Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Terra Magazine

AMÉRICA LATINA
Equipe Terra Magazine

Fundação avalia jornalismo na América Latina

‘Os números da Fundación Nuevo Jornalismo Iberoamericano (FNPI), criada em 1994 pelo escritor e jornalista Gabriel García Márquez e alguns amigos, são grandes: mais de 6.500 jornalistas ibero-americanos participaram das suas oficinas; cerca de outros 600 participaram de um prêmio de crônicas que teve duas chamadas; mais de 850 estudantes e repórteres tiveram suas perguntas respondidas no Consultório Ético; os livros da sua coleção editorial são vendidos aos milhares em toda a região ibero-americana. Resultados pouco modestos para algo que o colombiano, Nobel de Literatura em 1982, imaginou simplesmente como um espaço onde os veteranos do ofício incentivariam os novos repórteres ‘em mesa redonda com exercícios práticos, para lhes transmitir as suas experiências na carpintaria do ofício’.

No próximo sábado, 28 de fevereiro, quando do encerramento da convocatória do Prêmio Novo Jornalismo Cemex+Fnpi, novos números refrescarão este registro: mais de 5.000 postulantes nas primeiras sete convocatórias, cujos ganhadores e finalistas receberam, além do reconhecimento profissional, US$ 660 mil como recompensa financeira, oferecidos pela multinacional mexicana do cimento Cemex.

Terra Magazine falou com o colombiano Jaime Abello, co-fundador da FNPI e seu diretor geral desde o início, sobre o prêmio, de García Márquez, do jornalismo ibero-americano e da irrupção, que já se encaminha para a onipresença da internet no mundo jornalístico.

Leia a entrevista na íntegra:

O que significa este prêmio para o jornalismo da América Latina, após oito convocatórias?

Jaime Abello – Depois de oito convocatórias o Prêmio Novo Jornalismo CEMEX+FNPI transformou-se em uma altíssima referência de qualidade e em um observatório de novos talentos e tendências para o jornalismo ibero-americano em geral, não apenas na América Latina hispânica falante, mas também nas comunidades latinas da América do Norte, Espanha e Portugal.

É um espaço de intercâmbio, de conhecer o que está sendo feito no jornalismo da América Latina e Caribe, que são semelhantes e que utilizam duas línguas que se misturam e de tradição comum como são o espanhol e o português.

Além de estabelecer referências de qualidade, também reconhece de maneira específica e individual os trabalhos e os jornalistas, além de servir para analisar quais são os assuntos mais trabalhados e também para conhecer os interesses e as preocupações dos jornalistas quanto à agenda em relação à crônica e a reportagem, que são os gêneros mais presentes no concurso.

A Espanha pode participar, mas, até agora, além de homenagens, nunca ganhou um grande prêmio do concurso: Saberia explicar o porquê disto? E, nesse mesmo sentido: Como comparar a qualidade do jornalismo latino-americano com o espanhol?

Até agora a Espanha não ganhou nenhum prêmio do concurso basicamente por participar há pouco tempo, e também pelo fato da Fundación ter se concentrado mais em divulgar o Prêmio na América Latina. Ainda demorará um pouco até que os espanhóis incorporem esta iniciativa como nos outros países ibero-americanos.

Sobre a qualidade do jornalismo latino-americano e do espanhol, posso dizer que são jornalismos diferentes, apesar de utilizarem uma língua comum que é o espanhol e o mesmo pode ser dito sobre Portugal em relação ao Brasil.

A diferença está nas condições políticas e sociais desses países europeus comparados com a América Latina. O jornalismo acontece em uma realidade sócio-política que é muito diferente da realidade da península comparada com a América Latina, eu diria que aí reside a principal diferença, além de ser um jornalismo de mais posicionamentos, de opinião de ideologias e por isso, às vezes, vemos que existem fortes polêmicas entre jornalistas e a mídia na Espanha. Existe maior competição, competição que também busca dominar mercados em função de identidades políticas, havendo mídias competindo pelo mercado da centro-esquerda, e outros pelo mercado da centro-direita.

Na América Latina me parece que é diferente, o contexto é na direção de lideranças mais enraizadas nas grandes cidades onde dominam mídias líderes e grandes.

O Brasil, de outra forma, é permanente finalista e vencedor em diferentes categorias do concurso. No Brasil existe a tendência de ser feito um jornalismo melhor do que é feito dos demais países do continente? O que explica sua grande quantidade de finalistas e vencedores?

O Brasil é permanente finalista e vencedor nas categorias do concurso, isso está relacionado à situação demográfica, geográfica e à pré-eminência que tem o país no contexto ibero-americano. O Brasil representa a metade da região ibero-americana em termos de população, então é legítimo e justo que quantitativamente lhe caiba o sucesso, mas também é comprovado que no Brasil se faz um jornalismo da mais alta qualidade, eu acredito que esteja relacionado ao grau de desenvolvimento gerado a partir dos espaços metropolitanos como São Paulo e Rio de Janeiro que têm uma linguagem jornalística moderna e outros elementos que considero associados ao tamanho do mercado. O jornalismo do Brasil é mais profissional, ou seja, os jornalistas dedicados ao ofício circulam menos entre o jornalismo e outras profissões já que por existirem mercados maiores e mais audiência, existe mais compra e consumo de mídias, o que faz com que existam empresas de mídia mais fortes e, por sua vez, no lado econômico, que os seus empregados tenham melhores condições de trabalho. Eu acho que este é o grande motivo, além da modernização do mercado brasileiro.

Gabriel García Márquez, o fundador da FNPI, participou de todas as cerimônias de entrega do prêmio em Monterrey, México. Ele já confirmou a sua presença neste ano? Como está a sua relação com a FNPI?

Gabriel García Márquez já confirmou a sua presença, contamos com ele como em todos os anos. Ele é um inspirador e a alma da fundação. Ele teve a idéia primordial das oficinas e eu, como co-fundador deste projeto, penso que a clareza com que definiu a missão nos serviu para manter o foco, mas ele não é apenas uma inspiração, é o presidente e daí que vem a sua participação direta. Ele também preside a diretoria da fundação com a qual se reúne anualmente, também nos acompanha em Monterrey e, para mim, é um consultor atuando como diretor executivo em assuntos cruciais, complicados e que também demandam imaginação. Ele tem esse triplo vínculo inspirador, presidente em exercício e consultor do diretor executivo.

Devido à idade, lamentavelmente, já não organiza oficinas, mas contamos com ele para as demais atividades.

Quando a fundação começou a funcionar em 1995, a internet como fonte de notícias era apenas um embrião, hoje parece caminhar até a onipresença. Como a fundação vê esta sacudida?

A fundação, em um determinado momento, assume essa espécie de onipresença da internet como algo perfeitamente factível. A internet deve ser vista por um lado como veículo e por outro, como linguagem. Como veículo a mídia seria perfeitamente válida e em algum momento seriam premiados trabalhos jornalísticos de rádio ou televisão que usaram como meio de difusão a internet. Já concedemos alguns prêmios em fotografia e também em textos publicados somente na internet sem uma versão impressa. Deste ponto de vista o fator onipresença é real e tem avançado cada vez mais. Agora, do ponto de vista da linguagem original para a internet, consideramos que a expressão criativa e profissional nessa mídia ainda tem muito caminho pela frente na América Latina, existem aqui vários fatores que se fundem, por exemplo, o aspecto tecnológico.

É muito importante utilizar os diferentes tipos de software e ferramentas de design que vão surgindo, mas, às vezes, existe mais fascínio tecnológico do que aproveitamento pleno das possibilidades oferecidas por essas ferramentas.

A categoria de internet refletiu essas mudanças na lógica da produção de noticias?

A internet requer formas de trabalho em equipe e no final também torna-se um enorme desafio na medida em que está obrigando muitos jornalistas que não são nativos das mídias digitais, mas da geração anterior, a um processo de adaptação e transição que gera um desafio pessoal, ou seja, jornalistas que precisam aprender a fazer vídeos, que têm que aprender a dominar não apenas o teclado, mas todo o aparato de ferramentas, então, ainda estamos no meio do processo de mudança. Felizmente conseguimos premiar trabalhos muito bons.

Existe um enorme campo na América Latina para ver criações jornalísticas e quando falo de ‘criação’ destaco este aspecto que não é apenas de manuseio da informação, mas a maneira que se vai dispor de linguagem multimídia usando uma rica quantidade de recursos e possibilidades que ainda não foram totalmente exploradas.

Então temos um futuro interessante e para nós a internet não é uma ameaça, ao contrário, é um mar de possibilidades.’

 

 

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