CHÁVEZ
Leandro Fortes
Saudades do comunismo
‘Não deixa de ser engraçado – e emblemático – o pavor físico que a presença de Hugo Chávez na presidência da Venezuela provoca numa quantidade razoável de colunistas e analistas de aleatoriedades políticas que abundam na imprensa brasileira. De certa forma, o chavismo veio suprir a lacuna deixada pelo comunismo como doutrina do medo, expediente muito caro à direita no mundo todo, mas que no Brasil sempre oscilou entre o infantilismo ideológico e o mau caratismo. Antes do fim dos regimes comunistas da União Soviética e de seus países satélites, no final dos anos 1980, era fácil compor um bicho-papão guloso por criancinhas, ateu e cruel, prestes a ocupar condomínios de luxo com gente grosseira e sem modos, a mijar nas piscinas e sujar o mármore dos lavabos com graxa e estrume roubado a latifúndios expropriados. Ao longo dos anos 1990, muita gente ainda conseguiu sobreviver fa lando disso, embora fosse um discurso maluco sobre um mundo que não mais existia. Entende-se: certos vícios, sobretudo os bem remunerados, são difíceis de largar.
No vasto império da América do Norte, onde o fim do comunismo também foi comemorado como o fim da História, os falcões republicanos perceberam de cara que seria inviável continuar a assustar os eleitores com o fantasma débil e inacabado da ditadura de Fidel Castro, esse sujeito que, incrivelmente, ainda faz sujar as calças dos ruralistas brasileiros e de suas penas de aluguel. Por essa razão, e para manter azeitado o bilionário negócio de venda de armas, os americanos inventaram a tal guerra contra as drogas, cujo resultado prático, duas décadas depois, vem a ser o aumento planetário da produção e do consumo de todo tipo de entorpecente, da maconha às super anfetaminas. O Brasil, claro, embarcou na mesma canoa furada, quando, assim como no resto da América Latina de então, o presidente Fernando Henrique Cardoso decidiu militarizar o comando do combate às drogas no país – o que, aliás, não mudou muito. Na Secretaria Nacional de Políticas Antidrogas (Senad), da Presidência da República, reina soberano, desde o governo FHC, o general Paulo Roberto Uchoa.
George W. Bush usou o medo do terrorismo para também suprir a ausência da ameaça comunista, embora não tenha sequer tido o cuidado de mudar os métodos, baseados na mentira e na tortura, nem sempre nessa ordem. Assim foi, desde os atentados de 11 de setembro de 2001, com as invencionices sobre as armas de destruição de massa do Iraque e a prisão de Guantánamo, em Cuba, uma espécie de Auschwitz hightech. Ao sul do Equador, consolidou o tal Plano Colômbia, um desaguadouro de dólares cujo pretexto é o combate às drogas, embora qualquer índio isolado da fronteira saiba que o país de Gabriel García Márquez se tornou um estado preposto dos EUA, um Israel sulamericano. No fim das contas, uma estratégia para se opor ao ‘perigo chavista’, embora não haja nenhum argumento realmente sério que sustente essa novíssima e encomendada paranóia tão bem nutrida pelas elites locais.
O mote agora, replicado aqui e acolá por analistas apavorados, é a sombra de Hugo Chávez sobre Honduras, onde um golpe de Estado passou a ser descaradamente justificado nesse contexto. Graças aos golpistas, visivelmente uma elite branca e desesperada, como aquela que faz manifestações trajando jogging em Caracas, o chavismo teria sido abortado em Honduras, antes que virasse coisa como a Bolívia, o Equador e o Paraguai – ou seja, repúblicas perigosamente dominadas por governos populares. São os novos comunistas, revolucionários da pior espécie porque, justamente, abriram mão das revoluções para tomar o poder pela via do voto, da democracia. E, pior, muitos são cristãos.
Quando tucanos e pefelistas se mobilizaram, inclusive à custa de compra de votos, para aprovar o projeto de reeleição de FHC, em 1997, os editoriais e colunas da mídia nacional se desmancharam em elogios e rapapés. Saudaram a quebra da regra eleitoral como um alento à democracia e condição essencial à continuidade do desmonte do Estado e à privatização dos setores estratégicos da economia, a qualquer custo. Quando o assunto é Chávez, no entanto, qualquer movimento institucional, todos previstos nas regras constitucionais da Venezuela, é golpe. Reeleição? É golpe. Plebiscito? É golpe. TV pública? É golpe. Usar o dinheiro do petróleo em projetos populares? Isso, então nem se fala: é mais do que golpe, é covardia.
As tentativas de re-reeleição de Álvaro Uribe, na Colômbia, contudo, ainda passeiam no noticiário brasileiro como ‘nova reeleição’ do corajoso cruzado contra os narcoguerrilheiros das Farc. No Brasil, a simples insinuação de que Lula pudesse querer o mesmo virou o ‘golpe do terceiro mandato’. Em Honduras, as multidões contrárias ao golpe contra o presidente Zelaya são chamadas de ‘manifestantes contrários ao governo interino’. Mais ou menos o que acontece com a resistência iraquiana à invasão das tropas americanas, cujos membros foram singelamente apelidados de ‘insurgentes’ pelo jornalismo nacional.
Os tempos do anticomunismo eram estúpidos, mas pelo menos a gente sabia do que os idiotas tinham medo, de verdade.’
POLÍTICA
Mino Carta
O incerto favor dos grandes
‘Pergunto aos meus botões se não seria o caso de Fernando Collor, o senador ex-presidente da República, reconsiderar suas apreciações negativas a respeito da mídia nativa. Advogado da causa de um colega da nossa Câmara dos Lordes, também ex-primeiro mandatário, o nunca assaz falado José Sarney de quem já foi desafeto, tem razões contingentes para suas atuais manifestações.
Não lhe caberia recordar, contudo, que a mídia nativa tanto se empenhou para guindá-lo ao trono vinte anos atrás? E quem cunhou, então, a definição ‘caçador de marajás’? A revista Veja, algo assim como a vanguarda de um sistema de comunicações que chegaria ao clímax com a manipulação do debate final entre Collor e Lula no estúdio global pelas mãos sagradas do nosso colega Roberto Marinho, hoje nome de um conjunto viá-rio de São Paulo batizado pela ex-prefeita Marta Suplicy, petista da gema.
À época, a mídia foi muito além de generosa com Fernando Collor. Ou, diria ele, justa? Haverá quem se apresse a lembrar que em 1992 o abandonaria ao seu destino em nome de mazelas inomináveis. Aí a rapaziada excitada pela emissora do doutor Roberto sairia às ruas de cara pintada para exigir o impeachment. Assim se escreve a história do Brasil, pobre Brasil e fajuta história.
Se houver marajás, sabemos perfeitamente onde encontrá-los. São sultões, emires, xeques. A raia miúda, dos serviçais, está em outro nível, muito distante. Mas é nesta que mira a mídia, nunca seus patrões. Já os meus botões são dados a citações em latim, e soletram repetita juvant, as repetições ajudam.
Em novembro de 1990, sete meses depois da posse de Fernando Collor, a IstoÉ que eu então dirigia publicou uma vasta reportagem de capa assinada pelo redator-chefe Bob Fernandes, sobre as aventuras de PC Farias, o Richelieu do presidente. Bob passara dois meses na tocaia do cardeal, e alinhavava em várias páginas tudo aquilo, absolutamente tudo, que um ano e meio após o irmão de Collor, Pedro, diria em entrevista à Veja.
Os leitores não padecerão de espantos agudos ao saber, se já não imaginam, que ninguém repercutiu a reportagem de IstoÉ, bem ao contrário do que se deu com a entrevista de Pedro Collor. Insisto, um ano e meio depois. A única novidade ali eram os supositórios de cocaína. Na opinião dos graúdos, é evidente, em fins de 1990 o caçador de marajás ainda não passara da conta.
Recordemos, entretanto, que, a despeito do irmão recalcado e loquaz, a mídia se conformava, na proximidade do segundo semestre de 1992, com o definitivo enterro do episódio. Pedro não tinha provas e a CPI montada a partir das suas denúncias não conseguira encontrá-las. Em compensação, a sucursal de Brasília de IstoÉ, chefiada por João Santana, havia localizado o motorista Eriberto França e os documentos que provavam a ligação entre a Casa da Dinda e PC Farias.
Santana e eu entrevistamos Collor no Planalto em uma manhã de fim de junho. Sabíamos o que o esperava, levamos a situa-ção como se não soubéssemos. Pois é, jornalistas às vezes são inconfiáveis. Deu-se, porém, que no sábado seguinte, quando IstoÉ foi às bancas, tanto com a entrevista presidencial quanto com as provas apresentadas por Eriberto, a mídia foi forçada a ir atrás. Deu no que deu, como se diz.
Hoje Fernando Collor está ao lado de José Sarney e, portanto, de Lula. Coisas da realpolitik. Como de hábito a mídia nativa empenha-se até o último sangue contra o ex-metalúrgico que se tornou o presidente em todos os tempos mais popular do Brasil. Donde, contra quem ela aprovou e apoiou, em outras situações, de Sarney a Collor. A nossa mídia não pratica o jornalismo, porta-se de verdade como facção política. Patéticos são os seus donos e apaniguados – sabujos, jagunços, escravos – a afirmar terem independência, equidistância, pluralismo etc. etc.
A realpolitik obriga a alianças daninhas em um país de outra forma ingovernável, onde em lugar de partidos há clubes recrea-tivos voltados a interesses de casta. Mesmo assim, a mídia vende a ideia de que varões de Plutarco existem sim, sobretudo os dotados de asas inúteis, incompetentes para o voo. Talvez fosse da sua conveniência deter-se na observação do semblante hodierno do senador Arthur Virgílio.’
CORÉIA DO NORTE
Redação CartaCapital
Bill Hermes Clinton
‘Bill Clinton no papel de Hermes do Olimpo da Casa Branca, sob os imagináveis auspícios da mulher Hillary, secretária de Estado.. Missão cumprida na Coreia do Norte, ‘Estado canalha’, na definição de Bush júnior quando presidente. Coube a Clinton conseguir do ‘caro líder’ Kim Jong-il o perdão para duas jornalistas americanas de origem oriental, presas na fronteira das duas Coreias em março passado e condenadas a doze anos de trabalhos forçados.
Euna Lee, 36 anos, e Laura Ling, 32, trabalham para a Current TV de São Francisco e foram surpreendidas pelos militares norte-coreanos enquanto realizavam uma reportagem sobre clandestinos que atravessam a fronteira em busca de asilo e comida no sul. Clinton chegou a Pyongyang em voo fretado, foi recebido pelo vice-ministro do Exterior, jantou com o ‘caro líder’ e enfim partiu levando as jornalistas de volta.
Segundo a agência oficial norte-coreana KNCA, a graça concedida configura ‘perdão especial, manifestação da política humanitária e pacifista da Coreia do Norte’. Diz ainda que Clinton teria apresentado a Kim Jong-il uma ‘mensagem verbal’ do presidente Obama. A Casa Branca desmente. Certo é que a presença de Clinton em Pyongyang foi exigência da diplomacia norte-coreana.
Resta ver quem mais se beneficia com a operação resgate, além das jornalistas liberadas. Talvez convenha mais ao ‘caro líder’ do que ao Olimpo americano.’
ITÁLIA
Redação CartaCapital
Complexo de Édipo
‘Entrevistada por Vanity Fair, edição italiana, a filha de Silvio Berlusconi, Barbara, disse não endossar a ideia de que ‘um político possa permitir-se diferenciar sua vida pública da privada’. Loira, 25 anos, formada em filosofia, mãe de dois meninos, o segundo nascido a 13 de julho passado, é filha do segundo casamento do premier com a ex-atriz Veronica Lario. Depois da referência aos escândalos que envolveram recentemente Berlusconi, lamenta o divórcio dos pais.
‘Um valor e uma realidade estão sendo esmigalhados’, afirmou. No dia da publicação da Vanity Fair, 5 de agosto, a agência Ansa divulgou uma breve declaração de Barbara: ‘Peço que minhas palavras não sejam instrumentalizadas e extrapoladas do contexto, respeito-o como pai e como político’. É improvável que venha a ser atendida.’
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