Martin Eden, excelente romance de Jack London, ajuda a entender a gênese de um autodidata, perfil que todo jornalista ou escritor deve ter, se quiser criar um estilo próprio.
Num dos diálogos entre o protagonista (um marinheiro semi-analfabeto) e a mulher da alta burguesia pela qual ele está apaixonado, surge, quase que por acaso, a condição principal para alguém assumir o controle remoto da sua formação:
‘Tomei conta de mim próprio desde os onze anos… isto é, desde que perdi minha mãe. Desconfio que terei de estudar por minha própria conta; o que eu queria saber era por onde devo começar.’
A pergunta é essa: por onde começar? E a resposta não poderia ser mais redundante: começa-se pelo início.
O começo começante é conhecer os alicerces da linguagem, como a linguagem se organiza. E isto supõe contato com o esqueleto, as vísceras, o sangue das palavras. Supõe a leitura.
Não se pode ler se não se pode ler. Repitamos o óbvio redundante. Só assim redundará em ação atuante. O autodidata precisa encontrar na leitura o combustível da sua viagem. Mas antes necessita que alguém lhe dê o começamento começado.
No início é a leitura, mas a leitura leitora, a leitura lida, a leitura que lida com o texto, e o torna letra legível, e torna o leitor um legente legítimo.
Leitura de preler, de perler, de reler, de transler, leitura, enfim, que não tem fim, porque o leitor sempre está a fim.
A leitura é o leite inicial que nós, eternos lactentes, buscamos no livro lactante.
Ler é tomar este leite, quente, frio ou morno, saber saboreado no seio da cultura.
O autodidata sempre viverá na lactância, voando na via láctea dos livros estelares.
No começo do começo tudo começa. E não termina. Pois é preciso verificar se quem sobe sobe mesmo para cima, e se quem insere dentro dentro realmente inseriu. A leitura é constatação crítica, porque nem sempre quem empilhou empilhou o que está na pilha um em cima do outro. Nem sempre quem garantiu que falaria com cada um individualmente individualmente com cada um falou.
E por isso o pleonasmo redundante é a leitura releitura do mesmo, que nunca é sempre o mesmo.
E por isso a redundância pleonástica reaparece de novo e diz, como as crianças que nunca se cansam do novo: ‘de novo!’
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Doutor em Educação pela USP e escritor