As TVs educativas e culturais brasileiras, por meio de sua entidade – a Associação Brasileira das Emissoras Públicas Educativas e Culturais – Abepec – passaram a difundir, a partir de 2000, um novo conceito de jornalismo: o jornalismo de TV pública. A idéia surgiu de Jorge Cunha Lima e Marco Antônio Coelho Filho, respectivamente, presidente e diretor de Jornalismo da TV Cultura de São Paulo, emissora mantida pela Fundação Padre Anchieta. Foi uma resposta ao jornalismo praticado pelas emissoras comerciais, que disputavam, segundo a segundo, o que Cunha Lima chamou de "audiência universal: todo mundo ao mesmo tempo e o tempo todo". Então, o que interessava era o espetáculo nessa verdadeira guerra entre as emissoras, principalmente entre Rede Globo, SBT e Record.
Por isso as emissoras associadas da Abepec aceitaram a novidade, por ser um diferencial do jornalismo praticado pelas emissoras comerciais. O conceito veio recheado de uma outra questão instigante: a ética. Por isso, a Abepec tratou de lançar seus princípios éticos, com 10 itens, três dos quais estão relacionados à informação: "A defesa da TV Pública como fator de integração, inclusão social e canal de acesso à informação e à comunicação livre e igual para todos" (2); "Valorização da análise e do espírito crítico e questionador como forma de estimular a busca do conhecimento e da informação" (7) e "A não submissão às imposições mercadológicas, em respeito ao telespectador como cidadão" (9). As TVs educativas e culturais procuravam a sua profissionalização e a independência de conteúdo da informação, por assumir a defesa do telespectador diante da espetacularização da notícia. Assim, a receita foi dar um novo formato ao jornalismo que seria posto em prática nas TVs educativas, instaladas em quase todos os Estados do País, pelos Governos Estaduais e Universidades Federais. Mas como seria possível realizar o novo formato se a grande maioria das emissoras está sob a proteção de uma personalidade jurídica de direito público? Isso significa o seu atrelamento à estrutura da burocracia estatal, funcionando como uma repartição pública, em que operadores, técnicos, jornalistas e radialistas são funcionários públicos, com horário fixo para trabalhar, sem fazer hora-extra e sem manter o departamento de jornalismo atuando nos finais de semana, porque a carga horária não permite.
Notícias do governo
Além disso, o jornalismo dessas emissoras tem servido para dar vazão ao noticiário governamental, como meio difusor das ações dos governantes e de sua administração. Essa situação parece não acontecer nas emissoras educativas e culturais com personalidade de direito privado, como a TV Cultura de São Paulo e a TVE do Rio Grande do Sul. Ambas procuram praticar um jornalismo independente, sem deixar que o noticiário perca a credibilidade junto aos telespectadores. Buscam apresentar um jornalismo plural, sem identificação com os interesses do Governo do Estado, mesmo que este seja o seu principal financiador. Um caso diferenciado é exemplificado pela TVE do Rio de Janeiro. Mantida pelo Governo Federal, por meio da Radiobrás (que detém a concessão do canal), a emissora é gerenciada por uma organização social (Associação de Comunicação Educativa Roquete Pinto, igualmente uma personalidade jurídica de direito privado), com contrato de gestão com o Governo Federal. No atual Governo, a TVE do Rio pretende seguir a linha democrática, buscando a inclusão social, conforme as prioridades do Governo Lula. Em função disso, a emissora está elaborando plano de mudanças. No Governo Fernando Henrique, a TVE enfrentou um caso de censura, que ganhou repercussão nacional: o então secretário de Comunicação Social da Imprensa da República, Andréa Matarazzo, fez com que a direção da TVE deixasse de exibir um programa de debate, em que o principal entrevistado do dia era o presidente do Movimento dos Sem Terra (MST), João Pedro Stédile, que vinha criticando sistematicamente o Governo. O programa integrava a grade de programação da Rede Pública de Televisão, comandada, na época, pela TV Cultura e TVE. A TVE Cultura manteve a entrevista com Stédile, já que a direção da emissora paulista não acatou a ordem de Matarazzo. Isso evidenciou a censura, porque as emissoras estaduais que estavam em rede com a TV Cultura retransmitiram a entrevista, enquanto as retransmissoras em rede com a TVE do Rio exibiram outro programa no mesmo horário.
A contradição na concepção jurídica das emissoras educativas e culturais é evidente: para atuar como uma emissora que pretende realizar o jornalismo de TV pública, com mais liberdade para abordar os assuntos, sem a interferência do Governo que a mantém, sua personalidade jurídica tem de ser privada. Mas a emissora constituída com personalidade de direito público, sua atuação tem caráter estatal, porque não consegue se desvincular da burocracia que domina as repartições públicas: a contratação de repórter, apresentador, camareira, diretor de TV, assistente de estúdio, cenógrafos, iluminadores, operadores de equipamentos (câmera, vídeo, etc) tem de ser feita por concurso público; para substituir um funcionário que não cumpre sua missão com lisura, o único meio é um processo que envolve uma sindicância e uma apuração administrativa, com amplo direito de defesa, para legitimar ou não a demissão, com prazo mínimo de dois anos para ser concluído. Além disso, a aquisição de equipamentos (uma necessidade permanente em função dos avanços tecnológicos), as emissoras seguem um longo ritual burocrático, com base na Lei 8.666, que trata dos processos licitatórios nos poderes públicos federais, estaduais e municipais, que pode durar mais de um ano.
Interesse da sociedade
Mas o que vem a ser jornalismo de TV pública? Segundo seus autores, é o jornalismo que contextualiza a notícia, deixando de lado o jornalismo de agenda, o "hard news", a notícia que emociona, que faz o telespectador rir e chorar, para oferecer a informação que interessa a sociedade, focalizando a pauta sob a ótica do cidadão. O conceito ganhar maior dimensão, quando Cunha Lima e Coelho Filho afirmam que a TV pública busca a defesa dos interesses da sociedade e não os que interessam ao mercado; busca a pauta que defende os interesses da cidadania e não os do mercado. Mas afinal o que diferencia a sociedade do mercado? Como separar o mercado da sociedade?
São questões aparentemente fáceis de conceituar, mas que a realidade vivenciada pela sociedade evidencia a dificuldade de fazer uma distinção entre ambas. CANCLINI (1999: 58) conseguiu expressar esse sentimento:
"A aproximação da cidadania, da comunicação de massa e do consumo tem, entre outros fins, de reconhecer estes novos cenários de constituição do público e mostrar que para se viver em sociedade democrática é indispensável admitir que o mercado de opiniões cidadãs inclui tanta variedade e ressonância quanto o mercado da moda, do entretenimento. Lembrar que nós cidadãos também somos consumidores leva a descobrir na diversificação dos gostos uma das bases estéticas que justificam a concepção democrática da cidadania".
O mesmo autor instiga o tema ao questionar "sobre o que significa ser consumidores e cidadãos em meio às mudanças culturais que alteram a relação entre público e privado" (CANCLINI, 1999:67). Seu raciocínio vai mais além, ao fazer a seguinte reflexão:
Para vincular o consumo com a cidadania, e vice-versa, é preciso desconstruir as concepções que julgam os comportamentos dos consumidores predominantemente irracionais e as que somente vêem os cidadãos atuando em função da racionalidade dos princípios ideológicos. Com efeito, costuma-se imaginar o consumo como o lugar do suntuoso e do supérfluo, onde os impulsos primários dos indivíduos poderiam alinhar-se com estudos de mercado e táticas publicitárias. Por outro lado, reduz-se a cidadania a uma questão política, e se acredita que as pessoas votam e atuam em relação às questões públicas somente em função de suas convicções individuais e pela maneira como raciocinam nos confrontos de idéias" (CANCLINI, 1999:45).
Quem também assume uma postura crítica em relação ao conceito de jornalismo de TV público defendido pela Abepec é o professor Carlos Chaparro. Em artigo publicado na sua página da Internet (www.reescrita.jor.br), ele se refere a um documento divulgado pela TV Cultura que aborda o conceito de jornalismo de TV pública, difundido com a equipe do Departamento de Jornalismo. Segundo ele, o documento sugere:
Em primeiro lugar, e com vários desdobramentos em itens, anuncia-se a recusa à lógica do mercado, aquela da audiência a qualquer preço, nas decisões e razões jornalísticas. Aqui um reparo: a lógica do mercado não pode ser simplesmente recusada, porque ela produz, e a cada vez mais, acontecimentos importantes, profundamente transformadores da realidade. A lógica do mercado projeta-se nos fatos da tecnologia, da educação, da cultura, do desporto, do lazer. É a mãe da maioria dos conteúdos jornalísticos. A própria TV Cultura, como as demais televisões públicas, assumem a lógica do mercado para se viabilizarem. Sem audiência, qualquer televisão é inútil. E a audiência disputa-se no mercado, não fora dele".
No mesmo artigo, Chaparro ensina o que as TVs educativas e culturais devem propor: "O que deve ser recusado, radicalmente, é a lógica do negócio como produtora de critérios e razões para ações jornalísticas. E isto tanto serve para a instituição jornalística quanto para os indivíduos jornalistas, quer estejam eles em redações públicas ou em redações privadas. A lógica do negócio, amoral, propensa à imoralidade, instiga à burla, ao prejuízo do outro". Ele lamenta que as emissoras educativas pretendam ser as defensoras da ética na programação, ao contrário das emissoras comerciais: "Ora, não se pode falar de uma ética melhor para a televisão pública". O autor destaca um trecho do documento da TV Cultura, cujas idéias ele acredita que deveriam ser absorvidas pela redação de qualquer emissora: "não se deixar manipular pelas fontes organizadas; recorrer às fontes científicas com agilidade e mais freqüência; preocupar-se com a temática e os fatos da cidadania e do meio ambiente; investir continuamente na capacitação profissional; e desenvolver novas formas e novos formatos nos planos técnicos de estético".
Visões do mercado e da ética
Além dessa questão, a maioria das emissoras associadas da Abepec enfrenta um problema maior: cumprir a pauta do jornalismo governamental. O jornalismo que cobre a agenda do governador, da primeira-dama do Estado, dos secretários e dos dirigentes das empresas estaduais da administração indireta. Há emissoras que têm como "chefe de reportagem" ou "pauteiro" o assessor de Imprensa do governo, pois está sempre solicitando equipe de externa para cobrir os atos do governador no palácio do governo, como assinatura de convênios e de ordem de serviço, anúncio de aumento salarial do funcionalismo; visita a um canteiro de obras; visita da primeira-dama às obras sociais; o anúncio pelo secretário de um novo programa assistencial, etc. Isso é uma prova do uso das emissoras para autopromoção do governador e do seu governo. Os dirigentes do poder público estadual não atentam para o fato de que esse tipo de programação jornalística faz com que a emissora perca a sua credibilidade e seja conhecida entre os telespectadores como uma "TV chapa branca". As pessoas preferem assistir à programação das emissoras comerciais, primeiro porque apresentam programas diversificados e o seu jornalismo atua de forma mais independente, que mostra o contra-ponto da notícia e permite ao telespectador tirar suas conclusões. Segundo pesquisa contratada por algumas das TVs educativas, conforme dados divulgados por seus dirigentes em encontros nacionais, realizadas no período de 1995 a 2002, a maioria dos telespectadores afirma que não vê a emissora, porque só mostra as realizações do governo, deixando de lado o que está sendo feito por outras instituições e as necessidades dos moradores dos bairros, da comunidade, etc. O comportamento do telespectador tem por base o senso comum de que tudo que vem do governo não serve, não é sério. E somente são legítimas as questões discutidas na sociedade. O professor Adriano Duarte Nogueira, professor da Universidade Nova de Lisboa, em conferência para professores e alunos da Universidade de Fortaleza, em agosto de 2003, disse que o telespectador da TV européia quer ver no noticiário da sua emissora informações que tragam críticas aos governantes. Ele fez uma comparação entre os telejornais exibidos no Brasil e os que são apresentados na Europa. Segundo ele, os telejornais fazem poucas críticas ao governo e seus governantes, enquanto na Europa os dirigentes do Mercado Comum Europeu são criticados e seus governantes e primeiros- ministros têm a vida vasculhada e em alguns casos maculadas. Por isso, a audiência das TVs européias é expressiva, segundo Duarte.
Outro fato inibidor para realizar um jornalismo dinâmico, ágil, comprometido com as causas da sociedade e a pluralidade é o atraso tecnológico. Raras são as emissoras que dispõe de um orçamento para investimento durante o ano. A queda na receita dos Estados, provocando a diminuição de recursos financeiros para as inúmeras áreas de sua atuação, principalmente as sociais, faz com que os governos dos Estados repassem os recursos para cobrir somente a folha de pagamento e o custeio da máquina administrativa (pagamento de constas de telefones, energia, água, material de expediente, combustível para os veículos e serviços de terceiros, entre outros itens). Recursos para investimento somente quando passar a crise financeira, segundo os governantes.
Faltam tecnologia e profissionais
Mas o que dificulta enormemente as emissoras educativas e culturais de cumprirem o seu papel na realização do jornalismo de TV pública é a falta de profissionais, em quantidade e qualidade. A não realização de concurso público para suprir a carência de pessoal impede que haja profissionais suficientes para cumprir as rotinas das funções básicas na redação do jornalismo da televisão: apresentador, repórteres, produtores, editores, diretores e pauteiros, entre outros. Nos últimos cinco anos, um único caso de realização de concurso público para contratação de profissionais na área de jornalismo e produção de programa foi registrado na TVE do Rio Grande do Sul, durante o governo Olívio Dutra (1999-2002). Ao todo, foram contratados, via concurso público, 120 profissionais. Além disso, o governo investiu cerca de R$ 20 milhões no período, renovando todo o parque técnico, inclusive o transmissor, produção de novos programas, cenários, etc. A maioria das outras emissoras convivia com a mesma problemática: falta de prioridade dos governos estaduais e das universidades para equipar as emissoras, por isso, nenhuma delas dispunha de recursos para investimentos.
Esse estado de coisas comprova a falta de políticas públicas na área cultural. O poder público detém emissoras de TV que formam redes estaduais e são integradas a uma rede nacional, mas não percebem que poderiam prestar um serviço público qualificado, por meio de programas educativos e culturais que contribuíssem para a formação da cidadania. CANCLINI (1999:136) alerta para a interlocução que os meios de comunicação fazem atualmente com a sociedade, substituindo antigos espaços públicos. "A desintegração da cidade, gerada pela expansão demográfica e pela mancha urbana, diminui o papel organizador do centro histórico e o uso compartilhado dos espaços públicos, que propiciavam experiências comuns de vida (…) Essa desconexão entre habitantes de zonas afastadas por duas ou três horas de viagem é compensada pelas conexões dos meios de comunicação de massa".
"As indústrias culturais são hoje o principal recurso para se fomentar o conhecimento recíproco e a coesão entre os múltiplos organismos e grupos em que se fragmentam as grandes cidades. A possibilidade de se reconstruir um imaginário comum para as experiências urbanas deve combinar o enraizamento territorial de bairros ou grupos com a participação solidária na informação e com o desenvolvimento cultural proporcionado pelos meios de comunicação de massa, na medida em que estes tornem presentes os interesses públicos. A cidadania já não se constitui apenas em relação a movimentos sociais locais, mas também em processos de comunicação de massa". (CANCLINI, 1999: 139).
Por que TV pública?
A difusão de políticas públicas por parte dos Governos federal e estaduais tem melhores condições de ser viabilizada por meio da rede pública de televisão, pelos simples fato de que as emissoras que a integram dispõem de tempo na sua grade de programação para veicular programas de interesse da sociedade, sem nenhum viés comercial, no sentido de garantir patrocinadores. CIFUENTES (2002: 131) tenta dar resposta a essa questão – "Por que uma televisão pública? Ou, dito de outra forma: por que é necessária a existência de canais que sejam de propriedade do Estado?" – por meio de três constatações:
"1) A expressão plural da diversidade que constitui a Nação. Por sua natureza, a empresa privada tem opção legítima de expressar o ponto de vista dos seus proprietários, isto é, de um setor da sociedade, com exclusão dos outros. Na medida em que o setor, pelas suas características técnicas e econômicas, não admite uma ampla diversidade de emissoras, a televisão pública se justifica para se constituir em garantia de expressão de diversidade; 2) A cobertura nacional e a expressão descentralizada da comunidade nacional. Embora a empresa privada tenha interesse numa cobertura ampla, para conseguir grandes audiências, não está interessada em investir para chegar até áreas muito afastadas e de pouca densidade populacional, porque a instalação e manutenção dessa cobertura não geram margens econômicas positivas; no entanto, chegar a esses locais faz parte do compromisso estabelecido na missão da televisão pública. Por outro lado, as tecnologias de transmissão favorecem a centralização da atividade em um grande centro produtor e emissor, e essa é a opção natural para a empresa privada. A televisão pública, quer através de canais regionais autônomos, quer através de centros regionais integrados à rede nacional, pode reverter essa tendência, abrindo espaços para a presença de todas as regiões do país; 3) A experimentação, inovação e atenção aos públicos minoritários. A economia da TV tende a privilegiar as grandes audiências. A opção lógica de qualquer canal de televisão é privilegiar os gêneros e estilos de programação de maior demanda e com formatos comprovados, mas isso tende a padronizar a criação e tornar monótonas as grades de programação. A televisão pública pode e deve se esforçar para atender à demanda de públicos minoritários. Essa linha de ação não exclui atrair públicos maciços para estes novos programas e deve ser implementada na medida que garanta a viabilidade econômica a longo prazo do projeto" (CIFUENTES, 1999:132).
As emissoras que integram a Rede Pública de Televisão, mantida pela Abepec, têm tentado apresentar um telejornalismo identificado com as questões regionais, no sentido de mostrar o Brasil em todas as suas cores e diversidades. Nas coberturas de eventos que têm abrangência em todo o País, como as eleições, a Rede Pública busca a diferenciação das emissoras comerciais, incluindo na sua faixa de interprogramas (intervalos), programetes de até dois minutos, em que presta um serviço sobre a importância do voto, sobre a escolha de candidatos que defendem os interesses públicos e da comunidade, e sobre a escolha de candidatos que defendam suas propostas sem a necessidade de dar algum objeto em troca para conquistar o eleitorado, entre outras questões. A Rede Pública tem na realização de programas de debates locais outro importante diferencial das emissoras comerciais. Em programa de rede nacional, há uma preocupação em fazer debates com os candidatos locais, no sentido de mostrar a todo o País as propostas dos candidatos regionais.
Jorge da Cunha Lima, como presidente da Abepec, nos inúmeros encontros de dirigentes das emissoras associadas, tem afirmado que a TV Cultura procura enfrentar a irritação dos assessores do Governo de São Paulo, ao diferenciar a cobertura dos atos da administração do Estado. Em vez de enviar uma equipe para cobrir a solenidade de assinatura da construção de uma nova rodovia, o Departamento de Jornalismo desloca a equipe para uma área por onde passará o traçado da nova rodovia, ouvindo motoristas de caminhões, ônibus e automóveis para saber a opinião deles sobre a necessidade ou não da obra no fluxo de veículos; ouvindo moradores da região, sobre a necessidade da nova estrada para o seu dia-a-dia. A argumentação é simples: à sociedade interesse os benefícios que receberão com aquele ato do governo. Outro diferencial do jornalismo da TV Cultura é a contextualização de um acontecimento, de um evento ou do registro de um fato que tenha repercussão entre as pessoas. Por exemplo, no conflito entre Israel e os palestinos, o jornalismo procura sempre dar enfoque à disputa histórica entre judeus e palestinos pela área territorial, mostrando ao telespectador as razões e motivos dessa guerra onde o perdão e o entendimento não são conjugados, porque a nenhuma das partes interessa o diálogo, mas mostrar a sua resistência, seu poderio militar e sua força.
Terceira via
LIMA (2002: 339) tenta explicar o diferencial da emissora que dirige: "Sem nenhum farisaísmo com relação ao noticiário produzido pelo jornalismo das TVs comerciais, mais afeito ao mercado, e pelo jornalismo estatal, mais afeito à propaganda dos governos, a TV Cultura procura uma terceira via, a do jornalismo público (…) Basicamente, trata-se de um jornalismo voltado para os interesses da sociedade e do telespectador, mas analítico, menos emocional, com mais reflexão. Nem mais nem menos ético do que os outros formatos, apenas com uma ética pública, republicana. Esperamos que tal jornalismo ajude a sociedade a exigir das instituições e dos Poderes que eles pratiquem um trabalho regular em benefício do povo e não façam da exceção e da pressa a razão de ser de sua própria exposição".
A TV no Brasil nasceu sob o caráter comercial, quando o empresário Assis Chateaubriand, no dia 18 de setembro de 1950, inaugurou a TV Tupi Difusora de São Paulo, que deu origem à Rede Tupi de Televisão (extinta em 1980). O rádio exerceu uma enorme influência sobre a TV, pois as principais atrações dos programas televisivos eram as atrações do rádio. O governo gederal formalizou, por meio do Ministério da Educação e Cultura, o pedido de reserva de 100 canais de televisão para fins educativos, em julho de 1965. MATTOS (2002:181), explica que em fevereiro de 1967, o Decreto-Lei 236, do Governo Federal, modifica o Código Brasileiro de Telecomunicações. Entre outras medidas, proíbe as TVs educativas de fazer qualquer referência comercial e citar patrocínios e definindo que as emissoras educativas só poderiam transmitir aulas, conferências, palestras e debates de cunho educativo. O primeiro canal educativo a funcionar foi o da TV Universitária do Recife, em 1968, da Universidade Federal de Pernambuco. A TV Cultura de São Paulo foi vendida, em 1969, por Assis Chateaubriand ao Governo paulista, que assumiu seu caráter educativo. Atualmente, existem 19 emissoras educativas e culturais no País.
Ao historiar o surgimento da TV no País, MATTOS (2002: 50) lembrou que a elite brasileira se viu obrigada a buscar novas alternativas de entretenimento, com a proibição do jogo no Brasil. A Televisão surgiu com essa opção. O autor relata o caráter comercial da TV, com base em dados elaborados pela Associação Brasileiras das Emissoras de Rádio e Televisão (Abert), de julho de 2000: todas as 286 emissoras geradoras (que podem produzir e exibir sua própria programação) e as 8.484 retransmissoras em funcionamento até essa data estão sediadas em áreas urbanas. "Suas programações são dirigidas às populações urbanas, são orientadas para o lucro (com exceção das estatais e educativas). Seu controle acionário está concentrado nas mãos de poucos grupos familiares e funcionam sob o controle da legislação existente para o setor. Além disso, a televisão brasileira é fortemente dependente de verbas publicitárias, alocadas principalmente pelas agências de publicidade" MATTOS (2002: 50).
Em 2000, segundo dados da Associação Brasileiras das Agências de Propaganda (Abrap), o bolo publicitário do País somou R$ 18 milhões, 60% dos quais destinados para as emissoras de televisão. A Rede Globo ficou com mais de 60% desse total. As emissoras educativas e culturais reivindicaram 3% do orçamento do Governo Federal para publicidade, com base no índice médico de audiência alcançado pelas TVs educativas, conforme o índice de audiência do Ibope. Mas essa reivindicação acabou não se concretizando nesses termos. O Governo incluiu a mídia das TVs educativas, através da TVE do Rio de Janeiro e da TV Cultura de São Paulo. Isso representou cerca de R$ 2 milhões para a Rede Pública de Televisão, cuja verba foi rateada para as 18 emissoras associadas da Abepec, com base no índice econômico e social de participação dos Estados, definido pelo IBGE.
Esses recursos deram novo alento às TVs educativas e culturais, porque se somaram a outras receitas próprias, obtidas com apoios culturais e patrocínios de programas. Isso permitiu que algumas emissoras dispusessem de uma verba mínima para fazer investimentos básicos: adquirir câmaras digitais para estúdio e para equipe externa, ilhas de edição, mesa de corte. Foi o caso da TV Ceará, que atua desde março de 1974 no Estado. A emissora é mantida pelo governo estadual, com um orçamento de R$ 5,9 milhões anuais, destinados para o custeio administrativo (despesas com energia, telefone, compra de material de consumo, pagamento de serviço terceirizado, etc) e folha de pessoal. O Estado não tem destinado, nos últimos anos, recursos para renovação do seu parque técnico. A aquisição de novos equipamentos só foi possível com as chamadas receitas operacionais, obtidas com a prestação de serviços e os repasses da Rede Pública de Televisão.
Nos últimos anos, a direção da emissora vinha defendendo uma mudança institucional, para permitir que a emissora funcionasse como um veículo de comunicação, quebrando as barreiras da burocracia pública. Como a prioridade do Governo anterior era com outros setores, o processo ficou em ritmo de espera. Uma nova proposta foi encaminhada ao atual Governo, no primeiro semestre de 2003. As perspectivas indicam que até o início de 2004 as sugestões sejam encaminhadas, por meio de projeto de lei do Governo do Estado, à Assembléia Legislativa. A idéia preliminar, sugerida por um grupo de estudos, era da criação de uma organização social, que faria um contrato de gestão com o Governo do Estado, garantindo o financiamento, para administrar a emissora. Com isso, a TV Ceará passaria a contar com um Departamento de Jornalismo, com um maior número de profissionais e nova qualificação, para tentar produzir e difundir o jornalismo de TV pública, conforme os parâmetros defendidos pelos seus autores.