A matéria ‘Se reeleito, Lula quer buscar acordo político com tucanos’, assinada pelo jornalista Kennedy Alencar e publicada na edição dominical da Folha de S. Paulo (28/05), determinou o presente desdobramento do artigo ‘Cristal estilhaçado’, fechado e mandado para o Observatório na noite de sábado.
O enfoque do texto de Alencar parte de ‘conversas reservadas’ nas quais o presidente da República, para não se tornar refém do PMDB, estaria articulando apoio junto a setores do PSDB: o atual governador de Minas Gerais, Aécio Neves, e o postulante e favorito nas pesquisas para o cargo em São Paulo, José Serra. Infelizmente, em sendo verdadeira a articulação, passa a vigorar a tese do ‘governante’, em oposição à tese que, na versão primeira do artigo, defendia o ‘gesto do estadista’.
A vigência da primeira tese sobre a segunda não colabora para o fortalecimento do sentido maior da política, especialmente num contexto no qual a população dá sinais claros de desencanto, percepção traduzida em recente entrevista de Chico Buarque, ao afirmar que votaria em Lula, mas ‘sem entusiasmo’.
A proposta de um acordo pós-eleições, afora o exposto no primeiro artigo, poderá inviabilizar (ou minimizar) a aglutinação das forças progressistas, caindo na armadilha das forças conservadoras. Tal opção representará retrocesso nos destinos da política brasileira. O gesto antecipado, ao contrário, traduzirá à população o significado profundo de uma conciliação sem barganhas. Mesmo que o gesto não redunde em ação concreta, ficará na memória da população o sentido da iniciativa, o que já autenticaria a estratégia adiante. Haveria, pois, no gesto anterior, o valor ético elevado, próprio de quem desfruta a preferência majoritária, pondo-a a serviço da causa maior das necessidades do país.
Reforma política necessária
Com o apelo popular e a inquestionável empatia da figura do presidente, seu gesto não seria interpretado como fraqueza ou medo pela disputa. Nos termos do pacto, viria, entre outras, o compromisso de imediata reforma política. Está mais do que configurada a debilidade a reger o presente quadro, seja no espectro partidário, seja nas regras a regerem a disputa política. Pensar que o Congresso venha a ter tal iniciativa é apostar na ingenuidade. A solução passa obrigatoriamente por acordo entre lideranças partidárias, presidência da República, setores organizados da sociedade civil e veículos de comunicação que efetivamente estejam engajados num processo de transformação qualitativa. Fora de tal ‘concertação’, o que se apresenta é uma paisagem serializada por denúncias, práticas eticamente degradadas e, por fim, perpetuação da esperteza de segmentos cuja ambição única é a de ocupar o poder ou deste tirar proveito próprio.
A sociedade brasileira, sob a tutela de experiência democrática, que já alcançou a maioridade (21 anos, 1985-2006), não pode ser espectadora de uma narrativa cujo conteúdo faz desiludir os mais idosos e frustrar os mais jovens. Não é justo que se vote ‘sem entusiasmo’; não é aceitável que não se apresente ao eleitor de qualquer idade um ato edificante. A classe política e os meios de comunicação de massa detêm, em seu domínio, instrumentos da mais alta importância para a demonstração cabal do quanto a preservação da democracia efetiva se inscreve como valor supremo nos destinos de uma nação. Como encerrei o artigo anterior, reitero-o neste: pacto já!
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Ensaísta, doutor em Teoria Literária pela UFRJ, professor titular do curso de Comunicação das Faculdades Integradas Hélio Alonso (FACHA – Rio de Janeiro).