A imprensa está na pauta do governador reeleito do Paraná, Roberto Requião (PMDB). Ou melhor, na mira. Na primeira entrevista coletiva que concedeu após o resultado da eleição, Requião atacou diversos veículos da imprensa paranaense e nacional, ironizou jornalistas presentes e ausentes (citando-os pelo nome), acusou boa parte da imprensa de, deliberadamente, manipular notícias durante a campanha para prejudicá-lo, e culpou a mídia pelos pontos perdidos nas pesquisas de intenção de voto e pela pouca diferença com que se elegeu em relação ao adversário.
A eleição entrou para a história política do Paraná como a mais disputada entre candidatos a governador. No segundo turno, a diferença entre o peemedebista candidato à releeição e o adversário Osmar Dias, senador pelo PDT, foi de pouco mais de 10 mil votos, em um universo de cerca de 7 milhões de eleitores.
Entre abstenções, votos brancos e nulos, a diferença foi o equivalente a 0,2% dos votos válidos. Requião teve 50,1% dos votos e Osmar ficou com 49,9%. Mas as pesquisas de intenção de voto e de boca-de-urna davam vantagem de seis pontos percentuais para o governador.
Claque ensaiada
A coletiva, que aconteceu na tarde desta segunda-feira (30/10)) no Palácio Iguaçu, sede do governo do estado, foi marcada não apenas pelos ataques à imprensa. O governador reeleito praticamente não respondeu às perguntas dos mais de vinte jornalistas presentes e pouco falou sobre seu plano de governo. Para a coletiva, foram convocados dezenas de políticos, aliados e funcionários públicos, que funcionaram como claque: aplaudiam declarações de Requião e vaiavam jornalistas que tentavam fazer questionamentos mais contundentes.
Havia, também, um mestre-de-cerimônias comandando o evento. A coletiva abriu com um discurso de Requião. Depois, foram abertas as perguntas – uma de cada veículo teria sido o combinado. Tanto no discurso quanto nas respostas, Requião atacou nominalmente: o Grupo RPC (da TV Paranaense, jornal Gazeta do Povo e portal Gazeta do Povo Online); Folha de S. Paulo; Mari Tortato, da mesma Folha; Fernando Tupan, do Jornal do Estado; rádio CBN; os jornalistas Miriam Leitão e Pedro Bial; e até a TV Iguaçu – emissora local que pertence a um aliado político, Paulo Pimentel, que foi candidato ao Senado em dobradinha com Requião na eleição passada e depois diretor da estatal de energia Copel. Sobre a TV Iguaçu, o governador reeleito disse que ‘O Congresso (nacional) tem mais credibilidade que a TV Iguaçu’.
Ao ser questionado pela segunda vez pela jornalista Mari Tortato, da Folha de S. Paulo, Requião se irritou e a interrompeu dizendo que ela já havia perguntado. Mari rebateu que a assessoria dele havia autorizado a segunda pergunta. O governador disse que então ‘desautorizava’ a própria assessoria e deu a coletiva por encerrada.
Repercussão
A coletiva repercutiu rapidamente na imprensa, provocou reação do sindicato profissional (leia abaixo a nota na íntegra), e virou manchete de jornais nesta terça-feira (31/10). A Abert (Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e TV) distribuiu nota oficial onde também repudia a atitude do governador do Paraná. Na rádio CBN – que havia transmitido a entrevista na íntegra ao vivo – o jornalista Hudson José, especialista em marketing e política, e atual colunista da Gazeta do Povo, entrou logo em seguida para comentar. Ele disse ter ficado surpreso com o comportamento agressivo do governador em relação aos jornalistas presentes e veículos de imprensa em geral.
‘Requião surpreendeu. Todo o discurso do respeito, que estava na campanha, se perdeu no vazio. (A entrevista) foi um ato de desrespeito a toda a população do Paraná, ali representada pelos veículos de imprensa que estavam no local’, comentou o jornalista. Para ele, foi um ‘espetáculo feio para a democracia’.
Hudson lembrou que o histórico de lutas do PMDB, de Requião e seus aliados, contra a ditadura militar, pela liberdade de imprensa e pela pluralidade de informação, se transformou no contrário. ‘Eleição não é partida de futebol, em que torcidas opostas continuam brigando depois do jogo. A democracia não repete esse modelo. Na democracia, o dia seguinte é de conciliação, com a oposição trabalhando dentro de uma lógica responsável. Os brasileiros precisam de estadistas, pessoas dispostas a unificar e não dividir’, concluiu.
Intimidação
Já na manhã desta terça-feira, o âncora José Wille, da CBN Curitiba, voltou a repercutir o episódio. Wille disse que criou-se um novo tipo de evento no Paraná: a ‘showletiva’, com o governador ‘rodeado de áulicos e assessores’ para criar ‘intimidação nos jornalistas’. Wille disse que a coletiva vai entrar para a história do Paraná.
No mesmo debate, o comentarista político da CBN Curitiba, Luiz Geraldo Mazza, disse que nunca viu nada igual em seus 55 anos de jornalismo. Wille acrescentou que também, em 22 anos de profissão, nunca tinha presenciado nada ‘nesse nível’.
Mazza classificou a coletiva de ‘ato de truculência’, e de ‘fascismo’ as técnicas de Requião e sua equipe, de manter poder sobre pessoas e organizações pela intimidação. O veterano jornalista disse que a mídia paranaense, ao contrário do que sugere o governador, é até ‘complacente demais’ com os governos.
Mazza lembrou que, em comentário anterior na rádio, já havia alertado para esse tipo de coletiva ‘espetacularizada’ com claque – procedimento que já havia sido usado por Requião ainda durante a campanha e que foi ‘copiado’ pelo prefeito de Curitiba, Beto Richa, do PSDB, quando foi declarar apoio ao adversário de Requião no segundo turno.
Outros veículos
O portal Bem Paraná, do Jornal do Estado, entrou com matéria sobre a coletiva do governador reeleito logo depois do encerramento da entrevista. O título da reportagem publicada na internet diz que ‘Coletiva com o governador reeleito Roberto Requião é marcada por ataques à imprensa’. No texto, a informação inicial é de que o governador não respondeu a perguntas e aproveitou para atacar os veículos representados pelos repórteres.
O jornalista Roberto José da Silva, titular do Blog do Zé Beto, que também entra no portal do Jornal do Estado, também comentou o episódio no mesmo dia. O blog chamou atenção para a agressividade de Requião em relação à imprensa.
Já na rádio Bandnews, que transmitiu trechos da coletiva de Requião, a chamada para o programa local do fim da tarde destacou que na entrevista o governador ‘falou o que quis, do que quis e do jeito que quis’. A apresentadora Joyce Hasselman lembrou que o governador reeleito foi bastante irônico durante toda a coletiva. De acordo com ela, a coletiva pode ser resumida por uma única palavra: ‘ironia’.
No Jornal do Estado desta terça (31/10), a coletiva e os ataques de Requião à imprensa foram manchete. O mesmo aconteceu na Gazeta do Povo e na Gazeta do Povo Online, que publicou reportagem sobre a entrevista do governador no mesmo dia. Os dois veículos, e mais a TV Paranaense, divulgaram nota oficial da direção do Grupo RPC repudiando os ataques de Requião.
A Folha de Londrina mancheteou ‘Requião abre artilharia em coletiva’, no impresso e também no site.
Manifestação
Mas não foi apenas a coletiva do governador que caracterizou o dia de ataques à imprensa. Enquanto Requião concedia entrevista, manifestantes do PMDB promoviam uma manifestação na praça em frente à sede do jornal Gazeta do Povo, no centro de Curitiba.
Um caminhão de som chegou ao local por volta das 15h. Logo depois, alguns manifestantes, e mais quatro veículos da campanha à reeleição do governador, chegaram. O ato durou menos de duas horas e reuniu por volta de 60 pessoas.
Ao som de uma canção de Chico Buarque – ‘Apesar de Você’ – os manifestantes dançavam, agitando bandeiras do PMDB e cartazes com os dizeres ‘Requião 100%’.
O ato, segundo alguns participantes, era para comemorar a vitória de Requião e protestar contra o jornal, que, de acordo com eles, foi ‘parcial’ e teria trabalhado contra a reeleição do governador. Em alguns momentos, o caminhão de som transmitiu a entrevista do governador.
Sinal da cruz
Entre os participantes estavam o secretário de Educação Maurício Requião (irmão do governador) e o diretor do Instituto Ambiental do Paraná, Rasca Rodrigues. Maurício Requião não quis dar entrevista para o Grupo RPC. Ao saber de onde era a repórter que o abordou, fez o sinal da cruz. ‘Tenho que me benzer com vocês da Gazeta’, afirmou. Em seguida, declarou: ‘Para vocês, eu não dou entrevista’.
Samuel Gomes, advogado da Ferroeste e colaborador da campanha de Requião, disse que o ato serviu para manifestar a ‘indignação frente à forma parcial como Gazeta do Povo e RPC influenciaram a população nesta eleição’. Gomes disse que o Grupo RPC colocou apenas ‘a visão negativa’ sobre o governador Roberto Requião.
Para ele, não haveria problema se o jornal manifestasse ‘claramente sua opinião em editorial, informando ao leitor e eleitor sua posição favorável ao outro candidato. Isso seria lícito fazer’. De acordo com o advogado, ‘o que não é correto é usar a velha, enfadonha e enjoada manipulação deslavada dos fatos’.
Povo oprimido
Um dos líderes do movimento foi o ex-radialista e compositor Cláudio Ribeiro, ligado ao PMDB e, segundo ele mesmo, ‘diretor cultural’ do comitê de reeleição do governador Requião. Foi Ribeiro quem escolheu a música para embalar o ato e contagiar os participantes. De acordo com ele, a música de Chico Buarque ‘representa os anseios de um povo oprimido contra o arbítrio e a repressão’.
Questionado pela reportagem da Gazeta do Povo Online se o manifesto pagaria ao autor da canção e à gravadora os direitos autorais pela execução da música em praça pública, Ribeiro desconversou. ‘Eu sou compositor também, o Chico é meu amigo’, disse. ‘Toda música que representa os anseios populares é liberada pelo compositor’, completou, sem esclarecer se havia realmente pedido autorização para usar a canção de Chico. Em seguida, Ribeiro questionou se a reportagem da Gazeta Online ‘trabalhava para o Ecad’ (órgão de fiscalização e arrecadação de direitos autorais de artistas).
Confrontado com um papel em que estava xerocada a letra da canção de Chico Buarque, sem menção ao nome da música ou do autor – que havia sido entregue por um manifestante à reportagem logo no início do ato – Cláudio Ribeiro disse que ‘não era pra distribuir isso aqui’.
O papel havia sido distribuído para vários manifestantes e transeuntes pelo mesmo rapaz que depois, subiu no caminhão de som e ficou agitando bandeira do PMDB. Ribeiro tentou arrancar o papel da mão da repórter, mas como não conseguiu, foi ao microfone se defender e atacar mais uma vez a Gazeta do Povo.
Meia hora depois, mais uma vez se defendendo, Cláudio Ribeiro pegou o microfone para anunciar que havia ‘acabado de receber um telefonema da irmã do Chico Buarque, minha amiga, garantindo que podemos usar a música sem problemas’.
Jornalistas repudiam atitude de Requião
Nota do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Paraná
O Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Paraná vem a público repudiar de forma veemente a atitude desrespeitosa, truculenta e deselegante do governador Roberto Requião. Nesta segunda-feira, dia 30 de outubro, durante a sua primeira entrevista como governador reeleito, Requião ironicamente acusou e ofendeu profissionais da imprensa, como se estes fossem os proprietários dos veículos que representam.
Enfaticamente, colocou os jornalistas, que cobrem as atividades governamentais, em situação altamente constrangedora. Confundiu a atuação dos repórteres, como se fossem eles os responsáveis pelos desentendimentos do governo com os proprietários das empresas de comunicação. O governador, como jornalista, o que sempre afirma ser, esquece-se que o papel da imprensa é reportar à sociedade os fatos, tais quais se apresentam. Esquece-se também que todo cidadão que se sentir lesado, dispõe de meios legais para sua defesa. Entretanto, quando um homem público desrespeita uma classe, expondo os profissionais de forma vexatória num ato público, como ocorreu nesta segunda-feira no Palácio Iguaçu, coloca-se acima das instituições democráticas.
Esse tipo de atitude também extrapola o respeito ao ser humano. Até porque o governador, no exercício de sua função, levou para a sala de entrevista uma platéia de apoiadores, que a cada pergunta intimidava os jornalistas com vaias, aplausos e manifestações inoportunas.
O Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Paraná, além de repudiar as atitudes desairosas, sente-se no dever de recomendar aos profissionais, em virtude do ocorrido, que doravante tratem o governador, como servidor público que é – eleito e pago pelo povo -, exigindo dele a responsabilidade condizente com o cargo que exerce e, no mínimo, uma postura de respeito aos trabalhadores.
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Jornalista, Curitiba (PR)