Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Folha de S. Paulo

TELES
Janio de Freitas

Se foi, não é nem será

‘ASSINADO por Lula o decreto que altera as regras do sistema de telefonia, para permitir que a Oi/Telemar compre a Brasil Telecom e, exceto pequena área, tenha o monopólio da telefonia fixa no Brasil, por um instante preciso levar esta coluna de volta no tempo.

Véspera da posse de Lula em seu primeiro mandato, em 31 de dezembro de 2002, assim conclui o texto ‘Lula, uma pessoa’, depois de narrar dois incidentes em que me fez acusação política injustificada e uma grosseria sem causa:

‘Não apesar disso, mas também por isso, como por tudo o que soube a seu respeito, dou testemunho de que Lula tem sido uma pessoa de caráter provado e comprovado. Que assim seja o presidente’.

O uso de ‘tem sido’, e não de ‘é’, refletiu três razões. Já passei pelo suficiente para ter uma pequena idéia da natureza humana em sua relação ambiciosa com as diferentes formas de poder; Lula entrava no teste de sua vida, e nada me habilitava, nem me habilita, a avalizar o futuro opaco; e, ainda, protegia-me de situações decorrentes de ultrapassar, se o fizesse, os limites factuais do que entendo como jornalismo.

Por sorte, nesse caso a experiência colaborou. O voto final daquele texto não se cumpriu. Nem mesmo com precaução redobrada, superei o sentimento de que nunca poderia escrever, sobre o Lula desde seus primeiros atos de presidente, o que escrevera sobre o Lula anterior pelo que dele soubera. O sentimento passou a convicção.

O favorecimento à Oi/Telemar e à Brasil Telecom é uma transação mais inescrupulosa do que todas de que possa lembrar. É fácil admitir que as empresas e seus controladores estejam adequados aos modos, meios e fins legítimos nos domínios do grande capital, onde são expoentes. Nem mesmo a participação decisiva de diferentes partes do governo poderia surpreender. Mas a transação não dependeu disso.

Quando cheguei ao jornalismo, sem a mais remota idéia de que ficaria, certo dia alguém me contou uma história que valeu para sempre desde ali. Era relativa à alteração que ‘o ínclito presidente Dutra’, exemplo definitivo de moralidade e fidelidade ao ‘livrinho’ da Constituição, fez na legislação de heranças. Ampliou o alcance de parentes não-imediatos à herança, na falta de parentes próximos. Tudo fora urdido na diretoria do ‘Diário Carioca’, informada de que no interior de São Paulo uma bela fortuna vagava à falta de herdeiros habilitados.

Uma trama de cartórios e certidões gerou um parentesco enviesado, enquanto era obtida a concordância da Presidência para a alteração da lei. A fortuna encontrou um destino: foi rateada na fraternidade entre dirigentes do jornal e integrantes do governo. Quando a ouvi, pude comprovar que alguns traços da história já figuravam em certo livro de direito como o ‘caso Cantinho’, do nome do morto sem herdeiros. Mas tudo foi feito e mantido na surdina.

Na armação do negócio Oi/Telemar-Brasil Telecom-governo Lula, até o mínimo escrúpulo das urdiduras encobertas ou disfarçadas ficou como coisa do passado. Há mais de meio ano, está escancarada a participação do próprio Lula, com o assegurado decreto de alteração das regras impeditivas do negócio. E, depois, com a necessária nomeação, para neutralizar duas discordâncias na Agência Nacional de Telecomunicações, de dois favoráveis ao negócio. Um deles, dirigente de uma das empresas da transação. Sem esquecer os R$ 8 a 10 bilhões com que, por ordem de Lula também divulgada à vontade, o BNDES e o Banco do Brasil vão ajudar a compra da Brasil Telecom pela Oi/Telemar.

Co-artífices da operação, o embaixador Ronaldo Sardenberg, presidente da Anatel, e Hélio Costa, ministro das Comunicações, que foi contra o negócio começado às suas costas e, por obra de algum dos milagres comuns nessas transações, de repente tornou-se entusiasta na linha de frente.

Engulo, mas não posso digerir, o voto inútil que fiz a Lula.’

 

CASA BRANCA
Folha de S. Paulo

Obama anuncia Robert Gibbs para a secretaria de Imprensa

‘O presidente eleito dos EUA, Barack Obama, anunciou ontem o seu estreito colaborador Robert Gibbs como futuro secretário de Imprensa do seu governo.

Gibbs trabalhou com o democrata na campanha para senador, em 2004, e foi seu diretor de comunicações durante o período em que cumpriu mandato no Senado. Ele também ocupou o posto na primeira parte da campanha presidencial. Deixou o cargo para ser estrategista sênior na corrida à Casa Branca.

O futuro presidente anunciou também Ellen Moran, diretora de um grupo feminista que apóia o direito de aborto, como diretora de comunicações. Dan Pfeiffer, que chefia o grupo de comunicações da equipe de transição, será o vice de Moran.

‘Essas pessoas desempenharão papéis essenciais e trarão uma larga experiência para ajudar nosso governo a alcançar prosperidade e segurança’, disse Obama.

Com agências internacionais’

 

MEMÓRIA
Carlos Heitor Cony

Tempo em três tempos

‘RIO DE JANEIRO – ‘Eu sei o que é o tempo. Mas se me pedirem para dizer o que é o tempo, não saberei dizê-lo’. A citação (de memória) é de Santo Agostinho, um dos pensadores mais admirados e citados a partir da segunda metade do século 20. Gênio em todos os sentidos, na vida e na obra.

Mas não é dele que vou lembrar, além da citação inicial. É mesmo sobre o tempo que a gente perde, desperdiça, mata e acaba nos matando. E antes de matar, nos mutila de uma forma ou outra.

Foi nisso que pensei mexendo numa caixa com algumas fotos antigas. De repente, na mesa de um restaurante que não identifiquei, quatro amigos estão sorrindo entre si: Ênio Silveira, Jorge Zahar, Paulo Francis e o autor destas mal traçadas linhas. Dois editores, um jornalista de sucesso e um cara que ainda acreditava em alguma coisa, inclusive nele mesmo.

Ênio e Jorge deixaram um legado maravilhoso no mercado editorial. E uma referência obrigatória no afeto de todos os que conviveram com eles. Ênio foi o primeiro a morrer. Meses depois, em Paris, Jorge me confessou que andava triste, sentindo falta do amigo de toda uma vida: o tempo dele custava a passar. Ao adoecer, Paulo Francis veio especialmente de Nova York para visitá-lo, passava o dia com ele, à noite saíamos para jantar em algum lugar, a última vez foi em minha casa.

Paulo também foi embora, declarava-se tecnicamente morto. Eu desconfiava que era a falta dos dois amigos -e acho que desconfiei certo. Os três, Ênio, Jorge e Paulo, sabiam o que era o tempo e viveram dentro dele o que foi possível. Mas evitavam defini-lo: bastava o tempo em si.

Tempo que deixou de ser tempo quando, um após outro, como Cristo diante de Pilatos, descobriram que não eram deste mundo.’

 

ESCÂNDALO
Folha de S. Paulo

Prostituta nega ter derrubado o governador de Nova York

‘Nem o ex-governador de Nova York Eliot Spitzer nem sua mulher, Silda, têm motivos para comemorar seu súbito ressurgimento na imprensa dos EUA na última semana. É que a atenção, de novo, provém da garota de programa Ashley Dupré, pivô do escândalo que derrubou Spitzer em março.

O ex-governador renunciou quando um encontro seu, de US$ 4.300, com Dupré em Washington acabou ligando-o publicamente a uma rede de prostituição de luxo.

Anteontem, Dupré concedeu sua primeira entrevista na TV, no popular programa da apresentadora Diane Sawyer. ‘Não sinto que o derrubei’, disse ela sobre o ex-governador. ‘Foram as escolhas dele [que o derrubaram].’ Ela afirmou que se não tivesse se encontrado com Spitzer, outra garota o faria. Mas pediu desculpas, entre lágrimas, a Silda Spitzer, que manteve apoio público ao marido.

Os problemas de Spitzer começaram quando o FBI supostamente desconfiou de corrupção ao encontrar remessas de até US$ 80 mil a contas bancárias suspeitas. Uma investigação descobriu que, na verdade, o ex-governador estava pagando por serviços do Emperor’s Vip Club, uma rede de prostituição de luxo. Ele renunciou.

Hoje, crescem questionamentos sobre por que o FBI lançou uma investigação de grandes proporções a transações relativamente pequenas com fundos particulares e não parou quando ficou óbvio que eram transações privadas.

Várias teorias têm surgido, a maioria sugerindo que Spitzer foi alvo de perseguição política por sua atuação contra crimes financeiros. ‘Democratas e republicanos puseram armadilhas para rivais ao longo dos anos’, escreveu no ‘Wall Street Journal’ o professor de direito na Universidade Harvard Alan Dershowitz. ‘As melhores armas costumam ser leis penais elásticas -e poucas são tão elásticas como as de lavagem de dinheiro e crimes sexuais.’

Spitzer livrou-se de ação penal, por decisão recente da Procuradoria. Ele violou lei que veda transportar pessoas entre Estados com fins de prostituição mas não incorreu em nenhum dos fatores que geralmente levam à processos.’

 

TELEVISÃO
Daniel Castro

Vera Fischer volta ao horário nobre como viciada em amor

‘Depois de quase sete anos anos, Vera Fischer volta às novelas das oito em ‘Caminho das Índias’. No próximo título das 21h da Globo, interpretará uma, digamos, viciada em amor e em livros de auto-ajuda.

Vera fez curtas participações em ‘Senhora do Destino’ (2005) e em ‘Duas Caras’ (2007). Sua última novela das 21h inteira foi ‘O Clone’ (2001/02), de Glória Perez.

É justamente pela escrita de Glória que a musa dos anos 80 e 90 retorna ao horário nobre, na pele de uma dona de clínica de estética (profissão que exerceu em ‘Laços de Família’).

Mas Chiara, sua nova encarnação, tem muito pouco da Helena de 2000. ‘Chiara está mais para ‘Sex and The City’. É uma mulher em busca do amor, cometendo todos os tropeços inerentes a essa busca. Vai ter um romance tumultuado com Murilo (Caco Ciocler). Dessas histórias que começam meio na brincadeira e terminam sérias, com crises e explosões de lado a lado. Nesse período, ela vai se tornar uma aficionada em livros de auto-ajuda, naquela ilusão tão comum de que existe uma bula a ser seguida para que tudo dê certo’, conta Glória.

Chiara integrará o núcleo brasileiro de ‘Caminho das Índias’. Sua sócia na clínica de estética será Ilana (Ana Beatriz Nogueira). A também brasileira interpretada por Tânia Kalil, que inicia a história namorando o indiano Raj (Rodrigo Lombardi), será sua melhor amiga. Apesar do ciúme, Chiara terá uma faceta humorada.

IRMÃ CANTA E DANÇA

A freira da foto acima é Marília Pêra, quase irreconhecível. É com essa caracterização que a atriz surgirá em ‘Xuxa e as Noviças’, especial de Natal de Xuxa Meneghel, dirigido por Wolf Maya. O musical é inspirado na peça ‘As Noviças Rebeldes’, de Dan Goggin, que o próprio Wolf já encenou. Marília canta, dança e interpreta a madre superiora Irmã Gardênia. ‘Será tudo muito bonito, de bom gosto. Posso garantir que o texto é muito delicado, com toques cômicos’, afirma a atriz.

GAROTA SENSUAL

Aos 24 anos, Milena Toscano fará sua primeira novela das oito. Em ‘Caminho das Índias’, interpretará Gilda, namorada de Tarso (Bruno Gagliasso). Será uma participação curta, mas importante. A mãe de Tarso, Melissa (Christiane Torloni), afasta todas as pessoas da vida do filho sem que ele perceba. Não será diferente com Gilda. ‘A Gilda será a primeira pessoa a dizer ao Tarso que a culpa é da mãe dele, o que faz com que ele tenha os primeiros surtos esquizofrênicos’, conta. Milena, que atuou em ‘Eterna Magia’, define Gilda como ‘uma garota bem sensual’.

PACOTE DE NATAL

Os canais Discovery estréiam em dezembro quatro programas produzidos na América Latina, o que é anormal na TV paga. O carro-chefe será ‘Chico Mendes, o Preço da Floresta’, sobre o legado do seringueiro, morto há 20 anos. ‘Viver para Contar’, produção da Conspiração Filmes, retrata histórias de sobrevivência no continente. O People+Arts terá dois episódios de ‘Enquanto Você Não Vem’. O Discovery Travel & Living exibirá ‘A Gente Vive para Contar Histórias’, diário de bordo de aventureiros.

PÔR-DO-SOL

Gilberto Braga desistiu de ir a Nova York, onde amanhã tem premiação do Emmy Internacional artístico. ‘Paraíso Tropical’ (2007) concorre a melhor telenovela. ‘Na verdade, fiquei com preguiça. Estive em Nova York em outubro e adoro o horário de verão em Ipanema’, disse.

LACUNA

O ‘CQC’, da Band, ficará fora do ar em janeiro e fevereiro. Voltará em 2 de março com novos quadros e identidade visual.

TORTA NA CARA

A cúpula da Globo liberou jornalistas a participarem do ‘Vídeo Game’, apresentado por Angélica, em que alguém sempre leva torta na cara. Na semana do Natal, a emissora exibirá uma competição entre Patrícia Poeta e Renata Ceribelli contra Zeca Camargo e Tadeu Schmidt.

PROJETO FÉRIAS

Ana Maria Braga está trabalhando dobrado, gravando programas para janeiro. Nesta semana, receberá Tony Ramos e Skank.’

 

Laura Mattos

Academia analisa por que ‘Pantanal’ é ‘atração fatal’

‘‘Atração Fatal’. Ironicamente esse é o título do filme que a Globo exibia quando perdeu pela primeira vez da novela ‘Pantanal’, da Manchete, em 31 de março de 1990.

Foi o começo de uma acirrada disputa de audiência, que impôs mudanças a todas as emissoras e revolucionou a linguagem da teledramaturgia.

Escrita por Benedito Ruy Barbosa e dirigida por Jayme Monjardim, a novela segue em reprise no SBT até janeiro próximo e, 18 anos depois, ainda consegue mobilizar telespectadores e embaralhar o Ibope.

Foi esse poder impressionante que seduziu dois doutores em comunicação, Arlindo Machado, professor da USP e PUC de São Paulo, e Beatriz Becker, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Eles lançam amanhã, às 19h, na livraria Argumento do Leblon, no Rio, o livro ‘Pantanal – A Reinvenção da Telenovela’ (Educ, 148 págs.), no qual buscam responder de que modo uma novela produzida por uma jovem emissora conseguiu enfrentar a supremacia da Globo e se tornar um dos maiores fenômenos da história da televisão brasileira.

‘Pantanal’ era um antigo projeto do autor. Ele não conseguiu emplacá-lo na Globo e decidiu se mudar para a Manchete, uma rede sem tradição na teledramaturgia, disposta a investir em uma programação mais ousada. A novela foi em grande parte gravada em uma fazenda pantaneira, fez da região seu tema e cenário principais, o que já foi uma grande inovação diante da hegemonia de novelas urbanas ambientadas no Rio.

Também ex-global, Monjardim pôde experimentar em ‘Pantanal’ uma linguagem mais cinematográfica, com planos abertos, imagens aéreas das paisagens, cortes lentos e cenas longas, com tempo para o silêncio das personagens.

Os pesquisadores iniciam o livro lembrando que, quando ‘Pantanal’ estreou, a Manchete tinha no horário 14 pontos de audiência e, inesperadamente, chegou a 44 no auge do sucesso.

Entrou no ar 11 dias depois que Fernando Collor confiscou a poupança dos brasileiros, e justamente esse momento histórico teria colaborado para alavancar a sua audiência.

‘Pantanal’ parecia prometer a devolução dos sonhos que Collor confiscou e as fantasias de um dia poder viver no paraíso, num lugar mágico, bonito, sensual, livre de toda a turbulência do mundo urbano, onde os homens poderiam existir em comunhão com a natureza’, escrevem os pesquisadores.

Agora na reprise, sem Collor e em tempos de TV de alta definição, a velha novela dobrou a audiência do SBT no horário e chegou a bater a Globo. ‘Por coincidência, hoje temos também uma crise financeira e ainda precisamos reaprender a viver com outras referências que não só o dinheiro, o consumo, a poupança e a aposentadoria’, afirma Machado à Folha.

Becker, que trabalhava como jornalista na Manchete em 1990 e fez várias reportagens sobre ‘Pantanal’, complementa dizendo que a novela hoje, ‘diante da urbanização acelerada, do consumo e da fragmentação, funciona outra vez como resgate de identidades e valores que estão perdidos’.

A discussão sobre a renovação da linguagem imposta por ‘Pantanal’ à teledramaturgia e a aprovação do telespectador às novidades se torna especialmente relevante atualmente, quando as novelas estão com audiência abaixo das expectativas e a sobrevivência do formato volta a ser questionada. Para Machado, a novela só persistirá forte no Brasil ‘por inércia’. ‘Falta um novo ‘Pantanal’, um estouro, fenômeno inesperado. A telenovela se mostra um modelo datado e terá que ser reinventada, talvez com a interatividade, ou não conseguirá sobreviver. A TV brasileira está sem propostas criativas, de renovação, talvez porque as inteligências estejam indo para outros meios, como videogames.’

Chaves e Chacrinha

‘Pantanal – A Reinvenção da Telenovela’ é parte de uma pesquisa mais ampla sobre programação de qualidade, que Machado iniciou com seu livro anterior, ‘A TV Levada a Sério’, e seguirá em uma obra que deve ser lançada no próximo ano. ‘Sempre que falamos de televisão, há um pensamento negativista, mas a TV tem produção de alta qualidade. É só buscar o melhor, como fazemos com o cinema’, diz Machado.

Outros programas estão em estudo, entre eles o do Chacrinha, a novela colombiana ‘Betty, a Feia’ e o seriado mexicano ‘Chaves’.’

 

Bia Abramo

‘House’ do mundo do crime

‘PROMESSA: é a última coluna a falar de séries por algum tempo. É que, na TV aberta, a dramaturgia anda girando em falso: as oito novelas no ar são aquilo que já conhecemos e não estamos falando aqui apenas nas reprises.

E os especiais da Globo estarão todos convenientemente espremidos no final do ano, quando ninguém tem tempo nem paciência de se botar diante da TV. Por outro lado, na TV por assinatura, o final de outubro e o início de novembro marcam a época de estréias de novas temporadas e séries inéditas -além, é claro, do fim das intermináveis reprises. Enquanto nada de novo acontece na TV aberta, a elas, portanto.

A melhor série nova atende pelo nome de ‘The Mentalist’ (algo como o leitor de mentes). Dispensando as evidências periciais de ‘CSI’ ou a truculência justiceira de ‘Law and Order’, o investigador Patrick Jane soluciona casos apenas com seu (enorme, clarividente) poder de observação.

Nem um detetive ‘comme il faut’ o cara é: tem um passado meio vergonhoso de médium televisivo de araque. Contratado como um consultor independente, despreza os métodos tradicionais da agente Teresa Lisbon, uma policial aplicada e ciosa das regras.

Claro que o ‘leitor de mentes’ é charmoso, arrogante e praticamente infalível, por mais cabeludo que pareça o caso. Se alguém pensou em House, acertou.

Da mesma maneira que o mais perspicaz médico que já passou pelas séries, Patrick Jane é um individualista com um dom especial. Só que, ao contrário de House, movido apenas pelo prazer de estar certo, Jane procura, na verdade, o assassino serial que matou sua família, cuja marca tenebrosa é um Smiley desenhado com o sangue das vítimas.

É o aspecto mais tolo da série, mas o sarcasmo do protagonista e o cuidado na produção (quem está por trás é Bruno Heller, da excelente ‘Roma’) por ora, ao menos, compensam o sentimentalismo.

Entre as velhas, é muito bem-vinda a nova temporada da comédia ‘The Big Bang Theory’. É uma daquelas ‘pequenas grandes’ séries -pouca produção e pretensão, mas roteiro ótimo e elenco que vai, aos poucos, impondo seu humor. Dois amigos, físicos talentosos e nerds em último grau, daqueles que ainda são trekkers, passam a ser vizinhos de uma moça bonita, gostosa e ‘normal’. Caricato, sim, mas inteligente e com piadas afiadíssimas. Vale, fácil, a meia hora de exibição.’

 

PALAVRÃO
Steven Pinker

… é a mãe!

‘Uma palavra é um rótulo arbitrário -essa é a base da lingüística. Mas muita gente não pensa assim. Acredita na magia das palavras: que pronunciar um encantamento, uma maldição ou uma oração pode mudar o mundo. Não caçoe: você diria ‘nada deu errado até agora’ sem procurar um objeto de madeira para bater?

Xingar é outro tipo de magia das palavras.

Contrariando a lógica, as pessoas acreditam que certas palavras podem corromper a ordem moral -que ‘mijar’, ‘cagar’ e ‘foder’ são perigosas de uma maneira que ‘xixi’, ‘cocô’ e ‘trepar’ não são.

Essa peculiaridade em nossa psicologia está na capacidade das palavras tabus de ativar circuitos emocionais primitivos no cérebro.

Meu interesse pelos palavrões é científico (juro!). Mas os xingamentos não são apenas um quebra-cabeça na neurociência cognitiva. Eles aparecem nos mais famosos casos de liberdade de expressão do último século, de ‘Ulisses’ e ‘Lady Chatterley’ a Lenny Bruce e George Carlin [comediantes].

Por décadas, os tribunais constantemente levaram os censores do governo a uma precária posição defensiva.

Em 1978, a Suprema Corte, julgando uma transmissão diurna do monólogo ‘Filthy Words’ [Palavras Sujas], de Carlin [1937-2008], permitiu que a Comissão Federal de Comunicações (FCC) regulamentasse a ‘indecência’ nos programas de rádio e TV nos horários em que as crianças pudessem estar escutando.

O raciocínio, baseado em noções antiquadas da infância e da mídia moderna, foi que os programas transmitidos pelo ar se intrometem sem convite no lar e podem expor as crianças à linguagem indecente, prejudicando seu desenvolvimento psicológico e moral.

Na prática, a FCC reconheceu que o impacto das palavras tabus depende de seu contexto. Assim, em 2003, quando Bono, vocalista do U2, disse, em um discurso de premiação na TV, ‘isto é realmente, realmente, ‘fucking brilliant’ [algo como ‘brilhante de foder’], a FCC não puniu a rede.

Intenção

Bono, ela comentou, não usou ‘fucking’ para ‘descrever órgãos ou atividades sexuais ou excretórias’. Ele a usou como ‘um adjetivo ou expletivo para enfatizar uma exclamação’.

Esse uso diferia do número ‘patentemente ofensivo’ de Carlin, com seu ‘uso repetido, pelo valor de chocar’, das palavras tabus. Mas os comissários indicados por Bush deram meia-volta no caso e posteriormente visaram a rede de televisão Fox, depois que ela transmitiu cerimônias de premiação em que Cher disse, sobre seus críticos, ‘então, fodam-se’ e Nicole Richie perguntou ‘por que eles a chamam de ‘The Simple Life’? Você já tentou tirar bosta de vaca de uma bolsa Prada? Não é tão ‘fucking simple’.

Em 2007, depois que um tribunal federal invalidou a política da FCC como ‘arbitrária’ e ‘impulsiva’, a comissão apelou para a Suprema Corte. Foi quando eu fui arrastado para a coisa. A FCC alegou que ‘mesmo quando o orador não pretende um sentido sexual, uma parte substancial da comunidade (…) entenderá a palavra como carregada de conotação sexual ofensiva’.

Uma denúncia apresentada no início deste ano pelo procurador-geral em defesa da posição da comissão citou meu livro ‘Do Que É Feito o Pensamento’ [Cia. das Letras] da seguinte maneira: ‘Se você é um falante de inglês, não pode ouvir [uma palavra como a iniciada por efe] sem lembrar do que ela significa para uma comunidade implícita de falantes, incluindo as emoções ligadas a elas’.

Na verdade, as palavras destacadas na denúncia eram ‘nigger’ [preto], ‘cunt’ [boceta] e ‘fucking’ [foder], e o contexto era uma explicação de por que as pessoas se ofendem ‘quando um estrangeiro se refere a um afro-americano como ‘nigger’, ou a uma mulher como uma ‘cunt’ ou a uma pessoa judia como um ‘fucking jew’.

Eu certamente não estava afirmando que, quando os ouvintes escutam ‘não é tão ‘fucking simple’, suas mentes pensam em cópulas! Ao contrário, eu comentava que, com o tempo, as palavras tabus perdem seu sentido literal e retêm apenas um colorido emocional e, depois, apenas a capacidade de chamar a atenção. Essa progressão explica por que muitos falantes não têm consciência de que ‘sucker’, ‘sucks’, ‘bites’ e ‘blows’ [chupador, chupa, morde e sopra, usados informalmente como formas de desqualificar] geralmente se referem à felação, ou que um ‘jerk’ [usado como ‘idiota’] era um masturbador.

Isso explica por que ‘Close the fucking door’ [Feche a porra da porta], ‘What the fuck?’ [Que porra é isso?], ‘Holy Fuck!’ [Caramba!] e ‘Fuck you!’ [Foda-se] violam todas as regras da sintaxe e da semântica inglesa. Elas supostamente substituíram ‘Close the damned door’ [Feche a maldita porta], ‘What in Hell?’ [Que diabos?], ‘Holy Mary!’ [Ave Maria!] e ‘Damn you!’ [Dane-se] quando a profanidade religiosa perdeu a força e novas palavras tiveram de ser recrutadas para acordar os interlocutores.

Mercado da língua

A FCC tinha razão sobre eu pensar que os tabus lingüísticos nem sempre são ruins. O discurso salpicado de ‘fuck’ fica entediante, e epítetos maliciosos podem expressar atitudes condenáveis.

Mas, em uma sociedade livre, esses incômodos são naturalmente regulados no mercado das reações das pessoas -como Don Imus, Michael Richards e Ann Coulter [radialista, comediante e analista política que causaram polêmica por seus comentários, respectivamente, sexista, racista e religioso] recentemente ficaram sabendo da maneira mais difícil.

Não está claro por que xingar nas ondas do rádio e da TV deva ser assunto para o governo.

De fato, já que a linguagem é entremeada com o pensamento -o tema principal do livro citado pelo procurador-geral-, qualquer proibição a palavras levará a absurdos. Veja o monólogo de Carlin. Ele mencionou a palavra ‘fuck’ não para descrever atividades sexuais, nem para chocar sua platéia.

Sem regulação

Carlin a citou para mostrar como as pessoas usam palavras tabus e para propor a discussão de que o governo não deve regulá-las. A decisão que controlou sua linguagem restringiu a crítica pública à própria decisão -zombando dos próprios princípios da liberdade de expressão.

E considere o comunicado de imprensa emitido pelo presidente da FCC, Kevin Martin, expressando seu desprazer quando sua decisão foi derrubada: ‘Hoje [o tribunal] disse que o uso das palavras ‘fuck’ e ‘shit’ por Cher e Nicole Richie não foi indecente. (…) Eu acho difícil acreditar que o Tribunal de Nova York diria às famílias americanas que ‘shit’ e ‘fuck’ podem ser ditas ao vivo na televisão nos horários em que as crianças provavelmente estão assistindo’.

Em algum lugar, George Carlin continua sorrindo.

STEVEN PINKER é professor de psicologia na Universidade Harvard (EUA) e autor de ‘O Instinto da Linguagem’ (ed. Martins Fontes). Este texto foi publicado na ‘Atlantic Monthly’.

Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves’

 

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