‘Despeço-me hoje dos internautas do iG. O diretor da empresa, Paulo Narcelio, comunicou a dispensa informando que os proventos deste ombudsman não eram compatíveis com a nova realidade salarial vigente no iG. Segundo Narcelio, o trabalho feito não será perdido. Um outro profissional vai ser convidado a ocupar a função.
Agradeço a todos que me honraram com suas críticas e elogios, apoiando a criação, desde junho de 2007, do primeiro posto de ombudsman da internet mundial. Depois de vingar no iG, a iniciativa já foi adotada por outros portais, expressando e estimulando a busca de procedimentos éticos mais corretos e de mais rigor na busca da qualidade. A todos os colegas do iG que se empenham nessa direção, em especial à minha dedicada assistente Juliana Venancio, desejo felicidades.
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A auto-mutilação do jornalismo (16/2/09)
O caso da brasileira Paula Oliveira, 26 anos, supostamente atacada por neonazistas na Suíça, na segunda-feira passada, dia 9 de fevereiro, recebeu cobertura repleta de falhas de técnica jornalística, cometidas pelo Último Segundo, a área jornalística do iG. Em decorrência das violências que a brasileira teria recebido, Oliveira, grávida, segundo sua família, teria perdido os bebês que esperava.
Especialmente nos primeiros dias, o iG acreditou e endossou inteiramente as informações de que Paula fora atacada por fanáticos xenófobos de extrema direita. Também reproduziu sem críticas as informações e posicionamentos do governo brasileiro em apoio às versões de Paula e de sua família.
Somente quando a polícia suíça, baseada em exames e laudos de médicos e legistas, afirmou que se tratava de uma mutilação auto-provocada, o Último Segundo passou a adotar uma atitude mais distanciada e cautelosa. Só aí passou a citar as fontes e adotar princípios básicos do jornalismo, como o de jamais afirmar a existência de um fato sem checar a sua existência de maneira rigorosa e independente. Jamais acreditar inteiramente nas primeiras versões. Duvidar de tudo, ressaltando as incertezas existentes em torno de qualquer evento. Usar sempre adjetivos acauteladores, como ‘suposto’, até que se tenha absoluta certeza de que um fato realmente ocorreu.
Agora, depois das negativas da polícia suíça (tanto de que Paula tenha sido atacada por xenófobos, quanto de ela estivesses grávida e abortado), o fenômeno se inverte. O Último Segundo passou a reproduzir de maneira pouco crítica as versões da polícia suíça, que vem, como ressalta o colunista Regis Bonvicino, adiantando conclusões da investigação, de forma a desacreditar Paula Oliveira. Segue abaixo, numa cronologia da comédia de erros, com as omissões de fontes e de informações relevantes ao caso.
Quarta-feira, 11 de fevereiro
O iG publica a notícia com o titulo tachativo: ‘Brasileira grávida de gêmeos é atacada na Suíça’. O texto aceita integralmente uma versão como se fosse o fato: a brasileira foi atacada. O texto, além disso, não deixa claro quais as fontes em que se apóia. São informações de agências? Quais? Brasileiras ou estrangeiras? A notícia jamais usa a palavra ‘suposto’ nem nenhum correlato. Nem suposto ataque, nem suposta gravidez, nem suposto aborto. Não há também qualquer ‘outro lado’, com a versão da polícia suíça, por exemplo.
Quinta-feira, 12 de fevereiro
Ainda sem o lado suíço, o iG destaca nota da governista Agência Brasil (‘Brasileira agredida na Suíça é internada novamente’). Texto da BBC Brasil afirma que a agressão existiu (‘‘Caso de agressão na Suíça é grave e chocante’, diz Amorim’), com as declaração de Celso Amorim sobre o caso e da redação. A Agência Estado traz informações sobre o partido suíço cujas siglas teriam sido marcadas na brasileira por supostos neonazistas. Esta última nota traz uma remissão que já dava como certeza que o ato estava ligado à xenofobia: ‘Relatório mostra que racismo e xenofobia estão acentuados na Europa’. O mais absurdo, porém, é que o relatório é de maio de 2007!
Sexta-feira, 13 de fevereiro
Começam as surgir as primeiras dúvidas sobre a existência da agressão. Só na manhã de sexta-feira, com base em informações da imprensa suíça, o iG destaca notícia da BBC Brasil: ‘Imprensa suíça levanta dúvidas sobre o caso da brasileira’. O relato no condicional surge somente após uma entrevista coletiva dada pela polícia suíça, obtida pelo iG por meio de agências internacionais (não identificadas na reportagem): ‘Brasileira ferida na Suíça não estava grávida, diz polícia’. O ‘outro lado’ finalmente recebe espaço dentro da reportagem.
Sábado, 14 de fevereiro
A essa altura, a tendência tinha virado no sentido oposto. Há uma tendência a demonizar Paula, sua família e até o governo brasileiro. Não há menções ao fato de que, nos dias anteriores, o iG havia concedido status de verdade à versão de Paula. O iG agora reproduz a repercussão do caso com notícias atribuídas à Agência Estado: ‘Pai de Paula Oliveira ameniza críticas da polícia suíça’ , ‘Jornal suíço contra-ataca e diz que Brasil é xenófobo’ e ‘Paula pode ser indiciada se atestada farsa, diz oficial’.
Domingo, 15 de fevereiro
Ainda baseada em informações de ‘agências’ não identificadas e com o relato requentado de uma entrevista dada ao Fantástico, da Rede Globo, o iG noticia somente que ‘Itamaraty pode ajudar a tirar Paula da Suíça’.
Hoje, 16 de fevereiro
Em mais um dia de reportagens escassas, o tema tende a sumir da capa do portal. O iG noticia que ‘Ato por brasileira ferida na Suíça é suspenso em Pernambuco’ e mantém em destaque notícia da véspera. Agora à tarde, engrossou com mais detalhes entrevista do pai de Paula, Paulo Oliveira, dada ao Fantástico. Um cozido do Blog do Noblat diz que a brasileira afirmou a maigos que pode ter abortado antes da suposta agressão.
Somente hoje, a opinião do iG falou sobre o caso com Régis Bonvicino e Observatório da Imprensa.
Desde o primeiro momento levantou-se a questão da xenofobia, sem aprofundá-la. Agora, questionada a veracidade da versão de Paula Oliveira, o caso toma outro rumo. Não está em questão se o iG tem ou pode ter acesso direto às fontes. Não tem e o problema principal nem é este. A questão é a inocência, a superficialidade e o fôlego curto desse tipo de jornalismo que falha nos princípios, cedendo facilmente ao sensacionalismo e a um instinto de manipulação e revanche nacionalista.
Se no começo comprava-se a versão da suposta vítima brasileira ataca em país estrangeiros por um grupo de covardes, intolerantes, agora predomina a fé nas versões ainda não confirmadas de policiais e da imprensa suíças.
Fazer jornalismo equilibrado é só aparentemente simples. É preciso ter firmeza de princípios para duvidar das versões, correr o risco de manter a serenidade, não atirar-se sofregamente para juntar-se ao coro de cegos que grita em uníssono. Requer distanciamento das emoções, ouvir antes sempre todos os lados envolvidos na notícia. O jornalismo é, portanto, o oposto do sensacionalismo.’