‘Será dado assente, comprovado e incontroverso que existiram pressões sobre os procuradores do caso Freeport para arquivar o processo? A avaliar por certos títulos do PÚBLICO acerca do tema político/judicial da semana, assim parece: ‘Magistrados recorrem a Cavaco para falar das pressões sobre investigação do Freeport’ (31 de Março, manchete); ‘Magistrados ignoram PGR [procurador-geral da República] e contam pressões ao Presidente’ (idem, pág. 4); ‘Pressões sobre magistrados vão ter inquérito’ (ontem, 4 de Abril, 1ª pág.). Em nenhum destes e outros títulos idênticos se indica que a existência dessas pressões seja algo ainda por apurar, nem em alguns dos respectivos textos, como neste exemplo: ‘Objectivo: dar conta a Cavaco Silva das pressões que têm sido exercidas sobre os magistrados’ (31 de Março, 1ª pág.).
O PÚBLICO, porém, tem sido mais dubitativo (e cauteloso) noutras referências ao assunto: ‘PCP e Bloco insatisfeitos com explicações do procurador sobre alegadas pressões a magistrados’ (título do PUBLICO.PT, 31 de Março); ‘O PGR tentou ontem encontrar uma saída airosa para o caso das alegadas pressões sobre os dois magistrados’ (2 de Abril, pág. 6); ‘As pressões, supostamente, tinham em vista o arquivamento da parte do processo relativa a José Sócrates’ (4 de Abril, pág. 8).
Em que ficamos? As pressões pertencem ao domínio dos factos ou não passam, por ora, de conjecturas, hipóteses, possibilidades? Pelo que se sabe, encontramo-nos ainda perante uma suposição que carece de ser confirmada por fontes independentes das que terão transmitido a informação – os magistrados em causa e o sindicato que os representa – ou pelo inquérito oficial a realizar. Trata-se portanto de alegações cuja não confirmação teria de ser relevada em todas as notícias. É o que determinam as regras do bom jornalismo: a não ser que se encontre corroborada de forma factualmente irrefutável, qualquer menção a uma prática ilícita ou ilegal deve ser apresentada em modo condicional. E não vale neste caso invocar a necessidade de simplificação dos títulos. Bastaria colocar a palavra ‘pressão’ entre aspas para que tudo obedecesse às regras de isenção e rigor que são apanágio deste jornal.
O assunto suscita uma questão já antes abordada pelo provedor: serão estas falhas uma manifestação inconsciente de um eventual desejo do PÚBLICO na culpabilização do actual primeiro-ministro no caso Freeport? Se sim, esse desejo não deveria existir e muito menos subverter as boas práticas jornalísticas preconizadas no estatuto editorial do PÚBLICO. Este jornal, que tem tido destacado protagonismo na abordagem do processo de licenciamento do outlet de Alcochete, está obrigado a abordar o tema com pinças, não só para defender a sua credibilidade e independência mas também por estar em causa uma alta figura da hierarquia do Estado, cuja probidade não deveria ser questionada de ânimo leve pela imprensa de referência. Acresce que é imperioso manter a cabeça fria e não perder o Norte (isto é, o rumo editorial) perante provocações como a que Sócrates lançou ao PÚBLICO no recente Congresso do PS ou processos judiciais que o chefe do Governo decida interpor contra jornalistas deste periódico, conforme agora anunciado.
A propósito, houve leitores que voltaram a levantar reservas relacionadas com o artigo ‘O mundo pequeno do caso Freeport’, de Clara Viana, publicado nas págs. 8/9 da edição de 14 de Fevereiro, acerca do percurso profissional de vários magistrados que se têm cruzado com o polémico processo – artigo sobre o qual o provedor já disse nada encontrar de questionável.
Sérgio Brito contesta o conteúdo da notícia que a 15 de Março dava conta do falecimento de um desses magistrados (‘Morreu Santos Alves’, pág. 9): ‘Mesmo quando uma pessoa morre – e ainda por cima novo e inesperadamente! –, nem o respeito pelos mortos e sua família é praticado pelo PÚBLICO! Lá vem a notícia a ligar uma carreira de muitos anos apenas ao caso Freeport (omitindo ainda convenientemente que o cargo ocupado no Eurojust era de nomeação do [então primeiro-ministro] Durão Barroso)!’ O tom ordinário e insultuoso praticado por este leitor impede a reprodução do resto da sua carta, mas, de qualquer modo, o provedor não encontra fundamento para a queixa: a notícia, sintética, é meramente factual, não fala apenas do cargo ocupado pelo magistrado no organismo europeu de coordenação judiciária e dá sequência lógica ao artigo de Clara Viana.
Já Rui Vilhena faz uma crítica mais substancial, começando por ‘citar o jornalista José Vitor Malheiros, que escreveu no PÚBLICO de 1 de Fevereiro de 2005 uma nota brilhante sobre ‘a insinuação’, onde diz: ‘A insinuação é uma arma retórica de grande peso, pois permite dizer sem dizer e, principalmente, dar a entender que se diz sem se ter dito e sem ter provas do que se diz. É um ataque que não exige coragem (…), nem tem defesa. A insinuação é o grau zero da dignidade do discurso, uma espécie de fogo de vista ao contrário, que cria do nada uma girândola de imundície’.’
A seguir o leitor aplica a ideia ao artigo de Clara Viana: ‘Isto não é notícia, não é nada. É insinuação pura, nada mais, procurando, nomeadamente, pôr em causa a isenção dos magistrados. Veja, por exemplo, o que vem dito a propósito do magistrado Lopes da Mota: que foi suspeito de ter protegido Fátima Felgueiras, foi alvo de inquérito e, por isso, não foi escolhido para procurador-geral. (…) O que Clara Viana deveria ter dito claramente era que o PÚBLICO lançou a suspeita, que era falsa, e que, por via disso, impediu que Lopes da Mota fosse escolhido para PGR. Ou seja: fez um serviço a alguém. Porque é que o não confessou? Mais ainda: o magistrado foi ‘alvo de inquérito’ porque ele mesmo o exigiu! E mais: não se provou porque nunca se pode provar o que não existe! A senhora jornalista também deveria saber que esse magistrado (pessoa de superior competência e integridade à prova de bala) foi nomeado [para o Eurojust] por Martins da Cruz, MNE (ministro dos Negócios Estrangeiros) do Governo Barroso (…). Fico desiludido ao ver tratar de forma inaceitável coisas e pessoas que conheço bem…’
O provedor solicitou a Clara Viana uma reacção a esta crítica, que ela elaborou de forma seca e factual: ‘Como jornalista, compete-me averiguar da veracidade dos factos noticiados e não comentar as interpretações feitas sobre eles. Mas deixo aqui algumas precisões quanto aos factos alegados pelo leitor: o Eurojust foi criado em 2002 (…); o magistrado Lopes da Mota integrou este organismo a partir de (…) 6 de Março de 2002 (ainda com o Governo de António Guterres em funções), tendo esta designação só sido alvo de um despacho publicado um ano depois, já com o Governo de Durão Barroso, (…) ‘com efeitos a partir de 6 de Março de 2002’; os magistrados no Eurojust estão em comissão de serviço, devendo esta ser renovada por proposta da PGR e mediante despacho conjunto do MNE e do ministro da Justiça – foi o que aconteceu em 2004 e em 2007 (…)’.
Conhecendo-se o que se conhece hoje acerca da suposta responsabilidade de Lopes da Mota nas tais pressões sobre os magistrados do Freeport, a reclamação deste leitor, datada de 9 de Março, não deixa da fazer sorrir. Pela sua pretérita experiência profissional, o provedor garante que, nas redacções, os jornalistas sabem por vezes muito mais do que reportam, mas podem não estar em condições de tudo publicar por não conseguirem preencher as regras básicas de comprovação dos factos. Desconhece se foi esse o caso de Clara Viana, mas de qualquer modo o texto da jornalista era uma descrição de carreira meramente factual que, aos olhos do provedor, não insinuava o que o leitor viu como insinuação (a qual pode muitas vezes estar mais na mente de quem lê). Quanto à questão de Felgueiras (sobre a qual teria sido interessante, mas não essencial, sublinhar o papel do PÚBLICO na sua divulgação), a verdade é que foi realizado um inquérito à actuação de Lopes da Mota – e há uma diferença entre provar-se ou não e existir ou não. Seja como for, independentemente de vir a apurar-se se Lopes da Mota foi agente das famigeradas pressões, o tempo demonstrou a pertinência do artigo elaborado pela jornalista.
Caixa:
Pensões a prazo
‘Corte nas pensões da segurança social é o maior da União Europeia’ – anunciava a manchete de 16 de Março. Mais uma ‘ataque’ a Sócrates? Assim o pensou pelo menos o leitor Adérito Tavares: ‘Que o PÚBLICO tem uma posição ultracrítica em relação ao actual Governo e, muito particularmente, em relação ao primeiro-ministro, já não oferece dúvidas (…). Embora no subtítulo se diga que isso só acontecerá depois de 2046, a utilização do presente do indicativo – ‘é’ – ilude o leitor apressado (ou aquele que apenas lê os títulos no quiosque), levando-o a pensar que isso vai acontecer já amanhã e que ele próprio irá ser uma das vítimas. É óbvio que o título deveria utilizar a forma verbal ‘será’.’ E Belarmino Craveiro Bolito acentua: ‘O título (…) é uma ofensa, ou mesmo um insulto, aos leitores. (…) Fica-se, mais uma vez, com a muito desagradável ‘leitura’ de que um assunto de menor importância, no contexto do momento, é levado à superior evidência do dia por razões que nada têm a ver com o que o título indica. Os leitores do jornal esperam deste seriedade jornalística, posta em causa (…) com um título muito manhoso, muito ‘chico esperto’. (…) Entra pelos olhos dentro que o que é importante para o jornal evidenciar não é a notícia do corte nas pensões da segurança social, mas sim que esse corte é o maior da UE (…)’.
‘Os dois leitores não têm razão quanto à substância das questões que levantam’, defende o director do PÚBLICO, a solicitação do provedor. ‘Aquele título traduz de forma correcta, mesmo que sintética, o conteúdo de um estudo da UE. E esse estudo mostrava que a recente alteração do sistema de cálculo das pensões se traduzirá, para os pensionistas do futuro, num corte nos montantes a receber que, proporcionalmente ao que resultava da fórmula em vigor, é o maior entre os países da UE que realizaram reformas semelhantes. (…) Podemos referir o corte no presente, pois foi nesta legislatura que foi decidido (…). O assunto não é menor, pois a reforma da Segurança Social é uma das de que este Governo se orgulha e que muitos, mesmo parte dos que não são da cor do Governo, elogiam’.
O subtítulo da manchete, falando no ‘horizonte de 2046’, salva-a in extremis de uma formulação que poderia ser de facto, na perspectiva do provedor, enganadora. Quanto ao resto da polémica entre os leitores e José Manuel Fernandes, que é longa e substancial, o provedor remete para o seu blogue.
Publicada em 5 de Abril de 2009
DOCUMENTAÇÂO COMPLEMENTAR
Excerto de carta do leitor Sérgio Brito:
Com o título ‘Morreu Santos Alves’, escreveu o PÚBLICO um epitáfio à sua medida (só falta ser assinado pelo José António Cerejo, que gostava de referenciar a vida do procurador nos últimos anos!)!
Mesmo quando uma pessoa morre – e ainda por cima morre novo e inesperadamente! – nem o respeito pelos mortos e sua família é praticado pelo PÚBLICO! Lá vem a notícia a ligar uma carreira de muitos anos apenas ao caso Freeport (omitindo ainda convenientemente que o cargo ocupado no Eurojust era de nomeação de Durão Barroso)!
Isto não é ‘cultura do contra’ que José Manuel Fernandes abusivamente remete para Vicente Jorge Silva (era bom ouvir este sobre a linha editorial do jornal e se se revê na mesma). Isto não é jornalismo (liberdade mas também verdade e responsabilidade) (…)
Sérgio Brito
Carta do leitor Rui Vilhena:
A propósito do artigo da jornalista Clara Viana ‘O pequeno mundo do caso Freeport’ (14-02-2008) apetece citar o jornalista José Vitor Malheiros, que escreveu no PÚBLICO de 01.02.2005 uma nota brilhante sobre ‘a insinuação’, onde diz: ‘A insinuação é uma arma retórica de grande peso, pois permite dizer sem dizer e, principalmente, dar a entender que se diz sem se ter dito e sem ter provas do que se diz. É um ataque que não exige coragem (leia-se: cobarde, acrescento eu), nem tem defesa. A insinuação é o grau zero da dignidade do discurso, uma espécie de fogo de vista ao contrário, que cria do nada uma girândola de imundície’. É isto mesmo, senhor Provedor, num jornal que se tem como sério e respeitador da deontologia. Uma pena! Afinal, o mesmo lixo jornalístico em todo o lado. Gostaria muito de ouvir o seu comentário a propósito daquele ‘trabalho’ jornalístico. Isto não é notícia, não é nada. É insinuação pura, nada mais, procurando, nomeadamente, pôr em causa a isenção dos magistrados. Veja, por exemplo, o que vem dito a propósito do magistrado Lopes da Mota: que foi suspeito de ter protegido Fátima Felgueiras, foi alvo de inquérito e, por isso, não foi escolhido para procurador-geral. Sabe quem lançou a suspeita? O PÚBLICO, exactamente. O que a jornalista Clara Viana deveria ter dito claramente era que o PÚBLICO lançou a suspeita, que era falsa, e que, por via disso, impediu que Lopes da Mota fosse escolhido para PGR. Ou seja: fez um serviço a alguém. Porque é que o não confessou? Mais ainda: o magistrado foi ‘alvo de inquérito’ porque ele mesmo o exigiu! E mais: não se provou porque nunca se pode provar o que não existe! A senhora jornalista também deveria saber que esse magistrado (uma pessoa de superior competência e integridade à prova de bala) foi nomeado por Martins da Cruz, MNE do Governo Barroso, e que foi nomeado para o lugar do Eurojust criado em 2004 pelas ministras da Justiça e dos Negócios Estrangeiros Celeste Cardona e Teresa Patrício Gouveia. Enfim, o texto jornalístico fala por si. Muito haveria a comentar e a acrescentar, mas é melhor ficar por aqui. E notar que idoneidade é coisa que não abunda nos senhores jornalistas. Mas, no fim, resta ao leitor que conhece as coisas um direito inalienável: o de não comprar o jornal. Grato pela atenção. Tenho pena porque sou leitor assíduo do PÚBLICO e fico desiludido ao ver tratar de forma inaceitável coisas e pessoas que conheço bem…
Rui Vilhena
Resposta da jornalista Clara Viana
Como jornalista compete-me averiguar da veracidade dos factos noticiados e não comentar as interpretações feitas sobre eles. Mas deixo aqui algumas precisões quanto aos factos alegados pelo leitor:
– O Eurojust foi criado em 2002.
– O magistrado Lopes da Mota integrou este organismo a partir de 2002, conforme consta no seu curriculum vitae patente no site da Procuradoria Geral da República.
– Mais concretamente, o magistrado Lopes da Mota (que integrou o grupo de trabalho na base do Eurojust) passou a integrar a equipa do Eurojust a 6 de Março de 2002 (ainda com o Governo de António Guterres em funções), tendo esta designação só sido alvo de um despacho publicado um ano depois, já com o Governo de Durão Barroso. Neste despacho, datado de Março de 2003 e assinado pelo então MNE, Martins da Cruz, estipula-se, sobre Lopes da Mota: ‘indo ocupar, com efeitos a partir de 6 de Março de 2002, a vaga…’
– Os magistrados no Eurojust estão em comissão de serviço, devendo esta ser renovada por proposta da PGR e mediante despacho conjunto do MNE e do MJ. Foi o que aconteceu em 2004 e em 2007.
Clara Viana
Carta do leitor Adérito Tavares:
Que o PÚBLICO tem uma posição ultra-crítica em relação ao actual governo e, muito particularmente, em relação ao primeiro-ministro, já não oferece dúvidas a qualquer leitor. (…) Eis mais um caso flagrante de manipulação do principal título da 1.ª página, no dia 16-03-2009: ‘Corte nas pensões da Segurança Social é o maior da União Europeia’. Embora, no subtítulo, se diga que isso só acontecerá depois de 2046, a utilização do presente do indicativo – ‘é’ – ilude o leitor apressado (ou aquele que apenas lê os títulos no quiosque), levando-o a pensar que isso vai acontecer já amanhã e que ele próprio irá ser uma das vítimas. É óbvio que o título deveria utilizar a forma verbal ‘será’. Tanto mais que, no desenvolvimento da notícia (pág. 26), o jornalista já utiliza um título correcto: ‘Comissão Europeia estima que Portugal terá o maior corte da EU nas pensões’ (sublinhados meus).
Adérito Tavares
Carta do leitor Belarmino Craveiro Bolito:
O título principal da 1ª página do PÚBLICO de 16-03-2009 é uma ofensa, ou mesmo um insulto, aos seus leitores, partindo do princípio de que estes são intelectualmente adultos.
É que, nos tempos que correm, o leitor do jornal tem dificuldade em perceber a razão de dar a importância de 1º página a um assunto absolutamente secundário. E, em relação a este título, há uma peculiariedade que nos faz talvez perceber a razão da sua escolha para a 1ª página, mas que é também, ao mesmo tempo, uma ofensa à idoneidade intelectual dos leitores: trata-se da inclusão da adjectivação de ‘maior’ ao ‘corte’.
Sinceramente, fica-se, mais uma vez, com a muito desagradável ‘leitura’ de que um assunto de menor importância, no contexto do momento, é levado à superior evidência do dia por razões que nada têm a ver com o assunto que o título indica. De facto, os leitores do jornal esperam deste seriedade jornalística, e esta é posta em causa com este assunto posto na primeira página com um título muito manhoso, muito ‘chico esperto’.
Compreendam, senhores responsáveis do PÚBLICO: muitos dos vossos leitores não aprenderam só a ler, também aprenderam a pensar.
Entra pelos olhos dentro que o que é importante para o jornal evidenciar não é a notícia do CORTE nas pensões da segurança social, mas sim que esse CORTE é o MAIOR da União Europeia. Se este MAIOR foi determinante para colocar o assunto em título maior de 1º página, é porque tem uma importância que está para além da que é possível dar ao assunto que o título refere.
É assim que o jornal trata os seus leitores? Como se fossem menores mentais? Como se fossem incapazes de ler um texto no seu contexto? Como se fôssemos tão inocentes para não desconfiar de outros objectivos que nada têm a ver com informação honesta? Não sabem que já fomos ‘carneiros’ as vezes suficientes para não querermos aceitar qualquer outro cajado?
Não acham, senhores responsáveis do PÚBLICO, que tenho todo o direito, como leitor de há muitos anos, de reclamar ser tratado com um mínimo de dignidade, para não dizer consideração ou cortesia?
Não será tempo de o Senhor Director se preocupar mais com a (in)formação dos leitores (clientes) do jornal e menos com outras estratégias? Por que será que os editoriais do Senhor Director fedem tanto? É que o homem não consegue dissimular o seu ódio, a sua intolerância, com linguagem e juízos desbragados. Com isso só se denuncia e, ao mesmo tempo, ofende os leitores e suja o jornal. Pelo que vemos nas televisões, parece ser um tanto comum aceitar, ou talvez mesmo apreciar, a boçalidade, a banalidade, a mediocridade. Desgosta-me que este jornal esteja no mesmo caminho. O Senhor Director até faz lembrar Catão com ‘Cartago delenda est’…
Desculpe mais este desabafo, senhor Provedor, mas acontece que ainda não desisti de viver e de ser tratado decentemente.
Este país precisa de sorte…? Não só…! Mas dizem que a sorte também se faz…!
Belarmino Craveiro Bolito
Resposta do director do PÚBLICO:
Julgo que os dois leitores não têm razão quanto à substância das questões que levantam.
Primeiro, porque aquele título traduz de forma correcta, mesmo que sintética, o conteúdo de um estudo da União Europeia. E esse estudo mostrava que a recente alteração do sistema de cálculo das pensões se traduzirá, para os pensionistas do futuro, num corte nos montantes a receber que, proporcionalmente ao que resultava da fórmula em vigor, é o maior entre os países da União Europeia que realizaram reformas semelhantes.
Segundo, trata-se de um cálculo feito hoje projectando no futuro o que os pensionistas receberiam, exactamente o tipo de cálculo que presidiu aos diferentes cenários estudados pelo Governo. Nesse sentido podemos referir o corte no presente, pois foi nesta legislatura que foi decidido, mesmo que só entre em efeito de forma gradual.
Terceiro, o assunto não é menor, pois a reforma da Segurança Social é uma das de que este Governo se orgulha e que muitos, mesmo parte dos que não são da cor do Governo, elogiam. Acontece porém que essa reforma conseguiu a sustentabilidade do sistema a médio/longo prazo introduzindo modificações nas regras actuais, desde a relativa à idade da reforma até à fórmula de cálculo das pensões. Qualquer cidadão tem facilidade em perceber uma mudança na idade da reforma, poucos são capazes de realizar uma estimativa sobre a pensão a que teriam direito com as regras antigas e aquela a que terão direito com as regras novas. De uma forma geral, todos perceberam que iriam receber menos e mais tarde. A novidade do relatório que sustentava a manchete é que calculou quanto menos iriam receber e comparou os cortes com outros países. Entendemos pois que se tratava de uma informação relevante para todos os portugueses.
Quarto, não é líquido que só se possa fazer a leitura negativa dos termos da manchete formulada por estes leitores. Por três razões. Por um lado, não tem faltado quem se indigne com as ‘reformas milionárias’ e, por isso, possa ter lido de forma positiva a manchete; por outro lado, são muitos os que temem nem sequer vir a receber reforma, pelo que saberem que o corte, por ser grande, lhes garante apesar de tudo um mínimo até é uma boa notícia; por fim, todos os que, estando dentro do sistema, sabem como será difícil financiá-lo no futuro podiam olhar para a manchete e elogiar a coragem do Governo.
Para além de tudo isto, e do julgamento de valor que possa ser feito, o essencial é que aquele estudo era notícia e, mais do que isso, era notícia relevante (todos somos ou seremos pensionistas se não morrermos antes). Sendo o título fiel às conclusões do estudo, só pondo em causa essas conclusões (o que era possível mas questionável tratando-se de um estudo da União Europeia) é que seria razoável defender que o tema não merecia o destaque que teve na primeira página e no interior do jornal.
Quanto às opiniões do leitor sobre os meus editoriais, tem direito a elas. Como eu às minhas. Neste caso, se sentisse necessidade de escrever sobre um tema que já analisei várias vezes não me distanciaria do que há muito defendo: a necessidade de trabalhar mais anos e a necessidade de acabar com um sistema de cálculo das pensões financeiramente incomportável. Aí sempre apoiei as opções deste Governo. Mas também aí não apoiei todas as opções da nova lei; contudo, nenhum dos pontos em que defendi soluções diferentes se relacionava directamente com o tema da manchete. O que significa que, seguindo o raciocínio maniqueísta do ‘jornalismo de conspiração’, terei dado, nesse dia, um tiro no pé, pois teria feito uma manchete ‘contra’ as minhas opiniões. Como não é por esse tipo de critério que escolhemos as manchetes, antes pela sua relevância, não achei, quando vi o jornal, que o meu colega que escolheu a formulação final do título o tenha feito para me passar uma rasteira. Fê-lo apenas porque achou que assim conseguia transmitir de forma sintética e correcta o conteúdo de um estudo importante. O nosso mundo não é, ao contrário do que se quer fazer crer, um mundo feito de conspirações, apenas de procura do rigor e equilíbrio.’