Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Lágrimas e despedidas, ao vivo e em cores

Despedida de apresentadores não é costume no telejornalismo brasileiro. E, se chega a ocorrer, se dá por meio de um pequeno discurso no final do telejornal. Foi assim no último dia de Cid Moreira e Sergio Chapelin no Jornal Nacional, em 1996, e no ano seguinte com Boris Casoy encerrando sua fase no TJ Brasil, do SBT. A mesma saída à francesa foi protagonizada por Ana Paula Padrão no ano passado, ao deixar a Rede Globo rumo à emissora de de Silvio Santos.

Se por aqui as mudanças na carreira de um apresentador não são tratadas com ênfase no produto que costumava apresentar, nos Estados Unidos a regra é bem diferente. Na quarta-feira (31/5), a jornalista Katie Couric deu o definitivo adeus à revista jornalística Today, da qual foi apresentadora pelos últimos quinze anos na rede NBC. Couric anunciou publicamente, em 5 de abril, ter aceito o convite da concorrente CBS para apresentar e coordenar o telejornal noturno CBS Evening News e atuar como repórter no jornalístico semanal 60 Minutes.

Durante as três horas do programa, predominaram as despedidas e lágrimas – para a emoção não só de Couric, mas dos seus colegas de Today. E o roteiro incluiu de tudo um pouco: desde depoimentos de colegas com imagens históricas até serenatas ao vivo. ‘Estou me sentindo feliz, triste e completamente fora de controle. E vocês sabem como eu gosto disso’, brincou a jornalista no meio da ‘tempestade’ de lágrimas. ‘Esse é de fato o melhor trabalho em toda a televisão. E que privilégio foi esse para mim em tê-lo por quase um terço da minha vida.’

‘Amor e respeito’

Na última aparição de Couric pela NBC, a rede procurou reafirmar o apreço e agradecimento pelos seus quase vinte anos de serviços prestados – contrariando especulações de que promoveria um clima impessoal. Diversos trechos de entrevistas marcantes foram ao ar durante o Today do dia 31, ressaltando a interação de Couric com personagens como o ex-presidente George Bush (pai), o senador Bob Dole, o homem forte da guerra do Iraque Colin Powell, e a atual primeira-dama Laura Bush. ‘Quando eu olho a lista de pessoas que já entrevistei, acho um tanto quanto forte e impressionante para mim’, disse após assistir ao material. Também foram mostrados momentos impactantes, como a participação de Couric nas coberturas dos ataques de 11 de setembro de 2001 e da passagem do furacão Katrina, no ano passado.

Foram momentos que outorgaram a Katie Couric a fama de tresloucada e informal – como o dia em que se vestiu de Peter Pan, a ocasião em que personificou Donald Trump e quando mostrou uma endoscopia sua no ar. ‘Ela é a perfeita combinação entre [o jornalista-ícone americano] Edward R. Murrow e [a comediante] Lucille Ball’, disse o também apresentador Matt Lauer.

Os colegas do Today também fizeram questão de deixar as suas últimas palavras para a colega que sai rumo à CBS. ‘As pessoas falam sobre a nossa química. Eu nunca consegui defini-la. Mas no seu último dia, eu gostaria de dizer que acho que isso é fruto de grande amor e respeito’, disse Lauer. A âncora de notícias do Today Ann Curry frisou que a relação com Couric cresceu com o passar dos anos. ‘Você fez com que eu amasse você. Não seja indiferente, porque manterei contato.’ A reação da apresentadora foi bem-humorada: ‘Você está começando a me assustar’. O meteorologista Al Roker desejou boa sorte na nova empreitada, além de reafirmar o laço construído com Couric. ‘Espero que a nossa amizade transcenda a geografia’, referindo-se à distância física entre as sedes das duas redes.

Pote de ouro

A despedida de Katie Couric repercutiu na mídia dos Estados Unidos. Na edição de quinta-feira (1º/6), o Washington Post abriu sua matéria com a seguinte frase: ‘Foi o dia que todos temíamos’. No New York Post, o texto também abriu usando hipérbole: ‘Canonização é o próximo passo lógico para essa supermulher da TV’. Publicações menores como o Richmond Times Dispach também carregaram nas tintas: ‘Que o choro comece’.

Dúbias ou não, o tom da cobertura reflete a importância do momento vivido pelo programa da NBC. E o público de fato se interessou pelo assunto. Dados consolidados do Instituto Nielsen apontaram média de 8,4 milhões de pessoas ligadas no Today, do dia 31. Este número marcou a despedida de Katie Couric como mais vista do que a de qualquer outro apresentador do jornalístico. Quando Bryant Gumbel deixou o programa, em 1997, foram 8 milhões. E na vez de Jane Pauley, em 1989, foram ‘meros’ 5,6 milhões. E esta marca alcançada dia 31 foi contabilizada como a quarta mais alta desde a instalação dos peoplemeters pelo Instituto Nielsen, em 1987.

 E o impacto foi muito bem sentido no cofre da NBC. Antevendo a grande repercussão da despedida, a rede reajustou preços de inserções publicitárias no seu jornalístico matinal. Para cada comercial de 30 segundos em rede nacional comprado ‘em cima da hora’, o preço cobrado foi de 110 mil dólares, mais do que o dobro do valor usual, segundo informação do jornal New York Daily News. Ainda segundo o diário, pelo menos 25% dos intervalos comerciais foram vendidos a esse valor. Anunciantes que compraram espaços antecipados nos intervalos incluíram nomes de prestígio como Mastercard, Nestlé, Toyota e Unilever.

Tido como uma espécie de pote de ouro para a NBC, o Today arrecadou com publicidade no ano passado algo como 600 milhões de dólares. Agora, quem sorri com possibilidades de propulsão comercial é a rede CBS, na qual Katie Couric assume o telejornal CBS Evening News em 5 de setembro. Entretanto, estréia no vídeo uma semana antes, dividindo o comando com o atual apresentador Bob Schieffer.

Tabelas reajustadas 

A última semana foi de emoções opostas para o jornalismo da rede CBS. Na segunda-feira (29/5), um cinegrafista e um técnico de áudio foram mortos em uma explosão a bomba no Iraque. A repórter Kimberly Dozier, da mesma equipe, ficou gravemente ferida na cabeça e pernas e está sendo tratada em um hospital na Alemanha. Após sair de um coma induzido, a jornalista já retomou expressões de contato escritas com médicos e familiares.

Em contrapartida, houve motivo para festa. O jornalismo local da rede – conhecido por manter-se nos patamares inferiores em termos de audiência – deu uma guinada. Pelo menos na cidade de Los Angeles, segunda maior dos Estados Unidos. O Nielsen divulgou dados referentes a maio, quando a audiência local é medida para que as emissoras reajustem suas tabelas comerciais para o meio do ano – é o período conhecido nos Estados Unidos como sweeps.

Pela primeira vez desde 1972, a emissora da CBS em Los Angeles chegou ao primeiro lugar com um telejornal local. A edição das 23h do informativo CBS 2 News marcou 2,6 pontos contra 2,3 do Eyewitness News da emissora da ABC e 2,1, do Channel 4 News (NBC). No horário das 17h, a KCBS-TV ficou em segundo lugar, posição também há muito não alcançada.

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Jornalista