Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Rita Célia Faheina

‘‘A liberdade de informação é cláusula pétrea da Constituição de 1988, e com ela supunha-se morta e enterrada a ignomínia da censura. Mas alguns magistrados não pensam assim. Preferem enredar-se em tecnicalidades jurídicas para praticar uma qualidade de censura togada que, por dever de ofício, deveriam repudiar. São decisões no mais das vezes inócuas, que algum tempo depois são derrubadas em instâncias superiores. Mas não deixam de ser um atentado à liberdade, contra o qual a imprensa tem o dever de se insurgir.’

A declaração é de Luiz Egypto, redator-chefe do Observatório da Imprensa. Ele se refere à censura prévia que O Grupo de Comunicação O POVO sofreu, na semana passada, sobre uma matéria que seria publicada na edição do último dia 21. O juiz plantonista Benedito Hélder Afonso Ibiapina assinou uma liminar proibindo o Grupo (jornal, TV, emissores de rádio e Portal Online) de divulgar informações sobre movimentações financeiras bloqueadas pela Justiça Federal numa operação realizada pela Polícia Federal contra o jogo do bicho. Caso publicasse a matéria com as informações apurados pelo repórter, O Grupo de Comunicação O POVO estava passível de multa diária de R$ 10 mil.

O juiz Benedito Hélder atendia a uma ação cautelar inominada movida pelos advogados do empresário João Carlos Mendonça que alegava sofrer o risco de ter seu sigilo bancário quebrado pela reportagem. Mendonça tentou sacar R$ 4 milhões da conta bancária de uma de suas empresas, mesmo estando com a movimentação financeira e os bens bloqueados.

O nome do empresário e o montante que pretendia sacar, barrados pela Justiça Federal, só se tornaram de conhecimento dos leitores na edição de O POVO da última sexta-feira, 27, uma semana após a censura prévia. Isso por despacho do desembargador Rômulo Moreira de Deus, que desfez a proibição considerando que a matéria ‘versa sobre informações constantes de processo público, cujo andamento e respectivas decisões são amplamente publicizadas, inclusive no endereço eletrônico da Justiça Federal’. O desembargador também disse que a divulgação da matéria ‘não se entremostrava lesiva, pois se baseava em fatos verídicos e abertos ao conhecimento da sociedade’.

Durante a semana, leitores, membros do Conselho Consultivo de Leitores, representantes de entidades e instituições se solidarizaram com O POVO através de e-mails, notas de repúdio e telefonemas. ‘Quer dizer que se cala um jornal?’ perguntou o leitor Célio Facó considerando o fato ‘truculento’. Ele disse que não seria ‘um homem, uma família que se amordaça. Seria abalar, denegrir a Constituição Brasileira’. Já o conselheiro Walter Silva Pinto Filho, que é promotor de Justiça, disse ser ‘lamentável a concessão de medida liminar por um juiz plantonista, no presente caso, já que não havia nenhuma violação aparente do direito de alguém. A matéria do jornalista iria reproduzir uma decisão judicial de bloqueio de contas bancárias. A constituição garante a liberdade de expressão e a imprensa tem de ser livre para noticiar os fatos’.

A Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) enviou nota lamentando a decisão do juiz de direito Benedito Hélder Afonso Ibiapina e lembrou que ‘a censura prévia decretada pelo juiz viola o princípio constitucional da liberdade de imprensa’. Apelou ainda para que fosse ‘restabelecido o princípio estabelecido na Constituição brasileira’.

Luis Carlos Antero enviou e-mail dizendo que a censura ao O POVO não é um fenômeno isolado. Ele próprio conheceu de perto a censura na redação quando foi membro do Conselho de Direção do jornal Movimento no período de 1975 a 1981. Comparando com aquela época ele diz que ‘hoje, a censura tem outra fisionomia, mas em articulação com interesses semelhantes e procedimentos que também guardam o objetivo de privar a sociedade da transparência dos fatos’.

O autor da matéria, jornalista Cláudio Ribeiro, do Núcleo de Coberturas Especiais do O POVO, também se refere à proibição de matérias em outros veículos, mas não deixou de ficar surpreso com a decisão judicial. ‘Mesmo que tenhamos sabido de ocorrências recentes semelhantes, de reportagens embargadas em outros veículos no País, não deixa de ser surpreendente ter uma matéria proibida por uma ordem judicial. Estamos sob o Estado Democrático de Direito e essa é a base máxima que foi afetada. O POVO estava com uma informação pública na mão e cumpria seu papel de acompanhar um caso de relevância social, referente à suspensão do Jogo do Bicho no Ceará. A liminar da proibição perdurou por uma semana. Teve muita repercussão, inclusive os próprios bicheiros se manifestaram, vez que todos ficaram sob suspeita. É um episódio com o qual devemos aprender e esperar que não se repita’, diz Cláudio.

E assim esperamos todos nós, brasileiras e brasileiros, que vivemos um período em que a censura era lei.’