A perplexidade se instalou na mente dos eleitores do Pará quando as edições dominicais de O Liberal e do Diário do Pará foram para a rua. Ana Júlia apareceu na frente na pesquisa do Ibope e empatada com Almir Gabriel no Vox Populi. Há uma nova promessa de vencedor? E quem está indo atrás do novo favorito?
No domingo (15/10), os dois principais jornais diários do Pará destacaram pesquisas sobre a disputa eleitoral do segundo turno para o governo do estado, que se consumará no dia 29. Em duas linhas, ocupando toda a largura da primeira página, a manchete de capa do Diário do Pará (‘Vox Populi aponta empate entre Almir e Ana Júlia’), ilustrada com um grande desenho, anunciava o resultado da sondagem feita pelo Vox Populi: Almir Gabriel, do PSDB, e Ana Júlia Carepa, do PT, estavam tecnicamente empatados na preferência do eleitor.
Mas como o ex-governador teve 1% a mais (com 46%) do que a sua adversária (com 45%) na sondagem espontânea e ficou 2% na frente na consulta induzida (48% a 46%), teve direito a precedência no título, apesar de a margem de erro maior (de 3,1%) na sondagem reforçar a tendência à equiparação.
Já O Liberal, mesmo colocando na metade do alto da capa da sua edição dominical o resultado da pesquisa, encomendada não pelo próprio jornal, mas pela TV Liberal, deu apenas um ligeiro destaque à manchete, que só ocupou 40% da largura da página, cercada por uma foto relacionada ao Círio e uma tabela dos candidatos à Câmara Federal que se elegeram em 1/10.
Com um relevante detalhe, que pode ser considerado inédito no tratamento jornalístico: Almir Gabriel, mesmo atrás de Ana Júlia na preferência dos entrevistados, por alentada diferença, teve seu nome colocado por primeiro na manchete. Como se o jornal, aparentemente com muita relutância, se visse obrigado a admitir: ‘Ibope aponta: Almir 43%, Ana Júlia, 53%’. Talvez estivesse aplicando uma norma do futebol: o nome do time da casa em primeiro lugar.
História recente
Pode ser que exista um precedente, mas não consigo me lembrar de uma outra vez em que o nome do vencedor venha depois do nome do vencido em qualquer periódico jornalístico, em qualquer lugar do mundo, em qualquer tempo. Houve o propósito subliminar de confundir o leitor menos atento? De deixar algum resíduo de manipulação no seu subconsciente? De influir de alguma forma para criar uma expectativa de reviravolta nas duas últimas semanas de campanha eleitoral?
Tudo é possível deduzir de uma iniciativa insólita como essa. Como, por exemplo, achar que se a TV Liberal não fosse obrigada pela Rede Globo de Televisão, da qual é afiliada, a realizar uma certa quantidade de pesquisas até a eleição, provavelmente o Grupo Liberal não as teria promovido. E o jornal não lhes daria veiculação ou repercussão.
O Liberal publicou o mínimo necessário ou inevitável dos resultados da pesquisa, omitindo completamente os municípios abrangidos e a metodologia adotada, informações indispensáveis a uma boa análise do seu conteúdo. Também não criou quadros e outra ilustração, além de uma só, que foi dedicada ao principal resultado da aferição induzida. O tom de compulsoriedade da divulgação ficou bem evidente.
O leitor dominical dos dois jornais (que nesse dia dobram suas tiragens) deve ter ficado ainda mais confuso e perplexo ao verificar que a pesquisa do Vox Populi, encomendada pelo Diário do Pará, que faz a campanha da candidata petista, foi muito menos favorável à senadora Ana Júlia Carepa do que a pesquisa do Ibope, feita a pedido do Grupo Liberal, intensamente comprometido com um quarto mandato seguido dos tucanos e com a volta ao poder, para um inédito terceiro mandato no Pará, do médico Almir Gabriel, outrora um desafeto da casa.
Da perplexidade à febre de insinuações foi um passo, a partir da noite de sábado (14/10), quando carros de propaganda de Ana Júlia começaram a recomendar a leitura de O Liberal e um incontido princípio de pânico se estabeleceu nos arraiais tucanos. Neles, começou uma interrogação que se espalhou pela cidade: o Grupo Liberal trocou de barco, às vésperas do confronto decisivo? A suspeita tem um precedente recente, quando, no dia da eleição para prefeito de Belém, em 1996, O Liberal divulgou uma pesquisa do Ibope com folgada vantagem de Edmilson Rodrigues, do PT, sobre Duciomar Costa, do PTB. A diferença foi menor e para ela a pesquisa pode ter dado sua contribuição.
Acertos de bastidores
O leitor paraense já aprendeu, pelo método menos pedagógico, porque ensina pela negatividade, que os institutos de pesquisa fazem o que seus clientes querem. Em alguns casos, a má-fé é explícita e intencional. É o caso da Brasmarket, empresa tão notoriamente desacreditada que a revista IstoÉ, a primeira a dar-lhe abrigo, deixou de usá-la na eleição deste ano. A própria Brasmarket precisou pagar a divulgação das suas pesquisas, que deixaram de ser matéria redacional na revista paulista, tornando-se informe publicitário (embora sem ser assumido explicitamente). A ambigüidade favoreceu a ambos os ex-parceiros, que costumam andar em tetos de zinco quente, mesmo quando em caminhadas aparentemente individuais.
No Diário do Pará, as estatísticas do instituto continuaram a ser apregoadas como se fossem a pedra filosofal. Só, entretanto, até a realização do primeiro turno, o que deixou nítido o objetivo da contratação: dar forças, ainda que pela via artificial, à anêmica candidatura de José Priante, do PMDB. Inflada, ela saiu do traço reservado aos candidatos peemedebistas anteriores e funcionou como canal de acesso ao segundo turno para Ana Júlia – e, naturalmente, arma de barganha para Jader Barbalho, ainda o chefe do PMDB no Pará. Com essa credencial, ele continuou a ser recebido no Palácio do Planalto, agora de maneira mais explícita do que antes, e pode reconquistar poder, se Lula for reeleito.
Já a primeira pesquisa do segundo turno só tinha sentido com um pouco mais de fé pública, que falta por completo à Brasmarket. Mas por que, então, os resultados apurados pelo Vox Populi foram tão menos favoráveis a Ana Júlia do que os do Ibope, quando a expectativa indicava exatamente o contrário? E por que o PT ‘tentou, na Justiça Eleitoral, impedir a divulgação da pesquisa, mas a pretensão foi indeferida pelo juiz’, conforme O Liberal não deixou de registrar no curtíssimo texto da primeira página, sem qualquer esclarecimento adicional – e necessário – na página interna sobre essa surpreendente atitude dos petistas. Sem esclarecer também que a liminar vedando a divulgação da pesquisa só valeu para a televisão: quando a ordem judicial chegou à redação de O Liberal, o jornal já estava na rua.
A explicação do comitê de Ana Júlia é de que a impugnação já faz parte de uma rotina do PT, desconfiado da parceria Ibope-Grupo Liberal e que na quarta-feira, quando o recurso foi submetido ao TRE, ainda não havia os boatos que começaram a circular muito reservadamente dois dias depois, de que a pesquisa do Ibope diagnosticara a mudança de posição de Ana Júlia em relação ao seu concorrente na corrida governamental (e não como se dizia antes, de que dava vantagem de 8 pontos para Almir). Na dúvida, os petistas acharam melhor manter a estratégia, que faz parte do mesmo tipo negativo de raciocínio: de que nada ‘do outro lado’ pode ser favorável?
Foi essa a mesma atitude do Diário do Pará, de Jader Barbalho, colocado em saia justa quando confrontado com a edição dominical do inimigo, levando os leitores a achar que as posições dos dois jornais – por algum dos acertos de bastidores freqüentes numa política sem espinha dorsal – os papéis se inverteram, quando, na verdade, nada disso ocorrera.
‘Mordendo na corda’
Independentemente dessas questões, para o cidadão comum restava uma pergunta sem resposta: quem estava mais próximo da verdade, o Ibope ou o Vox Populi, que discreparam muito acima do que a margem de erro de ambos (em torno de 3%) os autorizava a divergir sem pôr em risco sua credibilidade? O Vox fez sua pesquisa num período anterior, entre os dias 8 e 11, ouvindo mais pessoas (mil) em mais municípios (47), do que o Ibope, que entrevistou 812 eleitores em 40 municípios, num período um pouco posterior, entre os dias 10 e 12.
Mas como O Liberal foi econômico demais na divulgação de dados, enquanto o Diário foi muito mais generoso nas suas informações, não dá para saber se a amostragem do Ibope, sendo mais representativa do que a do Vox Populi, podia compensar sua amplitude menor em quantidade de pessoas e de municípios consultados. ‘Manejo’ da amostragem tem sido um dos principais ardis para maquiar a manifestação popular nessas sondagens, agradando o cliente sem agredir tão ostensivamente a metodologia da pesquisa, a ponto de desacreditá-la de pronto, como acontece em relação à Brasmarket.
Por isso, a justiça eleitoral acabou vetando a divulgação da pesquisa do Ibope, criando a partir daí um novo paradoxo: o PT querendo liberá-la e o PSDB querendo vetá-la. Enquanto isso, os tucanos alardeavam a pesquisa do Vox Populi.
Sem resolver todas essas complicações, um dado é inquestionável: a tendência do segundo turno favorece a Ana Júlia Carepa, algo que já era possível interpretar do resultado do primeiro turno, quando a soma dos votos do PMDB e do PSOL cobriu com vantagens a diferença entre o PSDB e o PT. Os eleitores de Priante e Edmilson Rodrigues não deverão aderir compactamente a Ana Júlia, mas uma larga maioria deles deverá fazer essa opção, numa margem suficiente para deixar Almir Gabriel em posição inferior.
Até o dia 29 essa tendência poderá ainda ser revertida? Essa é uma hipótese que as duas pesquisas divulgadas no dia 15 trazem implícita, sem, contudo, considerá-la comprovada – e muito menos como a mais forte. De qualquer maneira, não será nas páginas dos dois jornais, que abandonaram o compromisso jornalístico para fazer campanha eleitoral, abertamente ou tentando disfarçá-la, que o eleitor encontrará uma resposta.
No entanto, à margem do jogo de manipulação através da mídia, que voltou a dominar a cobertura jornalística da eleição, um movimento que só pode ser percebido por sensores muito sensíveis se desencadeou nos últimos dias: o recuo das empresas, que assumiram um decidido compromisso com a candidatura mais forte, a de Almir, e agora estão ‘mordendo na corda’, segundo uma fonte do PSDB. Como a força está se deslocando para o outro extremo, a fauna acompanhante do poder migra com ela.
A migração é definitiva? As próximas pesquisas demarcarão esse rastro até o dia da prova dos noves: o segundo turno do dia 29.
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Editor do Jornal Pessoal, de Belém (PA)