Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Agenda impreterível para o novo governo

Apesar de juristas defenderem que o princípio fundamental do direito à comunicação já se encontra consagrado no artigo 220 da Constituição – isto é, ‘a proibição de restrições, resguardadas as previsões constitucionais, à manifestação do pensamento, à criação, à expressão e à informação, transmitidos sob qualquer forma, processo ou veículo’ –, este direito ainda permanece uma utopia entre nós.


Há forte resistência à menção de que o cidadão deve ter não só o direito de ser informado, mas também acesso garantido às instituições de mídia, sobretudo às concessionárias dos serviços de radiodifusão, que tornam possível a comunicação pública entre os principais atores do campo da comunicação social no Brasil.


O direito de grupos políticos ou sociais a cotas de transmissão para expressar suas idéias no rádio e na televisão, proporcional à dimensão e à importância que têm na sociedade (o chamado direito de antena) já é prática consagrada em vários países – Alemanha, França, Espanha, Portugal e Holanda, por exemplo.


T. H. Marshall, em seu clássico Cidadania e Classe Social (1949), divide a cidadania em três dimensões, cada uma fundada em um princípio e numa base institucional distintos. Adaptadas às circunstâncias do mundo contemporâneo, poderíamos descrever essas dimensões da seguinte forma:


** A primeira é a Cidadania Civil, cujo princípio básico é a liberdade individual e tem como direitos, por exemplo, a liberdade de expressão, a liberdade de ir e vir, a igualdade perante a lei, o direito de propriedade e o direito a não ser condenado sem o devido processo legal, vale dizer, o direito à presunção de inocência. A garantia dos direitos civis é dada por um Poder Judiciário independente e acessível a todos.


** A segunda é a Cidadania Política, que tem como princípio básico o direito à comunicação e que significa participar do exercício do poder público tanto diretamente, pelo governo, quanto indiretamente, pelo voto. A sua garantia é dada pela existência de partidos políticos consolidados, por um conjunto de novas institucionalidades constituídas por diferentes movimentos sociais, mas, principalmente, por um sistema democrático de mídia.


É a mídia policêntrica e democratizada que, segundo a doutrina liberal, deve informar e formar a opinião pública que periodicamente é chamada a escolher os seus representantes em eleições livres para constituir o ‘governo consentido’, tanto no Legislativo quanto no Executivo.


** A terceira é a Cidadania Social, que tem como princípio básico a justiça social e significa a participação na riqueza coletiva através do direito à educação, à saúde, ao emprego, a um salário justo e à comunicação. Sua garantia é dada por poderes Executivo e Legislativo responsáveis e eficientes.


Políticas públicas de comunicação


Na verdade, a comunicação perpassa todas as três dimensões da cidadania, constituindo-se, ao mesmo tempo, em direito civil (liberdade individual de expressão), em direito político (através do direito à comunicação) e em direito social (via direito a uma política pública democratizadora de comunicação).


O tema vem a propósito da 4ª Semana Nacional pela Democratização da Comunicação, realizada de 18 a 25 de outubro, promovida por dezenas de coletivos, entidades e movimentos sociais com atividades em vários estados brasileiros.


O direito à comunicação também surge do momento histórico específico que estamos atravessando. Se há um resultado que a crise política e a campanha eleitoral já provocaram foi a inclusão na agenda pública do debate sobre o papel e as responsabilidades da mídia, de seus proprietários e de seus jornalistas na nossa sociedade.


Esse debate já está sendo feito independentemente da vontade e da participação dos atores tradicionais do campo midiático. E ele é indispensável para que a cidadania amplie sua consciência dos direitos humanos fundamentais, entre eles certamente o direito à comunicação. E, especialmente, para que a cidadania exija do presidente da República eleito em 29 de outubro e do novo Congresso Nacional a implementação de políticas de comunicação que garantam o equilíbrio entre os sistemas privado, público e estatal, fundado na pluralidade e na diversidade de idéias e opiniões. Conforme reza a Constituição.

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Pesquisador sênior do Núcleo de Estudos sobre Mídia e Política (NEMP) da Universidade de Brasília e autor, entre outros, de Mídia: crise política e poder no Brasil (Editora Fundação Perseu Abramo, 2006)