‘Relatou o provedor na crónica anterior que solicitara ao jornalista António Arnaldo Mesquita explicações sobre duas notícias de primeira página publicadas nos dias 22 e 24 de Outubro, ambas sem imputação da informação a qualquer fonte e sendo a segunda (‘Caso Freeport – ingleses ainda não enviaram documentos’) um desmentido da primeira (‘Documentos sobre o Freeport pedidos aos ingleses já estão nas mãos dos investigadores’), mas que não recebera resposta (cumprido o prazo de 72 horas previsto para a reacção dos jornalistas às interpelações do provedor).
Já após publicada a crónica, o provedor recebeu de António Arnaldo Mesquita a explicação de que só na altura abrira a sua caixa de correio electrónica, por na semana anterior ter tido ‘dificuldades informáticas’. Dispôs-se então a responder, e, apesar de diferido no calendário, vale a pena atentar ao que escreveu: ‘Uma fonte que me pediu o anonimato disse-me que os documentos já tinham chegado e que o oficial de ligação da embaixada lhe tinha dito que vinham a caminho. Um dia depois, alegando dificuldades nos contactos com os magistrados titulares do inquérito Freeport, a mesma fonte disse-me que, afinal, os documentos não tinham sido recebidos no DCIAP [Departamento Central de Investigação e Acção Penal] e que os britânicos alegavam ‘falha informática’ para justificar a suspensão da remessa da documentação. Esta é uma situação limite de uma fonte que já me forneceu dezenas de informações que nunca [palavra sublinhada] foram desmentidas… A lealdade da mesma fonte ficou comprovada no dia seguinte, quando verificou que me tinha induzido em erro. Como na primeira notícia não citei a fonte, pareceu-me que também o não devia fazer na segunda, em que me auto-desmentia’.
Num aparte, o provedor repara que nos tempos actuais, com o advento da tecnologia digital, a informática tem as costas largas. Entendendo evidentemente que a identidade da fonte teria de ser preservada, perguntou a António Arnaldo Mesquita se não seria possível ‘pelo menos identificar a sua área, tipo ‘fonte judicial’ ou coisa do género’, havendo ainda outras possibilidades: ‘E por que não, em caso limite, falar em ‘fonte que solicita o anonimato’, ou ‘fonte conhecedora do processo que solicita o anonimato’? No fundo, é isso: se a fonte não conhecesse o processo a notícia seria impossível ou não teria credibilidade. Não se deveria também ter dito que a fonte que desmentiu a informação foi a mesma que antes a fornecera ao PÚBLICO?’
A nova resposta de António Arnaldo Mesquita foi em grande parte, a seu pedido, off the record, pelo que o provedor não a pode citar (não, ele não identificou a fonte!). Mas retira dela esta frase: ‘Isto neste caso é particularmente sensível e delicado. [Eu] não podia identificar a fonte’. Insatisfeito, dado que o que estava em causa não era identificar a fonte, o provedor insistiu: ‘Compreendo a delicadeza da situação. A questão é que convinha que os leitores soubessem que havia pelo menos uma fonte’. Replicou o jornalista: ‘Claro que os leitores deviam saber que havia uma fonte, só que, neste caso concreto, a minha fonte não podia ser identificada, nem eu a devia identificar quando constatei que me tinha induzido em erro. A única solução neste caso era fazer de Egas Moniz e apertar a corda ao pescoço…’
Apreciando o altruísmo do autor, o provedor considera contudo que, na parte publicável desta troca de mensagens, e sem violação da garantia de confidencialidade, António Arnaldo Mesquita já fornece os elementos de informação que, a terem sido publicados na devida altura, permitiriam suprir as falhas detectadas nas duas notícias, designadamente: a) que existiu uma fonte, conhecedora do processo, mas que solicitou o anonimato; b) que se tratou da mesma fonte para ambas as notícias; c) que foi a própria fonte a tomar a iniciativa de rectificar a informação que inicialmente fornecera’.
O que acontece é que se instituiu no jornalismo português (e não só no PÚBLICO) o hábito (ou antes, o vício) de não invocar fontes para a elaboração de muitas notícias (presumindo talvez os autores que dessa forma, mostrando-se dentro de circuitos secretos de informação de que nem podem revelar a origem, valorizam mais o seu trabalho).
Por vezes, os jornalistas lá concedem na fórmula ‘o PÚBLICO sabe que…’ (que nada informa sobre a fonte), mas não mais do que isso. É o caso recorrente de Nuno Simas, na área do jornalismo político: ‘O PÚBLICO apurou que Manuela Ferreira Leite falou a Portas, seu ex-companheiro no Governo PSD/CDS, sobre Maria José, número quatro na lista de Lisboa’ (6 de Agosto, pág. 8); ‘Ao que o PÚBLICO apurou, o critério de Ferreira Leite para não incluir, por exemplo, Passos Coelho e Miguel Relvas foi a análise da sua atitude, no último ano, relativamente à direcção’ (5 de Agosto, pág. 2); ‘Ao que o PÚBLICO apurou, a causa da ruptura [entre direcção e a distrital de Lisboa do PSD] foi a inclusão, por Ferreira Leite, de alguns nomes em lugar elegível, como António Preto e Helena Lopes da Costa’ (4 de Agosto, pág. 6); ‘Ao que apurou o PÚBLICO, Ferreira Leite quer uma renovação profunda relativamente ao grupo parlamentar escolhido em 2005’ (3 de Agosto, pág. 6); ‘O PÚBLICO sabe que o autarca lisboeta fez uma tentativa de última hora para ainda conseguir um acordo do PS com PCP e BE para o município da capital’ (13 de Julho, pág. 6).
O provedor, que não percebe sequer o que há de tão sensível nestas notícias que implique não fazer menção a nenhuma fonte, inquiriu Nuno Simas sobre a pertinência do método, tendo o jornalista começado por invocar o ponto 72 dos ‘Princípios e Normas de Conduta Profissional’ do Livro de Estilo do PÚBLICO: ‘Quando o jornalista está em condições de assumir a informação – isto é, quando a confirmou junto de várias fontes independentes entre si, embora todas tenham exigido o anonimato – deverá noticiá-la no PÚBLICO sem necessidade de recorrer às habituais, retóricas e desacreditadas fórmulas do género ‘fonte digna de crédito’, ‘fonte segura’ ou ‘fonte próxima de’. As fontes, a sê-lo, devem estar sempre bem colocadas para falar sobre o assunto. (…) Um jornal bem informado não precisa de justificar permanentemente as suas notícias. Assume-as e responsabiliza-se por elas’.
Já nesta coluna o provedor alertou para a inconsistência da norma em causa, instando a que fosse repensada numa próxima revisão do Livro de Estilo – e não pretende regressar ao mesmo debate. Mas lamenta que, na revisão de 2005, tenha desaparecido a norma da edição original, mais consentânea com as regras do jornalismo, segundo a qual ‘nesses casos [não havendo outra forma de obter a informação ou a sua confirmação], e só nesses casos, pode utilizar-se a fórmula [do estilo] ‘uma fonte do organismo X que solicitou o anonimato’’.
Complementarmente, Nuno Simas invoca o facto de a fórmula ‘o PÚBLICO apurou’ (não contemplada pelo Livro de Estilo, note-se) ser ‘usada frequentemente nas páginas do jornal’, e contrapõe: ‘Mas há também exemplos de notícias em que, por exemplo, identifico uma ‘fonte/membro da comissão permanente do PSD’ ou ‘fonte/membro da comissão política nacional do PSD’ – dois níveis de poder diferentes no PSD, por exemplo. Tenho a consciência de que estas são informações que assumo e que me responsabilizo por elas. Por isso não o faço por regra, mas sim como excepção. A regra, claro, é a informação ser atribuída a uma fonte, ‘identificada com a maior precisão possível’ (ponto 68 do Livro de Estilo).
Fica por perceber o critério que leva os jornalistas a invocar ou não as fontes de informação – sendo que a segunda situação parece hoje ao provedor mais regra do que excepção.’