FÓRUM MUNDIAL DE MÍDIA LIVRE
Uma outra mídia é possível (e necessária), 26/1
‘O Fórum Social Mundial começa com o Fórum Mundial de Mídia Livre. Nesta segunda, dois painéis e outras atividades, põem em debate os meios de comunicação e, mais importante, discutem a construção de meios alternativos de comunicação. Será isto possível? É como perguntar se um outro mundo é possível. Talvez um outro mundo seja mesmo possível, mas, com certeza, não o será sem uma outra mídia necessária.
Nas dimensões sociais e espaciais em que vivemos hoje, neste mundo em que somos afetados, instantaneamente, tanto pelo que acontece em nosso bairro, quanto por uma guerra em alguma região aparentemente distante como Gaza ou Chechênia, a realidade que nos chega é aquela que nos chega pela mídia. Aquilo que aconteceu, aconteceu porque foi noticiado no jornal, na TV ou no rádio. Se não foi noticiado, não aconteceu. Significa dizer, boa parte de nosso conhecimento do mundo, boa parte do modo como pensamos, é moldado pela mídia. No limite, a mídia decide o que devemos pensar, sobre o que devemos pensar e como devemos pensar o mundo. Pensar uma outra organização de sociedade, alternativa a esta ordem capitalista que aí está, poderá ser quase impossível, se o mundo que vemos, lemos e ouvimos através da mídia, parece ser um mundo sem alternativas…
Daí a importância da construção de uma mídia alternativa, de uma mídia livre dos compromissos políticos e econômicos da mídia hegemônica, de uma mídia livre para discutir e disseminar a idéia de que um outro mundo é possível.
A base social para a construção dessa mídia é o próprio movimento popular. Na medida em que os mais diversos segmentos da sociedade se organizam em defesa dos seus interesses e se mobilizam para viabilizar suas plataformas políticas e culturais, é natural que eles queiram verbalizar suas demandas e propostas. Através da rede mundial de computadores e graças ao barateamento generalizado dos meios de reprodução das idéias, o movimento popular não precisa mais depender de custosos equipamentos e instalações para colocar suas propostas em debate na sociedade.
O jornal ou revista impressos podem ainda serem veículos importantes, mas não são mais os únicos. Blogues, sítios de internet, rádios de baixa potência (comunitárias), até mesmo canais de TV, sem falar das listas de discussão em rede ou simples panfletagens digitais (spans) já se tornaram poderosos meios de divulgação de idéias alternativas e de mobilização política. Através deles, o agendamento do que pensar, sobre o que pensar e como pensar ditado pela mídia hegemônica, pode ser contraditado por uma agenda alternativa, isto é, por uma nova proposta a respeito do que deve ser prioritário para ser pensado e sobre como deve ser pensado.
O FML que, nesta segunda, realiza o seu primeiro fórum mundial, nasceu com essa proposta e pôde assim nascer porque foi construído por organizações e entidades jornalísticas ou não, comprometidas com a construção dessa agenda alternativa e popular. Parte de seus construtores são jornalistas e estão engajados na produção, edição e veiculação de publicações jornalísticas. Parte deles porém não são propriamente jornalistas, mas são comunicadores vinculados ao movimento popular que estão também muito engajados na produção, edição e veiculação de publicações (impressas ou eletrônicas) que discutam a agenda de interesse do movimento popular. Não raro, esses comunicadores demonstram muito mais competência e sensibilidade para perceber e elaborar essa agenda, do que os profissionais do ramo. Trata-se de uma competência e sensibilidade nascida da vivência real com os problemas da injustiça, da exploração, da exclusão.
O I FMML discutirá a construção dessa nova mídia e, também, claro, não poderá deixar de discutir as responsabilidades da mídia hegemônica na construção da crise econômica e social na qual fomos mergulhados pela especulação financeira e por seu arautos neo-liberais. Era uma crise anunciada. Alguns analistas insuspeitos já diziam, há anos, que ela logo viria. Fatos só agora revelados, ainda assim a conta-gotas, mostravam que a prosperidade neo-liberal não passava de fachada. Essa imprensa que não dava voz aos críticos, essa mídia que não corria atrás de informações perturbadoras, são tão responsáveis por essa crise quanto os especuladores de Wall Street ou da Bovespa. Alimentaram a ilusão. A sociedade não pode agora inocentá-las.
É de se esperar que o FSM, em Belém, defina alguns pontos essenciais de agenda para a reconstrução da sociedade, dada a crise. O I FSML deverá definir os caminhos para dar às propostas do FSM, a mais ampla divulgação possível pelo mundo a fora.
Marcos Dantas é professor do Departamento de Comunicação Social da PUC-Rio, doutor em Engenharia de Produção pela COPP-UFRJ e autor de ‘A lógica do capital-informação: da fragmentação dos monopólios à monopolização dos fragmentos num mundo de comunicações globais’ (Ed. Contraponto).’
MÍDIA
Liberdade de expressão e mídia alternativa: dois anos depois, 20/1
‘A história da imprensa no Brasil é marcada pela estreita vinculação entre os interesses do estado e da mídia privada, controlada pelas oligarquias políticas regionais e pelos grandes grupos nacionais. Por que não se aplica à comunicação social os mesmos critérios que já vem sendo adotados pelo estado brasileiro em relação a outros setores onde se busca a correção de desequilíbrios históricos? A análise é de Venício A. de Lima, em seu artigo de estréia como colunista da Carta Maior
Há pouco menos de dois anos, escrevi para o Observatório da Imprensa um pequeno artigo com o título ‘A morte anunciada da Agência Carta Maior’. Atendia a proposta feita em editorial que falava de ‘fechamento iminente’ e conclamava todos interessados a ‘debater (a) questão, escrevendo a respeito, colocando-a em pauta nos sindicatos, partidos, organizações não governamentais, escolas, universidades, em todos os veículos’ tendo em vista que não se tratava apenas de um problema da Carta Maior, mas ‘da maioria dos veículos de comunicação dessa imprensa alternativa, ou outro nome que se lhe queira dar (…) absolutamente necessário para a democracia da nossa comunicação.’
Dois anos depois retorno ao tema no momento em que passo a colaborar de forma permanente também com Carta Maior, sobrevivente de uma crise que não conseguiu fechá-la. As crises, é sabido, colocam desafios e oportunidades de mudança de rumos. Carta Maior sobrevive. Todavia, questões que eram centrais em 2007 continuam centrais ainda hoje. Trato aqui de duas delas.
Liberdade de expressão e grande mídia
Lembrei, em 2007, que os grandes grupos de mídia ignoram deliberadamente a impossibilidade prática que um cidadão comum tem para exercer a sua liberdade de expressão, o seu direito individual de expressar, ele próprio, sua opinião publicamente. Por que não se aplica ao cidadão comum – sujeito originário do direito – a liberdade de expressão agora apropriada pelos grandes grupos de mídia como liberdade de imprensa? Como exercer a liberdade de expressão em nossos dias?
O jurista Fabio Konder Comparato tem colocado essa questão faz tempo. Afirmava ele ainda em 1990:
A liberdade de expressão é, tradicionalmente, considerada a pedra angular dos regimes democráticos. (…) Hoje, no entanto, todos entendem que a expressão pública do pensamento passa, necessariamente, pela mediação das empresas de comunicação de massa, cujo funcionamento exige graus crescentes de capitalização. Aquele que controla tais entidades dispõe, plenamente, da liberdade de expressão. Os demais membros da coletividade, não (‘É possível democratizar a TV?’ in Adauto Novaes, org., Rede Imaginária – TV e Democracia; Cia. das letras, 1991).
No meu artigo, perguntava: O que (o cidadão) deve fazer? Como competir com os grupos de mídia já existentes? Como conseguir o volume de capital necessário para ser proprietário de uma empresa de comunicações? Ou deveria ele escrever para a seção de cartas dos jornais e revistas? Ou organizar-se, em sua comunidade, criar uma associação ou fundação sem fins lucrativos, juntar os recursos (?) e solicitar ao Ministério das Comunicações uma autorização para uma rádio comunitária? Ou deveria criar um blog na internet e torcer para que ele fosse acessado por milhões de internautas?
Para essas questões ainda não se tem resposta.
Quem financia a mídia alternativa?
Da mesma forma, por que não temos no Brasil uma mídia alternativa aos grandes grupos dominantes, como ocorre em países semelhantes ao nosso na América Latina? Por que será que inúmeras tentativas, sobretudo na mídia impressa, têm sistematicamente fracassado?
Um dos resultados da crise porque passou Carta Maior foi exatamente a articulação do Fórum Mídia Livre que se reuniu pela primeira vez em junho de 2008 no Rio de Janeiro e que se reúne também no Fórum Social Mundial de Belém. Dentre os vários temas tratados no Manifesto de sua constituição, um se refere à eterna questão do financiamento da mídia alternativa.
Apoiado no princípio de que ‘um Estado democrático precisa assegurar que os mais distintos pontos de vista tenham expressão pública’ o Manifesto reivindica que ‘as verbas de publicidade e propaganda sejam distribuídas levando em consideração toda a ampla gama de veículos de informação e a diversidade de sua natureza; que os critérios de distribuição sejam mais amplos, públicos e justos, para além da lógica do mercado’.
Essa é uma das questões que precisa ser colocada: qual a responsabilidade do estado democrático na garantia da pluralidade e da diversidade na mídia?
A história da imprensa no Brasil é marcada pela estreita vinculação entre os interesses do estado e da mídia privada, controlada pelas oligarquias políticas regionais e pelos grandes grupos nacionais. Esse vínculo fica patente não só na legislação que rege, por exemplo, as concessões de radiodifusão, mas, sobretudo, nas formas diretas e indiretas de financiamento público, através de empréstimos bancários, subsídios à importação de papel; isenções fiscais, publicidade governamental, contratos milionários para compra de livros didáticos etc.
Já a mídia alternativa que sobreviveu aos anos de autoritarismo ou nasceu nos últimos 30 anos, em boa parte, mendiga apoio oficial ou sobrevive da ajuda esporádica de entidades internacionais e/ou patrocínios irregulares de origem privada ou pública.
Hoje, alegam-se motivos técnicos e de mercado para a distribuição das enormes verbas de publicidade oficial que privilegia a grande mídia. Ignora-se, por exemplo, que há países na Europa onde leis contrárias à monopolização garantem recursos financeiros para a mídia alternativa e independente. Uma medida neste sentido, portanto, não seria sequer inédita.
Por que não se aplica à comunicação social os mesmos critérios que já vem sendo adotados pelo estado brasileiro em relação a outros setores onde se busca a correção de desequilíbrios históricos? É o que se faz, por exemplo, com as microempresas que gozam de benefícios fiscais; com as quotas étnicas e/ou sociais para acesso ao ensino superior; e com a agricultura familiar para a qual existe o crédito subsidiado.
Por que não se pode fazer o mesmo com a mídia alternativa em nome da democratização do setor e no espírito da Constituição de 88?
Princípios básicos
O cerceamento da liberdade de expressão individual e o financiamento da mídia alternativa são questões gêmeas. Dizem respeito a pluralidade e a diversidade de informações e opiniões que circulam na sociedade, vale dizer, dizem respeito a princípios básicos da democracia representativa. É por isso que não se pode deixar de debatê-los.’
OBAMA LÁ
A briga dos colunistas com a realidade, 22/1
‘Seria ingenuidade esperar uma revolução social a partir da chegada de um democrata à Casa Branca. Mas que as coisas mudam, mudam. Lembro apenas os constrangimentos internacionais sofridos pela ditadura militar brasileira, com Jimmy Carter na presidência dos EUA.
Com certa dose de cinismo comentaristas políticos brasileiros costumam repetir, a cada eleição presidencial nos Estados Unidos, que qualquer que seja o eleito tudo continua igual. Até em 2008, alguns – apesar da extrema distância que separa Bush Jr. de Barack Obama – chegaram a repetir a ladainha. Não é verdade. São sujeitos que gostam de ‘fazer tipo’ niilista, posando com ares de enfado em relação ao ser humano nos jornalões e nas grandes redes de TV. Sabem – porque afinal não são tapados – que a realidade não bate com suas falas, mas insistem, comportam-se como atores, no melhor ‘estilo Paulo Francis’, a quem sonham suceder. Nem isso conseguem. Francis para chegar a astro dos telejornais da Globo e das colunas impressas passou – na juventude – pela escola de teatro de Paschoal Carlos Magno. Queria ser ator, não deu certo, mas usou os seus conhecimentos para teatralizar o comentário político, cujos dados geralmente também não batiam com a realidade. Seus fiéis seguidores foram menos estudiosos e, claro, não tem o mesmo talento do ídolo.
Seria ingenuidade, por outro lado, esperar uma revolução social a partir da chegada de um democrata à Casa Branca. Mas que as coisas mudam, mudam. Lembro apenas os constrangimentos internacionais sofridos pela ditadura militar brasileira, com Jimmy Carter na presidência dos Estados Unidos. O apoio dado à luta pelos direitos humanos no Brasil, tendo como um dos interlocutores o cardeal de São Paulo, Dom Paulo Evaristo Arns, a quem fez questão de visitar, foi fundamental para apressar o processo de abertura política em nosso país. Um republicano faria isso?
Republicanos e democratas atuam dentro de limites impostos pelo complexo industrial-militar estadounidense, mas estes últimos empurram esses limites um pouco mais para frente. Os outros são parte dele. E Obama assume o cargo sob forte pressão desse sistema, representado hoje pelo governo de Israel. A invasão da faixa de Gaza nos últimos dias de 2008 e a um mês da posse do novo presidente foi a forma encontrada pelo complexo para ‘emparedá-lo’, criando um fato consumado e reduzindo-lhe as margens de manobra, sempre mais amplas no início de qualquer governo. Além de deixar prontos todos os ingredientes necessários para que novas ações militares de larga escala aconteçam na região. As bombas que arrasaram Gaza já estão sendo repostas. Ou alguém ouviu falar em crise na indústria bélica? As fábricas da morte continuam funcionando a todo o vapor. Mas um democrata, como Obama, tem muito menos compromissos com elas do que a família Bush, por exemplo. Não há como igualar os interesses petrolíferos texanos com uma sólida carreira acadêmica e profissional apresentada pelo novo presidente.
Esta, no entanto, não é a primeira vez que um democrata assume tendo, logo no início do mandato, de se deparar com as ações belicistas impusionadas pelo complexo industrial-militar. Mais de quatro décadas atrás, o presidente Kennedy viu-se em situação parecida. Só que o ataque ao inimigo ocorreu com ele já no cargo. Foi a invasão de Playa Giron, em Cuba. O caso é lembrado pelo próprio presidente cubano Fidel Castro num trecho da entrevista concedida ao jornalista Ignacio Ramonet e publicada no livro Fidel Castro, biografia a duas vozes (Boitempo Editorial, São Paulo, 2006).
Simpático a Kennedy, Fidel afirma que ‘talvez depois de Franklin Rooselvelt, tenha sido uma das personalidades mais brilhantes dos Estados Unidos. Cometeu erros: deu luz verde à invasão de Playa Giron, em abril de 1961, mas essa operação não foi preparada por ele, e sim pelos governos anteriores de Einsenhower e Nixon. Ele não foi capaz de contê-la a tempo’. Com Obama, o complexo não esperou para ver. Atacou antes.
Ninguém melhor que Fidel Castro para mostrar as diferenças entre republicanos e democratas no comando dos Estados Unidos. Afinal, desde janeiro de 1959, quando a Revolução se tornou vitoriosa em Cuba, até sua renúncia, ele foi obrigado a conviver com nada menos do que dez presidentes dos Estados Unidos. E renovou suas esperanças num mundo menos tenso ao dizer para a presidente da Argentina, Cristina Kirchner, que Obama ‘é uma pessoa sincera, com boas intenções’ e que parece crer ‘sinceramente no que está dizendo’. Para completar tocou na ferida: ‘tomara que o deixem fazer’.
Aos 82 anos, vítima de centenas de atentados, a maioria articulados pela CIA e líder de uma nação combalida por um bloqueio econômico criminoso imposto pelos Estados Unidos, Fidel consegue ainda assim mostrar mais jovialidade e esperança num mundo melhor do que os pobres articulistas da pobre mídia brasileira.
Laurindo Lalo Leal Filho, sociólogo e jornalista, é professor de Jornalismo da ECA-USP e da Faculdade Cásper Líbero. É autor, entre outros, de ‘A TV sob controle – A resposta da sociedade ao poder da televisão’ (Summus Editorial).’
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