Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O show, em vez da vida

Deu na televisão, apareceu nos jornais, foi amplamente noticiado no rádio e na internet. O velho e gigantesco Lockheed Hércules C-130 da Força Aérea Brasileira desceu no Rio de Janeiro, procedente de Brasília, com 16 toneladas de remédios. O presidente Lula e Humberto Costa, o ministro da Saúde (ainda o era, no momento em que esta coluna era redigida), fizeram seu show para a platéia.

Mas ninguém perguntou, em qualquer meio de comunicação, por que é que o avião saiu de Brasília (aliás, este colunista encontrou apenas um jornalista que fez esta pergunta: o talentoso goiano Jorge Taleb, que cultiva aquela curiosidade que é a base do trabalho de todo bom repórter).

Brasília não produz medicamentos; o governo os compra em laboratórios de todo o país. Por que não foram encaminhados diretamente ao Rio, poupando ao Tesouro o custo do passeio? Faltará, na copiosa abundância de assessores que inunda a Esplanada dos Ministérios, alguém que entenda de logística?

Fazer a encomenda, recebê-la em Brasília, estocá-la, e então transportá-la para o Rio, onde será distribuída, é muito mais caro do que mandar entregar o remédio no local do consumo. E este colunista não se surpreenderá se, no meio das toneladas transportadas pelo Hércules, houver remédios produzidos ali mesmo, no Rio.

Enfim, é mais fácil aumentar impostos e juros do que reduzir as despesas do governo. Reduzir despesas é cansativo, desgastante, impopular. E não rende fotos ao lado de um Hércules carregado. Portanto, caro leitor, pague e não reclame.



Acredite se quiser

Sabe o SNI rebatizado, que hoje se chama Abin? Pois é: além de existir uma Agência Brasileira de Inteligência, existe também uma Comissão Externa de Controle das Atividades Inteligentes, segundo nos informa o periódico Linha Aberta, editado pelo Diretório Nacional do PT.

Se o objetivo dessa Comissão é controlar as Atividades Inteligentes do governo, não deve ter muito trabalho.



Vergonha ideológica

Um carro e uma câmera da RBS, Rede Brasil-Sul de Televisão, foram incendiados em Sarandi (RS) por militantes do Via Campesina, que se consideram ‘sem-terra’. Até aí, nada de novo: gente ruim existe em qualquer movimento. O problema vem agora: o Sindicato dos Jornalistas do Rio Grande do Sul se solidarizou com os vândalos. O Sindicato alega, em nota oficial, que há mais de um ano avisou à empresa que corria o risco de enfrentar situações graves, em virtude de sua linha editorial.

Onde chegamos! A culpa é da vítima, por ousar ter idéias diferentes daquelas que os agressores gostariam que tivesse! E há jornalistas que concordam com isso. O problema não é pertencer a um partido ou outro: o Ricardo Kotscho é lulista até a alma e jamais diria uma besteira dessas. Ele não permite que suas convicções políticas o levem a desistir dos preceitos básicos da profissão. O problema é misturar as coisas. Ou, pior, é nem perceber que as coisas se misturaram.



Los cucarachos

A propósito, por que ‘Via Campesina’, e não ‘camponesa’, como é normal em português? Será o toque cucaracho, a lembrar a revolução cubana?



Erro duplo

O excelente portal eletrônico Espaço Vital, editado em Porto Alegre, puxa as orelhas dos jornalistas: em poucos dias, a imprensa informou que o Superior Tribunal de Justiça, STJ, decidira que os inquilinos não precisam pagar o IPTU. Falso: foi uma decisão mal interpretada. Logo depois, um jornal importante informou que, de acordo com o STJ, o leasing (ou arrendamento mercantil) estaria isento do ISS. Falso, também: o ministro Luís Fux, diz o portal, recusou o recurso especial do município de Torres por não estar acompanhada de recurso extraordinário. Questão formal, enfim.

O pior é que, em ambos os casos, a informação errada saiu da sentença. Nos dois casos, houve erro na interpretação do despacho dos juízes. Uma questão a ser pensada: não estará havendo pressão excessiva sobre a equipe, obrigando-a a realizar o trabalho num período de tempo insuficiente?



Falha nossa

O Poder Executivo perdeu as eleições para a Mesa do Legislativo nos três âmbitos: federal, estadual, municipal. Nos três casos, uma das causas da mobilização dos parlamentares foi a irritação com o mau tratamento que lhes é dispensado pelo Executivo. O parlamentar telefona para um secretário, ou ministro, não obtém retorno, insiste, e depois de muito tempo consegue marcar uma audiência. Na data, toma um longo chá de cadeira e é atendido não pelo secretário, ou pelo ministro, mas por alguém do terceiro escalão. E, quando emplaca uma emenda, o Executivo costuma deixá-la para depois.

Alguém viu esse noticiário em algum órgão de imprensa, antes que houvesse a Rebelião do Baixo Clero? Uma cobertura sistematizada, mostrando que o Executivo não presta muita atenção ao Legislativo, que se comporta de maneira imperial, e que o Legislativo está perdendo a paciência?

Houve época, acreditem, em que havia vários jornalistas de cada veículo de comunicação percorrendo o Legislativo. Havia gente no plenário, nas comissões, e circulando pelos gabinetes. Este colunista cobriu Assembléia há muitos anos, na parte de circulação pelos gabinetes. Sai muita matéria, com certeza – e não apenas de política.