. Se aquilo é sexo, algodão-doce é mais gostoso.

Fagulha

Miniconto extraído do recente ‘Ruídos Urbanos’, de Moacyr Godoy Moreira, pela Ateliê Editorial, com ilustrações de Enio Squeff: ‘Vivi meses por conta de maria. Do trabalho rotineiro e de maria. Chegava e já ligava para ela, recebia ordens, ia visitá-la, jantava -raramente ia ao cinema ou ao teatro. Uma pessoa difícil. Suave e carinhosa por vezes, cruel e sanguinária por outras. Os versos de Carlos a ribombar: ‘A chuva me irritava. Até que um dia, descobri que maria é que chovia’. Sento-me defronte à calçada, aguardo amigos que chegarão. Há tempos não chegava ninguém. E maria respinga, mas não chove mais.’’

 

 

LITERATURA
Ivo Barroso

O Nobel nômade

‘Considerado ‘mais nômade que francês’ pela Academia Sueca, que acaba de lhe outorgar o Prêmio Nobel de Literatura deste ano, Jean-Marie Gustave Le Clézio é o caso típico de desenraizado que encontra no conflito das vivências e na negação dos valores estabelecidos a própria razão de seu existir. Filho de pai inglês e mãe francesa, desde a infância viveu num ambiente de perfeito bilingüismo, e seus deslocamentos espaciais, que envolveram três continentes, fizeram com que seus horizontes se alargassem e, ao mesmo tempo, tornassem conflitante sua visão do mundo. Quando começou a escrever com o intuito de publicar, Le Clézio morava na Inglaterra e pretendia editar-se em inglês, mas logo passou a compor em francês, talvez por oposição à colonização inglesa das ilhas Maurício, pequeno país situado na parte ocidental do oceano Índico, para onde emigraram no passado seus ancestrais bretões. É ele próprio quem exalta o idioma num artigo escrito em 1985: ‘Língua viva, frágil, que me une ao começo inexplicável da linguagem, com aquela espécie de rumor feito de música, de dança, de signos’. Le Clézio obteve grande atenção da crítica literária desde seu primeiro romance, ‘Le Procès-Verbal’ (1963). Surgido numa época pós-existencialista e guardando ainda alguns laivos de Camus e Sartre, o jovem escritor de 23 anos procurava elevar o discurso acima do coloquialismo dominante, dando-lhe novamente o poder da invocação da realidade essencial. Já a essa altura, escrever, para ele, era um ato de sobrevivência: ‘Das duas, uma: ou nos arriscamos a nos deixar devorar pela literatura, ou por nós mesmos. Se nos deixamos devorar por nós mesmos, ficamos loucos. Se nos deixamos devorar pela literatura, nos tornamos escritores’. Mesmo desde as obras iniciais, Le Clézio mostrava-se um autor comprometido com a ecologia, atitude que se torna enfática em suas obras posteriores, como ‘Terra Amata’ (1967), ‘Le Livre des Fuites’ (1969), ‘La Guerre’ (1970) e ‘Les Géants’ (1973). Ao que se seguiu o período que focalizava sobretudo a linguagem, a incapacidade da expressão total, a palavra como início da própria existência. Mas sua consagração definitiva ocorre em 1980, com a publicação de ‘Désert (‘O Deserto’, pela Brasiliense). Segundo o comitê do Nobel, a obra contém ‘imagens magníficas de uma cultura perdida no deserto do Norte da África, em contraste com a descrição da Europa vista pelos olhos dos imigrantes indesejados’.

Paraísos terrestres

Le Clézio incursiona igualmente pela cultura indiana, traduzindo as grandes obras da tradição hindu, viaja longamente pelo México e a América Central, abandonando as grandes cidades à procura de uma nova realidade espiritual. Mais recentemente, seu fascínio pelos paraísos terrestres se manifesta em ‘Ourania’ (2005) e ‘Raga’ (2006), ‘em que documenta as formas de vida nas ilhas do oceano Índico que se arriscam a desaparecer com o avançar da globalização’. Em trabalhos ainda mais recentes -como ‘Ballaciner’ (2007), que sairá no Brasil pela Cosac Naify-, discorre de maneira extremamente pessoal sobre a arte cinematográfica e a importância do cinema em sua vida. Le Clézio manifestou a influência de Euclydes da Cunha na composição de seu romance ‘A Quarentena’: ‘Eu diria que, ao começar a escrevê-lo, quis fazer um livro que ficasse entre o ‘Kidnapped’ e ‘Os Sertões’, isto é, entre uma aventura literária e uma reportagem’.

IVO BARROSO é poeta e tradutor.’

 

 

 

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Folha de S. Paulo – 1

Folha de S. Paulo – 2

O Estado de S. Paulo – 1

O Estado de S. Paulo – 2

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