Thursday, 28 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1316

Carlos Eduardo Lins da Silva


‘O jornalismo é uma atividade que sempre viveu de contar ao público os fatos do passado recente. O grande dilema de suas versões impressas é como permanecer necessário se nada mais é novidade quando elas chegam ao leitor.


A saída mais segura e óbvia é o veículo impresso se empenhar na explicação das razões por que as coisas aconteceram e mostrar quais serão suas possíveis conseqüências.


É na interpretação que jornais e revistas em papel devem se concentrar. Mas muitos entre eles não conseguem desencarnar da sua condição de arauto das novidades.


Estes, ou tratam de buscar reportagens exclusivas, ou se limitam a repetir informações que a audiência conhece (e correm o risco de morrer).


Uma ótima alternativa quando todo mundo já sabe o que aconteceu ontem seria antever o que vai ou pelo menos pode ocorrer amanhã.


O problema é que este é um terreno em que pitonisas e astrólogos têm mais expertise e recursos para se dar bem. Ainda mais num país em que, como disse alguém, prever o passado já é quase impossível.


Ainda esta semana, vários leitores se queixaram da avaliação da Folha sobre como o STF decidiria o caso Raposa/ Serra do Sol.


‘Tudo levava a crer que o resultado seria muito diferente do que ocorreu’, reclamou Sérgio Alexandre Antunes de Carvalho, por exemplo.


Mas há outra possibilidade com grande potencial. É o ‘jornalismo preventivo’, que tenta identificar as causas de crises antes, e não depois, de elas explodirem.


Há duas vertentes deste gênero. Na Europa, a ênfase é nas reportagens que tentam evitar guerras e conflitos étnicos e religiosos. Nos EUA, na análise da resposta de governos a grandes desafios e no acompanhamento da reação do Estado a eles ao longo do tempo para impedir que se repitam catástrofes decorrentes de desastres naturais, problemas de saúde pública ou quaisquer crises sociais.


Por exemplo, se a reportagem que a Folha publicou em 28 de novembro mostrando que municípios destruídos pela chuva em Santa Catarina não contavam com mapeamento das áreas de risco tivesse sido editada três meses antes ou mais, ela poderia ter ajudado a evitar algumas (ou muitas) mortes.


O jornalismo preventivo se antecipa aos fatos e, por meio da sua ação, algumas tragédias podem ser evitadas. Todo mundo sabe que chove muito no verão brasileiro e que as cidades têm diversas áreas expostas a deslizamentos e inundações.


Por que não alertar com vigor sobre o que o governo faz ou deixa de fazer para minimizar os efeitos dessas chuvas? O mesmo se aplica a questões sanitárias. E a políticas públicas de qualquer espécie.


Por que esperar que a Câmara decida limitar a meia-entrada ou ampliar o Supersimples para só então noticiar? Por que não promover o debate entre os interessados nesses temas para que eles possam influir no resultado e se preparar para o que vier?


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Vocês querem bacalhau?


O leitor Wilson Marques me questionou por não ter incluído na coluna anterior opiniões de leitores sobre a cinqüentona Ilustrada. Respondi-lhe que nestes sete meses como ombudsman praticamente não recebi cartas sobre o suplemento cultural da Folha.


Wilson questionou se o silêncio se deve à satisfação com o produto ou à apatia em relação a ele. Não tenho como responder com segurança, mas suspeito que seja mais por apatia do que por satisfação.


Um debate sobre a Ilustrada, publicado anteontem, foi dominado por lembranças de como ela era comentada nos anos 1980, e não é mais.


O próprio livro oficial comemorativo dos 50 anos transpira saudosismo. Já no segundo parágrafo da apresentação, cita o diretor de teatro Gerald Thomas: ‘A Ilustrada foi a internet da década de 80’.


Pedi no domingo passado a ex-editores que respondessem o que se deve fazer para melhorar. A manifestação do atual editor pode ser indício de uma das causas do problema.


Marcos Augusto Gonçalves diz que ser ator relevante no debate cultural do país lhe parece ‘um pleito nostálgico’. Discordo. Para mim, esta é uma necessidade sempre atual.


Minha impressão é a de que o caderno vem se tornando um guia de consumo e encara a cultura como simples mercadoria. Por isso, não suscita controvérsia, não anima polêmica, não ajuda a pensar.


No debate, Marcos sugeriu que o leitor cidadão virou o leitor consumista. Pode ser. Mas a função do jornal é dar ao leitor apenas o que ele pensa que quer? Creio que não. Claro que precisa satisfazê-lo, mas também deve desafiá-lo. Talvez seja o que falte.


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PARA LER


‘Jornalismo preventivo e cobertura de situações de risco’, da Andi, 2007 (http://www.redandi.org/-pdf/gripe-aviaria.pdf) – embora focado na questão da gripe aviária, o estudo traz reflexões importantes para qualquer cobertura de catástrofes, crises de saúde pública e situações de risco social


‘Complexo de Clark Kent’, de Geraldinho Viera, Summus, 1991 (a partir de R$ 26,05) – entrevistas com grandes jornalistas dos anos 1980 com uma pergunta comum para todos: o jornalista se acha um super-homem, capaz de prevenir males sociais?


PARA VER


‘Síndrome da China’, de James Bridges, com Jane Fonda e Jack Lemmon, 1979 (a partir de R$ 19,90) – repórter de TV em tarefa burocrática flagra quase acidente em usina nuclear, faz investigações e, com ajuda de cientista, previne uma tragédia


‘Tubarão’, de Steven Spielberg, com Roy Scheider e Richard Dreyfuss, 1975 (a partir de R$ 19,90) – para não prejudicar o turismo, poderosos de cidade litorânea escondem do público que o mar está cheio de tubarões; imprensa vigilante teria impedido mortes


ONDE A FOLHA FOI BEM…


Situação dos jornais


Reportagem sobre concordata da ‘Tribune’ e texto de Rupert Murdoch dados com destaque promovem debate honesto sobre futuro dos jornais impressos


…E ONDE FOI MAL


Excesso de inglês


Uso de expressões inglesas quando há equivalente em português (‘serial killer’) e frases inglesas sem tradução mostram descaso com o leitor e com a língua nacional’