As recentes decisões do Conselho Administrativo do Direito Econômico (Cade) do Ministério da Justiça, tanto sobre as condições da fusão entre a Sky e a DirecTV, como sobre a exclusividade da Globo na transmissão dos principais campeonatos do futebol brasileiro, e a escolha do modelo a ser seguido na implantação da TV digital, tornam gritante o absurdo da inexistência de uma regulação geral na área da comunicação eletrônica.
Na verdade, os acertos legais que agora se fazem e a provável adoção do modelo japonês para a TV digital não resolvem as questões fundamentais do setor – e nem aquelas que se manifestam aqui e acolá entre os concessionários dos serviços públicos de radiodifusão.
Duas dessas questões afloraram nas decisões que estão agora sendo tomadas.
Primeiro, a propriedade cruzada. Enquanto um mesmo grupo de mídia puder ser concessionário de televisão aberta e de televisão paga (DTH, cabo ou MMDS) – além de concessionário de emissoras de rádio, proprietário de jornais, revistas e provedores de internet – haverá concentração e menos pluralidade. E, obviamente, haverá conflitos de interesse com outros concessionários que disputam o mercado em cada uma das atividades concorrentes.
Segundo, a ausência de restrições e limites para produção e a distribuição de conteúdo. Um mesmo grupo de mídia produz a maior parte do conteúdo que distribui através de suas diferentes mídias. Isso, além de sufocar a produção independente, possibilita maior controle sobre o conteúdo de toda a mídia e, portanto, menos diversidade. Um único grupo de mídia pode vir a controlar tanto a produção como a distribuição de conteúdo, inviabilizando a competição no mercado.
Acerto entre grupos
A inexistência de um marco regulatório geral em que estejam contempladas todas as mídias – e suas potencialidades de convergência – torna os eventuais acertos parciais sobre fusões e/ou distribuição de conteúdo apenas remendos malfeitos.
Como se faz no resto do mundo, o que urge fazer no Brasil é regular de forma abrangente o setor da comunicação eletrônica de massa.
Cabe, então, perguntar: o que foi feito da Comissão Interministerial criada em janeiro deste ano, em substituição ao Grupo de Trabalho Interministerial criado em abril do ano passado [por sua vez resultado da interrupção do processo de transformação da Ancine em Ancinav em janeiro de 2005], que, aliás, nunca chegou a se reunir, e que deveria preparar uma proposta (limitada aos artigos 221 e 222 da Constituição) de Lei Geral de Comunicação Eletrônica de Massa?
Estavam certos aqueles que anteciparam que a criação da tal comissão de ministros era apenas mais uma forma de ‘empurrar o assunto com a barriga’ e postergar indefinidamente a urgente regulação do setor?
Será que os grupos que dominam a mídia no Brasil já alcançaram – de fato – poder suficiente para inibir inclusive as ações do poder Executivo no sentido da regulação do setor?
Cobrar do governo federal uma resposta a essas questões é tarefa prioritária da sociedade civil organizada, diretamente e/ou através de seus representantes no Congresso Nacional.
O que não se pode mais é acreditar que decisões parciais e acertos entre os mesmos grupos que historicamente se beneficiam da ausência de regulação sejam solução para as questões do setor de comunicações e, muito menos, servidores do interesse público.
E não é exatamente isso o que está acontecendo?
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Pesquisador sênior do Núcleo de Estudos sobre Mídia e Política (NEMP) da Universidade de Brasília e autor, entre outros, de Mídia: Teoria e Política (Editora Fundação Perseu Abramo, 2ª ed., 2004)