TECNOLOGIA
Indústria da música imita piratas digitais
‘Depois de anos de esforços inúteis para impedir os piratas digitais de copiar a sua música, a indústria fonográfica começou a copiar os piratas. De acordo com executivos do setor, este ano serão lançados serviços que oferecem aos usuários da internet e de celulares acesso ilimitado e ‘gratuito’ a milhões de músicas.
Diferente do compartilhamento ilegal de arquivos na rede, que provoca perdas em bilhões de dólares segundo a indústria, as novas ofertas são perfeitamente legais.
Os serviços não são verdadeiramente gratuitos, mas o pagamento é incluído no custo de um novo telefone celular ou na mensalidade da internet, por exemplo. E esses serviços proporcionam receita às empresas musicais, ao contrário dos sites de pirataria.
‘O ano de 2009 marca a data em que a indústria parou de se preocupar e aprendeu a gostar da internet’, disse Feargal Sharkey, ex-músico punk que hoje chefia a UK Music, um grupo comercial da indústria fonográfica britânica.
Antes, a indústria insistia para que sites de música digital vendessem as canções uma a uma, como faz o iTunes, da Apple, ou por meio de assinaturas de serviços que não permitem manter cópias das faixas.
Mas ao longo do ano passado, muitos na indústria se convenceram de que tais ofertas jamais poderão substituir a receita das vendas de CDs, em queda abrupta há anos. ‘As vendas mundiais de música caíram cerca de 7% no último ano’, disse John Kennedy, diretor executivo da Federação Internacional da Indústria Fonográfica (IFPI). Ao mesmo tempo, o crescimento na quantidade de músicas baixadas no iTunes – maior loja de música digital – foi interrompido.
Provavelmente, o serviço de maior destaque que oferece downloads ilimitados é o Comes With Music, inaugurado na Grã-Bretanha ano passado pela Nokia, a maior fabricante mundial de telefones celulares.
O serviço permite baixar quantidade ilimitada de músicas a partir de um catálogo com mais de cinco milhões de faixas, para quem adquire certos modelos de telefones Nokia.
Tero Ojanpera, encarregado do desenvolvimento de serviços de entretenimento do fabricante, disse numa conferência da indústria em Cannes que o Comes With Music seria estendido para a Austrália e Cingapura no primeiro trimestre do ano, e para outros países europeus ao longo de 2009.
Outros serviços de downloads ilimitados vêm sendo propostos por provedores de internet, empresas que são consideradas essenciais pela indústria fonográfica para coibir a pirataria porque têm relacionamento direto com os internautas.
A provedora dinamarquesa TDC já oferece downloads ilimitados como parte do seu pacote de assinatura de banda larga. Outras empresas de banda larga europeias preparam o lançamento de serviços parecidos.
Há ainda alternativas mais revolucionárias sendo propostas que obrigariam os assinantes de banda larga a pagar uma taxa mensal em troca da liberdade para fazer downloads livremente, mesmo em redes de troca de arquivos.
As empresas fonográficas já desprezaram acordos deste tipo no passado, mas mostram uma nova flexibilidade para licenciar seu material, já que a própria existência delas está ameaçada.
A França está prestes a aprovar uma lei que exige dos provedores que desliguem a conexão de usuários que infringirem sistematicamente as leis direitos autorais. A Grã-Bretanha, por outro lado, ameaçou introduzir uma nova legislação caso as medidas voluntárias de combate à pirataria por parte dos provedores se mostrem ineficazes.
Executivos da indústria fonográfica e Nicholas Lansman, secretário-geral da Associação de Provedores da Grã-Bretanha, estão confiantes em logo obter um acordo de licenciamento que disponibilize serviços musicais ilimitados.
Os fabricantes de celulares, por sua vez, estão ansiosos para acrescentar serviços musicais aos seus pacotes conforme esquenta a guerra dos smartphones entre empresas como a Nokia, Apple e BlackBerry.’
HISTÓRIA
Por trás do grande imperador… uma condessa
‘Monarquistas chegaram a descrevê-la como oportunista palaciana ou como eminência parda de d. Pedro II; republicanos associaram sua imagem de amante do imperador à própria decadência do já combalido império brasileiro. Estes controvertidos e superficiais retratos de Luísa Maria Portugal e Barros – mais conhecida como Condessa de Barral – parecem definitivamente superados após a leitura de Condessa de Barral (Objetiva, 264 págs., R$ 33,90), de Mary Del Priore, uma reconstituição viva da trajetória de uma das personagens femininas mais importantes da história brasileira no século 19. Calcada em inúmeras fontes, incluindo o inédito diário de juventude de Luisa de Barral, Mary Del Priore brinda os leitores com um narrativa sensível, fluente e cheia de empatia pela enigmática personagem.
Com a morte precoce da mãe e do irmão, Luísa modelou-se no pai, Domingos Borges de Barros, um ilustrado que já percebia os vícios do sistema colonial. A educação europeia de Luísa incorporou toda a ambígua cultura do período romântico, forjando o perfil de uma mulher excepcional, que Mary define como ‘calculadamente virtuosa’. Seguia princípios religiosos, jejuava, comungava, ia à missa; mas também era exímia dançarina nos bailes, aplaudia o teatro e lia histórias de adultérios descritas por George Sand e Flaubert. Recusou o casamento arrumado com o Marquês de Abrantes para casar-se com um aristocrata francês, Eugene de Barral. Foi aia das duas filhas de d. Pedro II e por quase dez anos conviveu com a família real, participando direta ou indiretamente de muitas das principais decisões imperiais. Uma mulher que soube catalisar toda a inextricável mistura de romantismo e o realismo do século 19. E isto talvez porque ela tenha sido testemunha privilegiada de muitos eventos conflituosos: estava na Bahia quando estourou a Sabinada, em 1937; morava na França quando eclodiram os dois conflitos mais sangrentos do século, as revoluções de 1848 e a Comuna de Paris em 1871.
Mary Del Priore delineia um cenário das relações amorosas na época, do clima etéreo dos salões aristocráticos e dos rituais de elegância e de conversação que Barral soube tão bem dominar. Mas também da intensidade de todo um erotismo peculiar à época, na qual furtivos beliscões ou sutis pisadelas nos pés constituíam atrevimentos máximos e revelavam todo o fervilhar emocional dos relacionamentos. Foi assim entre d. Pedro II e a Condessa de Barral, que se tornaram amantes por muitos anos, embora de uma forma fugaz e intermitente. O encontro entre os dois não foi uma paixão fulminante e sim um desejo feito mais de promessas do que de prazer, numa época em que os amantes sonhavam antes com a imagem que faziam uns dos outros.
A impressão que fica é que a Condessa de Barral não apenas atenuou bastante aquela insensibilidade sobranceira de d. Pedro, como o ajudou a liberar-se de muitas de suas tantas travas e gafeiras emocionais. Extremamente bem experimentada na vivência das pessoas que circulavam nas inúmeras cortes europeias, Barral mostrou-se, não raro, bem humorada e, nas entrelinhas, dando sempre algumas daquelas cutiladas que revelavam distanciamento crítico. Antes de d.Pedro ir à Bahia em 1859, forneceu, à seu modo, a ‘ficha’ de toda a gente de lá: ‘Visconde dos Fiães? Um homem imoral com fingimentos de santo; Leopoldina Barreto? Mulher de péssimo comportamento, com o atenuante de ter um marido doido que anda nu em casa, não se lava e se porta como um animal; d. Maria Venceslau? Uma dengosa e, ainda por cima, casada com um maluco que ainda está esperando a vinda de d. Sebastião’. Já por ocasião da lei do ventre livre, em 1871, ela tentou até corrigir o francês raquítico de d.Pedro e Isabel, alfinetando: ‘não seria menos matuto falar em ?lei dos recém-nascidos?(loi dês nouveuax nés) do que ?lei do ventre livre?, que mais parecia sinônimo de dor de barriga?’.
Como Barral foi aia das filhas de d. Pedro II, o contato com o imperador foi, de certa forma, publicamente justificado. Afinal, a educação das duas herdeiras deveria ser igual à que os meninos recebiam: aulas de francês, inglês, alemão, latim, história, química, geometria, botânica, desenho e geografia. Muitas e muitas vezes o imperador ia assistir as aulas, e, não raro, fazia também as suas intervenções pedagógicas. ‘O caráter das princesas deve ser formado tal qual convém a senhoras que poderão ter que dirigir o governo constitucional de um império como o Brasil’ – assim d. Pedro justificava seu zelo pedagógico. Ardilosa justificativa que juntava necessidade pública ao gosto pessoal: fosse outra a aia, estaria o imperador tão ansioso em participar das aulas?
De qualquer forma, temos uma narrativa deliciosa e uma biografia exaustiva que inclusive nos fornece perspectivas inéditas para a compreensão do universo palaciano na monarquia brasileira. A figura incrível da Condessa de Barral pode comprovar o quanto vale para a história brasileira aquele velhíssimo refrão – é certo que um tanto modificado pela versão de Groucho Marx: ‘Por trás de todo grande homem há sempre uma grande mulher. E por trás da mulher.. a esposa dele’.
Elias Thomé Saliba é historiador, professor da USP e autor, entre outros, de Raízes do Riso’
IMAGEM
Encontro entre criador e criatura
‘O fotógrafo de guerra André Faulques acreditou, ou quis acreditar, que, ao se esconder numa torre e deixar o falso realismo fotográfico para dedicar-se à representação pictórica, estaria livre dos horrores que durante 30 anos fotografou ao mesmo tempo que poderia entender o ser humano e pintar o que não conseguiu fotografar. Mas é nessa metáfora (a torre) que ele encontra seus piores demônios, que se caracterizam pela chegada de um desconhecido ao seu refúgio.
Esse é o mote inicial do livro O Pintor de Batalhas, do espanhol Arturo Pérez-Reverte. A princípio, pode parecer banal, ou mesmo clichê, mas durante a leitura, o autor, ele mesmo um ex-fotógrafo de guerra, coloca questões fundamentais que deveriam ser pensadas. A primeira, sem dúvida, é a questão da ética ou, se quisermos, a ligação entre ética e estética. A segunda questão é a de representação e como as imagens são recebidas pela sociedade contemporânea: tanto a pintura como a fotografia. Os diálogos são densos, profundos, com cortes quase fotográficos. O essencial está dito. Não tem mais, não tem menos. O livro é sobre a guerra, mas usa como pano de fundo a imagem.
Ao criar um mural em sua torre – e o engraçado é que o termo fotografia documentária deriva dos murais mexicanos, na época bastante realistas e que contavam a história da revolução mexicana nos muros -, Faulques reescreve sob sua interpretação os horrores das guerras que fotografou como jornalista, mas ao pintar, ele faz de uma guerra todas as guerras. Suas certezas são questionadas, porém, quando recebe em seu refúgio, onde vive escondido e, portanto, cria na cidade uma onda de mistério a seu respeito, a visita de um ex-soldado croata que foi imortalizado pelas lentes de Faulques.
O primeiro diálogo já é hilário: obviamente o fotógrafo não reconhece o visitante, só depois que o mesmo se apresenta mostrando a capa da revista onde seu rosto foi publicado: ‘Vira uma infinidade de rostos na vida, a maioria através do visor de uma câmera. Alguns ele havia guardado, muitos, esquecidos: uma visão fugaz, um clique do disparador, um negativo na folha de contato, que só vez por outra merecia o círculo de caneta que o salvaria de ser relegado aos arquivos.’ O autor aqui entra no campo dos simulacros e de como a sociedade contemporânea não consegue mais vivenciar as coisas e muitas vezes só as conhece por imagem, ou seja, simulacro. De como nos acostumamos a um conhecimento mediado pela mídia.
A foto em questão teve consequências fundamentais na vida do ex-soldado e na do próprio fotógrafo. E é sobre isso que o livro discorre: um encontro entre criador e criatura. Já que o soldado não é a foto dele estampada na revista. E é a partir de uma fotografia, essa mesma fotografia que o fotógrafo se torna internacionalmente conhecido.
A contemporaneidade do romance se dá no fato de que todas as questões são colocadas por meio de imagens: tanto as fotográficas como as pictóricas e as mentais. Uma conversa sobre imagem e imaginação, narrativa e memória, sobre a busca estética de um autor para contar ou narrar horrores.
Por meio das imagens realizadas e de quadros de batalhas o livro é uma grande discussão sobre a guerra em si. Mas é também uma grande lição sobre o tão comentado poder da imagem. Poder que lhe é conferido pela própria sociedade que se autorretrata compulsivamente. E que gosta de sua representação imagética e quer ser vista ou conhecida da forma como aparece representado.
Um belo texto, um belo romance, embora cheio de citações, de nomes de pintores e fotógrafos. O próprio autor não nega notas biográficas ao texto, mas isso pouco importa. A citação de nomes tenta legitimar uma narrativa, assim como a fotografia, para muitos, confere veracidade a um fato. Arturo Pérez-Reverte, neste livro que ultrapassa as questões da fotografia – não é um texto sobre história da fotografia, mas sobre guerra – nos lembra, porém, que ninguém é igual frente a uma imagem, nem quem a faz nem quem a olha. A intencionalidade está no olhar, assim como a ética e a estética estão nos olhos de quem decodifica uma fotografia.’
REVISTA
Centésimo número da Granta reúne os melhores
‘A edição brasileira de número 3 da Granta (Alfaguara, 360 págs., R$ 39,90) reproduz, com exceção da capa de David Hockney, o conteúdo do centésimo número da prestigiada revista literária inglesa, fundada em 1889 por estudantes da Universidade de Cambridge. Agonizante nos anos 1970, a Granta foi ressuscitada nos anos 1980, quando passou ao formato pelo qual hoje é conhecida, o de uma publicação essencialmente dedicada a farejar novos autores. A capa inglesa do centésimo número não foi usada – e isso não tem nada a ver com Hockney, mas com o fato de fazer referência ao número 100. Na versão brasileira, a capa ganhou uma obra do escultor carioca Ângelo Venosa. De resto, é a mesma revista organizada pelo escritor William Boyd. Convidado a selecionar escritores que já publicaram seus textos na Granta, reuniu alguns dos melhores autores contemporâneos, entre eles Doris Lessing e Harold Pinter (ambos premiados com o Nobel) e o inglês Ian McEwan, que apresenta o libreto da ópera Por Você, composta por Michael Berkeley (ela estreou em maio do ano passado).
Ian McEwan, aliás, foi uma das apostas que a Granta fez em 1983, quando publicou sua primeira lista de 20 jovens escritores britânicos em que os leitores deveriam prestar atenção. Só para citar alguns, a lista contemplava ainda Martin Amis , William Boyd , Kazuo Ishiguro e Salman Rushdie. Dez anos depois, a lista ganhou os nomes de Hanif Kureishi, Alan Hollinghurst e Jeanette Winterson, todos publicados no Brasil. Finalmente, há cinco anos, foram selecionados, entre outros, Monica Ali, Zadie Smith e Adam Thirlwell, também publicados por aqui. A lista da Granta faz tanto sucesso que ela repetiu por duas vezes (em 1996 e 2007), o ranking dos melhores nos EUA. Jonathan Franzen e o casal Jonathan Safran Foer e Nicole Krauss estavam entre essas apostas.
O escocês William Boyd (Fuga, As Aventuras de um Coração Humano), além de organizador deste número Granta, é um iconoclasta. Diz que jamais gostou do nome Granta e que, inicialmente, achou péssima a ideia do americano Bill Buford de ressuscitá-la. Conclusão: perdeu o número 1 e não sossegou enquanto não conseguiu encontrar o raro exemplar. Boyd foi protagonista de um episódio engraçado do mundo editorial. Há dez anos publicou Nat Tate: An American Artist 1928-1960, falsa biografia de um desconhecido artista do expressionismo abstrato que teria se matado após uma visita ao ateliê de Braque. Nat Tate nunca existiu. É fruto da aglutinação da palavra National (National Art Gallery) com Tate (Gallery), piada que pegou alguns críticos na contramão, todos ‘especialistas’ na obra de Nat Tate.
Para o centésimo número da revista, Boyd não fez nenhuma brincadeira do gênero. Quase todos os autores (à e exceção dos poetas) já foram publicados pela Granta. A atenção especial à poesia foi um ato deliberado: ela esteve ausente nos primeiros números da edição inglesa. Em contrapartida, até o dramaturgo Harold Pinter, morto em dezembro, comparece com um poema para a amada.’
LITERATURA
‘Drummond deu voz ao que não consigo dizer’
‘Nascido em Belo Horizonte, Humberto Werneck (1945) jornalista há mais de 40 anos, tendo passado por alguns dos principais órgãos da grande imprensa brasileira, como Jornal da Tarde, Veja, Jornal do Brasil, Isto É, Jornal da República e Playboy. Tornou-se jornalista em maio de 1968, levado pelo contista Murilo Rubião para o Suplemento Literário do Minas Gerais, diário oficial do governo mineiro.
É autor, entre outros, de O Desatino da Rapaziada, retrato da geração de escritores mineiros, como Otto Lara Resende, Paulo Mendes Campos e Fernando Sabino, que se renderam ao jornalismo, de O Santo Sujo, biografia de Jayme Ovalle, e de Pequenos Fantasmas, livro de contos.
Werneck organizou Minérios Domados, seleção da poesia de Hélio Pellegrino, e Boa Companhia, reunião de trabalhos de 42 cronistas. Escreveu a reportagem biográfica de Chico Buarque para Tantas Palavras (2006), sobre a obra do compositor. Está trabalhando em dois projetos – um livro infanto-juvenil sobre Belo Horizonte e O Pai-dos-Burros, Dicionário de Lugares-Comuns e Frases Feitas.
Que livro você mais relê? E qual a sua impressão das releituras?
Claro Enigma, de Carlos Drummond de Andrade, sempre me reserva alguma surpresa — e também humilhação: como pude passar tantas vezes por um verso sem me dar conta de toda a riqueza que há nele?
Dê exemplo de um livro muito bom injustiçado, pelo público ou pela crítica.
João Ternura, o romance de Aníbal Machado, não recebeu ainda a atenção que merece. Não vale botar toda a culpa no título enjoativo.
Cite um livro que frustrou suas melhores expectativas.
O Velho e O Mar, de Ernest Hemingway. Aquele sujeito discursando para aquele peixe… humm…
E um livro surpreendente, ou seja, bom e pelo qual você não dava nada.
Três Mulheres de Três PPPês, de Paulo Emílio Salles Gomes. Puro preconceito: como se um ótimo ensaísta não fosse capaz de produzir ótima ficção.
A boa literatura está cheia de cenas marcantes. Cite algumas de sua antologia pessoal.
A revelação tardia de Diadorim aos olhos de Riobaldo no Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa. Dona Severina vendo dormir Inácio no conto Uns Braços, de Machado de Assis. E tudo aquilo que (não) acontece em Frederico Paciência, de Mário de Andrade.
Que personagens são tão marcantes que ganham vida própria na sua imaginação de leitor?
Capitu, de Machado. Lolita, de Nabokov. Emma Bovary, de Flaubert. Jay Gatsby, de Fitzgerald. E um vasto etc.
Que livro bom lhe fez mal, de tão perturbador?
O Estrangeiro, de Albert Camus.
E que livro mais o fez pensar?
As Palavras, de Sartre.
De qual autor você leu tudo, ou quase tudo?
Carlos Drummond de Andrade, por dar voz a muito do que não consigo dizer.
Existe algum autor como o qual você jamais perderia seu tempo?
Vários. Até por isso, não perderia tempo em citá-los.
Cite um livro que foi fundamental em sua formação, mesmo que hoje você não o considere tão bom como na época em que o leu.
O Encontro Marcado, de Fernando Sabino, lido e relido desde os 12 anos de idade. Continuo achando que é um grande romance.
Você considera a literatura policial um gênero menor?
Não pode ser considerado menor um gênero a que pertença O Falcão Maltês, de Dashiel Hammett.
Os livros de autoajuda são mesmo todos ruins, ou isso é puro preconceito da crítica?
Sou contra a automedicação. Drogas, só com receita médica.
Um livro meio chato, mas bom.
Se é meio chato, é no máximo meio bom.
Um livro que você acha que deve ser muito bom mas jamais leu.
A Montanha Mágica, de Thomas Mann. Em diversas investidas, nunca passei do meio da encosta. É dessas leituras que requerem uma hepatite.
Um livro difícil, mas indispensável.
O Som e a Fúria, de Faulkner.
Um livro que começa muito bem e se perde no caminho.
A Bíblia. Não é que se perca: fica menos interessante d.C.
Um livro que começa mal e se encontra.
Os Sertões, de Euclides da Cunha. É chão demais até chegar à luta…
Um livro ruim, por ser pretensioso.
Qualquer um que pretenda ser ‘um vasto painel de época’.
Que livros ficariam melhores se um pedaço fosse suprimido?
Vários. Proponho uma Teoria da Vênus de Milo, segundo a qual muita obra melhora se bem aparada. Conheci um editor americano que queria meter a faca no Drácula, cortando tudo o que não seja canino na carótida. Achava que Bram Stockler, com sua fastidiosa descrição da Transilvânia, era uma espécie de Euclides da Cunha de A Terra. Um Euclides do sobrenatural, digamos.
De que livro você mudaria o final?
Livro cujo final precise ser mudado não vale esse esforço.
Cite exemplos de livros assassinados pela tradução e exemplos de boas traduções.
Devem ser boas as traduções dos livros de Paulo Coelho. Não têm erros de português.
A literatura contemporânea é muito criticada. Que livro publicado nos últimos dez anos mereceria, para você, a honraria de clássico?
Vista do Rio, romance de Rodrigo Lacerda.
Para que clássico brasileiro, de qualquer tempo, você escreveria um prefácio incitando à leitura?
O Amanuense Belmiro, de Cyro dos Anjos, se Antonio Candido já não tivesse escrito antes, e com incomparável competência.
Que livros (brasileiros ou estrangeiros) sempre presentes nos cânones que não mereceriam seu voto? E um sempre ausente no qual você votaria?
Sinto falta de O Quarteto de Alexandria, de Lawrence Durrell. E nenhuma de José de Alencar.
Quais bons autores você só descobriu alertado pela crítica?
Carlos Sussekind, por exemplo, ao ler um artigo de Hélio Pellegrino saudando o lançamento de Armadilha para Lamartine, nos anos 70.
Cite um vício literário que você considera abominável.
O empenho em enfeitar o texto – aquilo que João Cabral chama de perfumar a flor.
Que virtude mais preza na boa literatura?
O poder que têm alguns livros de se desgrudar da literatura e se incorporar à experiência do leitor, ajudando-o a viver.’
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