Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Agência Carta Maior

LIBERDADE

Venício Lima

Atenas, a ANJ e a liberdade

‘Na comemoração dos seus 30 anos, a Associação Nacional de Jornais, ANJ, divulgou 31 casos que considera de ‘violação à liberdade de imprensa’, ocorridos no país ao longo dos últimos três meses: dezesseis se referem a decisões judiciais de Primeira Instância e outros, por exemplo, dizem respeito à ‘proposta’ feita pelo Ministro da Defesa de mudança no princípio constitucional do sigilo da fonte e ao ‘projeto de lei’ enviado pelo Executivo ao Congresso Nacional ‘para punir jornalistas’. Da lista consta ainda a criação do blog da Petrobras.

Nada de novo. Apesar de dizer que defende o Estado de Direito, a ANJ não aceita que cidadãos ou entidades que se considerem prejudicados pela ação de jornais recorram à Justiça; também não aceita que sejam feitas ‘propostas’ ou que ‘projetos de lei’ que considera contra seus interesses tramitem no Congresso Nacional. Além disso, a ANJ, apesar de dizer defender a liberdade de expressão, considera a criação de blogs de fontes públicas uma ‘violação à liberdade de imprensa’.

No dia dos seus 30 anos a ANJ publicou também, sob o título ‘Pela Liberdade’, artigo assinado por sua presidente em diversos jornais brasileiros. O texto omite as verdadeiras razões que levaram à criação da ANJ (cf. texto de Alberto Dines, ‘ANJ, 30 anos: Para celebrar é preciso contar a verdade’, e reafirma a velha posição de que ‘o governo’ é a ameaça número um à sociedade democrática e que cabe aos jornais a defesa da democracia e do interesse público.

A presidente da associação dos donos dos jornais afirma no ‘Pela Liberdade’ que ‘a tensão entre jornais e governos é inevitável e existe mesmo nas democracias mais consolidadas. Não é fácil erigir a maturidade para administrar esta convivência tensa por natureza – especialmente quando, como é o caso brasileiro, também está em curso o amadurecimento das próprias instituições, em parte forçado pelos jornais, que são vitais na exposição pública das vísceras do organismo político’. Até aí, nada de novo.

Atenas, a deusa grega

A novidade no ‘Pela Liberdade’ foi a dupla citação da deusa da mitologia grega Atenas (Minerva, para os romanos) no contexto de uma guerra – a guerra de Tróia.

Primeiro, evoca-se Atenas pelo grau de ‘sofisticação’ da atual luta pela liberdade de expressão. Está lá: ‘a luta pela liberdade de expressão agora é muito mais sofisticada e por isso mesmo exige muito mais prontidão e obsessão analítica, num esforço cotidiano e discreto, mas poderoso, como o papel desempenhado por Atena, de apoio e proteção aos guerreiros gregos na luta contra Tróia’.

E segundo, compara-se o papel da ANJ ao longo dos últimos 30 anos com aquele de ‘coadjuvante’ desempenhado por Atenas e, por conseqüência, os jornais com guerreiros em luta: ‘Nestes 30 anos, a ANJ tem desempenhado seu papel de coadjuvante imprescindível, como o de Atena na defesa dos guerreiros em Tróia’.

Quem era Atenas?

Atenas (ou Minerva) é mais conhecida pelo seu famoso voto de desempate no julgamento de Orestes. Como se sabe, Orestes havia matado sua própria mãe para vingar a morte de seu pai. Apolo fez a defesa de Orestes, reafirmando a posição patriarcal. O voto dos jurados deu empate e coube a Atenas o desempate que foi favorável a Orestes (daí a expressão ‘voto de Minerva’). Orestes e os princípios patriarcais foram os vencedores.

Já o comportamento de Atenas como estrategista durante a guerra de Tróia foi eticamente condenável. Numa das situações mais conhecidas, no auge da guerra, para proteger seu favorito Aquiles que duelava contra Heitor, Atenas fez com que o herói troiano acreditasse que seu irmão estava ao seu lado com o porta-lança. Depois de ter atirado a última lança, no entanto, Heitor se deu conta que estava sozinho. Ele havia sido enganado por Atenas.

Para Atenas não interessava a questão ética ou moral. Quando se tratava de ‘manobras enganadoras’, este era o terreno onde ela se saia bem. O que importava era se sua ação estratégica era efetiva.

Qual liberdade?

Diante da inédita evocação da deusa Atenas, do cenário de guerra e dos jornais como guerreiros, antecipa-se que a ‘luta’ da ANJ ‘Pela Liberdade’ será cada vez mais ativa e mais ‘efetiva’.

Como nunca tivemos qualquer regulação sobre a propriedade cruzada dos meios de comunicação, alguns dos maiores e mais poderosos grupos de mídia do país são, ao mesmo tempo, controladores da mídia impressa e da mídia eletrônica. Isso torna a ANJ capaz de articular a atuação das diferentes associações representativas dos (mesmos) empresários de mídia, seja de jornais, de revistas ou de radiodifusão.

Diante de tudo isso, talvez, na comemoração dos 30 anos da ANJ, o cidadão comum devesse questionar: quando a ANJ defende ‘a liberdade’, de quem é a liberdade que está sendo defendida? Contra que tipo de restrições? E a favor de quem?

é Pesquisador Sênior do Núcleo de Estudos sobre Mídia e Política da Universidade de Brasília – NEMP – UNB’

 

POLÍTICA

Gilson Caroni Filho

Grande imprensa, subtexto do serrismo

‘Novamente, como costuma fazer em ano pré-eleitoral, a imprensa decreta que o Partido dos Trabalhadores está em crise, dividido irremediavelmente, com sua direção nacional politicamente aniquilada, envolvida em negociações ‘não republicanas’, colidindo frontalmente com os valores morais aceitos pela opinião pública. Os editoriais não deixam dúvida: o quadro escuro ficou mais negro e a crise mais ameaçadora. A Cassandra midiática implora a Príamo que destrua o cavalo de madeira para salvar Tróia.

Tal como em 2005, os jornalões repetem a ladainha: o partido está acabado, nele não resta mais nenhum espírito transformador, nenhum impulso vital, nenhum princípio a defender. Ao trocar a luta social pelo poder de Estado, fortaleceu um aparato de dominação que impediu o renascimento do político sob novas práticas. O poder, por si só, sem o pulsar dialético de fins e meios, levou ao pragmatismo fisiológico e ao bolchevismo patrimonialista. É a opinião de Serra transmutada em certeza editorial.

A expectativa nas redações, na quarta-feira, 19 de agosto, era de que os senadores petistas, cedendo à pressão do noticiário e de olho no eleitorado de classe média, votassem pela reabertura das representações contra o presidente da Casa, José Sarney. Mas as coisas não saíram conforme o script. Ideli Salvatti (SC), Delcídio Amaral (MS) e João Pedro (AM) votaram contra a admissibilidade das ações. Segundo O Globo, o PT foi decisivo para ‘enterrar as investigações.’

Foi o que bastou para Cassandra declarar que o partido, ‘tendo rasgado a bandeira da ética, se transformou numa sublegenda do lulismo’ Estava instalada uma nova ‘crise’. O senador Flávio Arns (PR) abandonou a legenda e Aloísio Mercadante ameaçava renunciar ao cargo de líder. O novo fracasso da grande mídia corporativa não seria engolido a seco. Era fundamental mostrar as perdas do outro lado. Mesmo que elas não tivessem a dimensão desejada. A ação foi suficientemente pedagógica para ser ignorada.

Cabe à militância aproveitar o momento para fazer uma pequena reflexão. Talvez a palavra crise possa ser entendida, em referência ao petismo, com sentidos muito diversos. Pode ser compreendida de modo malévolo: o partido debilitado, apêndice de um projeto de poder que o desfigurou por completo. É a leitura da direita e de um tipo de esquerdismo sem qualquer compromisso com a governabilidade.

Mas a crise também pode ser assimilada com um sentido favorável: pode-se dizer que o PT se desenvolve em compasso com a dinâmica histórica, através de suas próprias contradições, e esta é a sua maneira de evoluir e amadurecer. Todo o problema se resume em caracterizá-la, saber o que dela dizer. Ou não foi assim que o partido travou os embates mais chegados à classe trabalhadora, obtendo avanços incontestáveis?

Lutando pela reforma agrária, pelo direito de greve, pelo salário-desemprego, por eleições diretas, o PT acumulou força e capital político. Aos que falam do abandono de antigas bandeiras cabe perguntar se alguém acredita que estamos diante dos mesmos desafios de 1980? Agimos politicamente ou reagimos por pura e simples denegação?

Qual a autoridade moral da imprensa para falar de uma crise entre teoria e prática em uma agremiação de esquerda? Que código ético lhe autoriza a cobrança? Onde foi que a divergência entre ambas não se estabeleceu no decurso do processo político? Onde estão as cláusulas dessa falsa fatura?

Qualquer ator do campo democrático-popular deve saber que a satisfação de permanecer fiel às mesmas posturas dos tempos de fundação é, além de ilusória, ridícula. Necessário é enfrentar as questões do Estado, deixando claro qual o significado concreto do que definimos como transformação da realidade social. Só assim avançamos e progredimos teoricamente.

Instituir uma luta contra o reacionarismo, no sentido de conhecer qual a força, o núcleo e o terreno de sua ação leva a um confronto inevitável com a grande imprensa. Esse é um ponto que se coloca como questão prática, isto é, como questão em torno do movimento, da luta e do futuro de uma esquerda viável.

O que se observa no Brasil há algum tempo, e mais caracterizadamente nos últimos anos, é que pouco a pouco a atuação do jornalismo partidarizado vai de encontro aos interesses de uma sociedade democrática. Um acompanhamento analítico da produção de notícias desvenda a engrenagem das redações. A unificação editorial não deixa dúvida: a mídia nacional é um subtexto do serrismo e seus métodos de mentira e truculência. Ao contrário da versão grega, as cassandras de redação não têm sensibilidade ou lucidez. Por elas, Tróia seria aniquilada sem problema.

PS: Após conversa com o presidente Lula, o senador Mercadante decidiu manter o cargo de líder. O site de O Globo não perdoou. Abaixo da chamada ‘Lula me deixa numa situação em que não posso dizer não’, o editor formulou uma sugestiva pergunta :’Como fica a biografia de Mercadante agora?’ Perda de tempo da família Marinho. Na esquerda, o que define a reputação de um homem público é sua combatividade. Enquetes nada significam.

Gilson Caroni Filho é professor de Sociologia das Faculdades Integradas Hélio Alonso (Facha), no Rio de Janeiro, colunista da Carta Maior e colaborador do Jornal do Brasil’

 

Rogério Mattos Costa

Breve manual da NED sobre o uso do celular e do twitter na política

‘‘A amigos petistas, Mercadante reclama que são milhares de mensagens pelo twitter com críticas ao apoio a Sarney’

O ‘twitter’ é um tipo de mini-blog aparentemente inofensivo e simples.

Para alguns, pode parecer até um supérfluo objeto de desejo e exibicionismo, pois com ele, uma pessoa, aonde estiver, pelo celular, pode mandar a vários amigos uma mensagem de até 140 caracteres dizendo qualquer coisa, como se estivesse compartindo um ‘diário’em tempo real.

O que poucos ainda se deram conta é que essa invençãozinha, aparentemente inofensiva, pode ter um uso muito importante: emitir simultaneamente, diferentes mensagens que possam causar pânico e mobilizar pela comoção ou medo, milhares de pessoas.

Isso porque programas muito simples podem simular a emissão, com origem em um único computador, de milhares de mensagens de ‘twitter’ e de celular, que pareceriam ser originadas de milhares de pessoas para outros milhares de pessoas.

A prova dessa possibilidade está todos os dias em nossos próprios computadores: são programas similares que originam campanhas de spam originadas da Nigéria e que recebemos todos os dias dizendo que ‘você ganhou um prêmio na loteria de Malta’, ‘sou o gerente de um banco no Yemen’. E as célebres ‘correntes’ com remessa de ‘nossas fotos’, ‘alguém mandou uma mensagem de amor para Você’, etc.

O twitter, combinado com mensagens de celular emitidas de uma única central em nome de milhares de pessoas, foi usado pela primeira vez nas manifestações e campanhas eleitorais nas ex-republicas soviéticas da Ucrânia, Geórgia e Moldávia. E também no Nepal, no Tibet e no Irã, onde as manifestações cessaram como por encanto, de uma hora para a outra, assim que o governo desativou esse serviço e identificou, prendeu, processou e está julgando cinco funcionários da embaixada britânica que operavam o sistema, demonstrando através de gravações telefônicas os vínculos desses funcionários e de ‘turistas’ franceses e ingleses com líderes da oposição.

A técnica é na verdade muito simples.

Uma relação dos nomes mais comuns de um país é colocada como ‘remetentes’. Na Ucrânia, são colocados como remetentes os nomes próprios comuns como Tadeu, Ivan, Stan, Volódia, etc. E vários números reais, serão os destinatários, pois todo mundo nesses países tem um filho,parente ou amigo com esses nomes…e em caso de perigo ou situação de risco, a tendência natural será pensar que se trata’desse Ivan’ que é seu filho ou que conhece. Depois é só escrever um conjunto de mensagens similares, com mesmo objetivo. Em minutos, o programa emitirá milhares de mensagens do tipo: ‘filha, venha urgente praça Ivan Mihailovitch’ ou ‘filho, espero você às 10 em frente ao café Berlin’.Ou ainda: ‘companheiro: Ivan foi ferido pela polícia. Urgente manifestação em frente ao congresso’. Ao chegar ao local, ‘manifestantes de verdade’ estarão gritando palavras de ordem e atacando a polícia, quebrando vidraças.

Depois, o trabalho de desordeiros contratados, comuns em países em crise, fará o restante do serviço. O conjunto de centenas ou até milhares de pessoas reunidas pelo celular ou twitter irá servir de ‘figurante’ para as fotos de imprensa, para convencer aos manifestantes ‘reais’ de que seu movimento é realmente apoiado por muita gente do povo ou para ser agredido, incorporando-se à confusão.

Quem já recebeu uma mensagem de falso seqüestro, feita por celular, sabe exatamente de que tipo de emoção estou falando.

Isso é uma realidade: embora tenham fracassado no Brasil, as manifestações de rua de direita, como as do movimento ‘Cansei’, não serão mais privilégio da esquerda…Com a queda das ditaduras e o crescimento do processo de aumento da consciência dos povos, com a realização regular de eleições democráticas, a direita apelará cada vez mais para essa antiga tática antes ‘exclusiva’ da esquerda, que tem a tendência natural de vencer as eleições sob um clima de normalidade institucional.

Mas, ao contrário da esquerda, que ainda usa métodos do século XIX na organização de suas manifestações de rua, a direita o fará com o uso da mais alta tecnologia, fornecida e operada por agentes dos organismos de inteligência do chamado ‘império’, como o NED, National Endowment For Democracy, ( pesquisar por esse nome no Google!) uma estranha ONG. mantida com recursos do Tesouro dos EUA, criada por Ronald Reagan para substituir a CIA em ações abertas de sabotagem, manifestações políticas, desestabilização de governos ‘inimigos’ e que faz propaganda aberta do uso do twitter como ‘forma de comunicação dos defensores da liberdade em países sob governos tirânicos’.

Isso tudo com o auxilio de grandes empresas privadas que produzem sistemas de informação com finalidades aparentemente modernas, ‘singelas’ e até muito úteis, mas que devidamente manipuladas e operadas, podem se transformar em poderosas armas para derrubar, nas ruas, governos desagradáveis ou incômodos.Ou para eleger governos simpáticos, como demonstrou a formidável maquina de TI montada durante a campanha de Obama para recolher fundos e mobilizar voluntários para o trabalho de casa em casa. Desnecessário dizer que, se necessário, as operadoras de serviços locais de telecomunicação poderão ser contatadas pelos fornecedores de equipamento para remover ou reduzir eventuais sistemas de ‘firewall’.

Mercadante foi o primeiro senador a aderir ao twitter, já há mais de um ano. Com todo o respeito que possamos ter pelo histórico senador do PT, ele leva jeito de ser um daquelas pessoas de boa fé, que ‘entusiasmadas’ com os modernismos ‘da hora’, parecem ser facilmente impressionáveis com os ‘avanços tecnológicos’. Ou daquelas que procuram demonstrar que estão ‘mais à frente’ do que os outros ‘pois já estão usando tal ou qual nova tecnologia’. Mas que o fazem sem nenhum espírito crítico e sem ao menos desconfiar do que realmente seja aquilo que estão usando. São aquelas para as quais ‘o meio’ é mais importante do que ‘a mensagem’…Como já nos explicou, nos anos 60, Marshall Mac Luhan, ele mesmo depois, uma vítima, da própria mídia que denunciava..

Existem milhões de pessoas assim, geralmente entre os mais jovens, preocupados em parecer mais modernos, atualizados… E que estão sempre preocupados em trocar de celular, usar ostensivamente o mais recente modelo de Ipod para diferenciar-se da multidão, atentos e preocupadíssimos com sua página no Facebook, no Orkut, no Messenger, no ICQ e em tantos outros sites e sistemas que já viraram passado…

Como o Luis Carlos Azenha comentou nesses dias, com esse tipo de pessoas a direita já sabe bem como lidar: basta ‘tuitar’para derrubar.

Ou para impressionar, mobilizar, intimidar.

Em vez de impressionar-se com o numero de mensagens de twitter que recebeu, o senador Mercadante e outros parlamentares do PT deveriam aproveitar a ocasião em que é necessário ao PT defender Sarney pela primeira vez, enquanto todos os demais partidos o defenderam todos esses anos, para usar a internet e outros recursos da tecnologia para explicar aos seus eleitores o que está acontecendo e não para complicar, pedir demissão, dar uma de ‘mocinhos’, fazendo o jogo da direita.

Mercadante, como verdadeiro líder, deveria tomar a iniciativa, ser um dos atores do processo e não fazer o triste papel de vítima das circunstâncias, de simples platéia muda, alvo de mensagens de twitter, mas sim origem de esclarecimentos que o presidente da Republica, até pela natureza do seu cargo, não pode fazer.

Será que era difícil explicar que o congresso brasileiro é formado por representantes de grandes oligarquias, das quais o ‘clã’ do Sarney, atual presidente do Senado, é apenas uma das mais fortes e que foi eleito pelo DEM e PSDB contra o candidato do PT que era Tião Maia?

Será que era difícil ao Mercadante explicar que existem dezenas de outros clãs, como os Maia, no Rio Grande do Norte, os Magalhães na Bahia, os Vasconcellos em Pernambuco, os Lucena na Paraíba, os Jereissati no Ceará, os Serra-Alkmin-Kassab em São Paulo, que são tão nocivos quanto o clã Sarney???

Será que era difícil ao Mercadante e seus colegas explicarem ao povo e a seus eleitores, inclusive usando a internet e o twiter, que esses clãs querem derrubar o Sarney da presidência do Senado, apenas para colocar em seu lugar o clã do Marconi Perillo, que tem seis processos de corrupção parados no STF, que aliás podem ser acessados por qualquer um no endereço www.stf.gov.br ?

Será que era difícil ao Mercadante como líder do PT, em vez de se curvar à mídia, explicar que Marconi Perillo é do mesmo partido de Serra, cujo interesse é causar a maior confusão possível ao país para favorecê-lo nas pesquisas e interromper as ações do governo Lula? E ainda para, se possível, usar a presidência do Senado para tentar um ‘impeachment’de Lula e do enfermo José Alencar e dar a presidência da República para alguém não eleito para isso como Gilmar Mendes ou Michel Temer?

Será que era difícil ao Mercadante como líder do PT, em vez de se curvar à mídia, dizer que concordaria com uma CPI contra toda a mesa do Senado e contra todos os senadores e ex-senadores que são acusados pelo Ministério Publico Federal em processos que ‘dormem’ no STF?

O Mercadante histórico sabe que pode perder o espaço para o fulgurante Protogenes, queridinho da mídia em São Paulo, mas recorrendo ao caminho que lhe está traçando a própria mídia, só aproxima-se mais da derrota.

O caminho de Mercadante é explicar aquilo que a mídia não pode explicar.

E não complicar, fora de hora, o caminho da manutenção das instituições democráticas, regime no qual os avanços sociais são comprovadamente mais permanentes e efetivos.’

 

Luís Carlos Lopes

Corrupção, mídias e poder: um balanço

‘Não é difícil sentir algo estranho no reino do Brasil, situado no não menos estranho planeta Terra. Também, não é nova esta sensação. O universo criado pelas grandes mídias em forte contato com a sociedade, quase sempre soa e figura sem maior consonância com o real. Não é incorreto dizer que as emissões, em vários canais e sentidos, são absurdamente desfocadas, criando uma nova dimensão subjetiva da vida, em conflito com o concreto. Talvez, isto seja possível porque mesmo que afastadas dos fatos e das prioridades aceitáveis, elas continuem fortemente ligadas às crenças hegemônicas e ao poder político, econômico e cultural dominante.

Podem-se dar vários exemplos, mas, vamos a um dos mais explorados na atualidade: o da corrupção. De fato, ele é novo só na roupagem. Há pelo menos 60 anos, ele é fortemente abordado pelas grandes mídias brasileiras, em ondas cíclicas, que, na verdade, nada mudaram ou apontaram para qualquer alteração substantiva do processo. Fala-se em corrupção desde a época colonial, veja-se o famoso e imperdível livro, ‘A arte de furtar’. Entretanto, é quando os jornais, as revistas e as emissões radiofônicas se tornaram muito populares, na década de 1950, que as denúncias de corrupção de Estado ganharam proporções inauditas. Falar massivamente neste assunto coincide com o estabelecimento de uma sociedade de massas urbanas e de um modo de produção que evoluiu rapidamente para o capitalismo industrial e financeiro do tempo presente.

Nesta época, anterior ao reinado da televisão, foi tramada a maior campanha política anticorrupção da história da república: o ‘mar de lama’. A ‘banda de música’ da UDN, partido de direita, que empolgava as classes burguesas e médias da época, atacou frontalmente Getúlio Vargas, o acusando de corrupção. O desfecho disto é sobejamente conhecido. Vargas suicidou-se, em agosto de 1954, quando percebeu que não havia mais como permanecer no poder, com o qual havia casado depois do Golpe de Estado de 1930. Com isto, as acusações foram para debaixo do tapete da história, bem como os seus reais motivos.

A imensa mobilização popular, representada pela reação de rua ao suicídio, mudou o curso da história. As grandes massas reconheceram as vantagens auferidas em decorrência do varguismo e garantiram que os diques do ‘mar de lama’ não se rompessem. Com isto, o Golpe de Estado de 1964 só veio a ocorrer dez anos depois. O plano foi abortado e adiado, esperando uma nova oportunidade. A massa na rua, aliás, um personagem ausente nos últimos tempos, passou a contar no processo e a determinar suas possibilidades.

Havia corrupção no governo Vargas? Provavelmente, sim. Bem menor do que existiria nos governos subseqüentes. Mas isto, não era o real motivo das acusações lacerdistas e de outros líderes dos grupos de direita da época. Vargas também era de direita. Historicamente, nada o aproxima de uma visão crítica da sociedade criada pelo capital. Ao contrário, suas estratégias sempre foram de ser o ‘pai dos pobres’ e a ‘mãe dos ricos’, como alguns o definiam em seu tempo. O que estava em jogo era a sucessão. Tal, como hoje, o que se queria era tomar o poder. Militares, políticos e burgueses, com apoio dos EUA, ‘cozinhavam’ um projeto de poder que iria desaguar no Golpe de 1964.

Este foi feito, segundo sua retórica, contra a corrupção e a subversão. No início, alguns corruptos notáveis foram cassados exemplarmente. No momento seguinte, o Estado ditatorial militar entrou na mesma dança de seus antecessores. Do tempo da ditadura, apesar da censura e do controle da opinião, sobraram inúmeras denúncias de corrupção. Vários de seus êmulos, inclusive alguns dos signatários do famoso Ato Institucional número 5, foram acusados de se locupletarem, em várias situações. É conhecido o enriquecimento desmedido dos generais-presidentes, de seus ministros, dos auxiliares mais próximos e de gente ao seu serviço. A corrupção desta época era concentrada, disciplinada e seguia a lógica castrense. Finda a ditadura, a ‘democracia’, também ‘democratizou’ o acesso ao produto do roubo.

Existem inúmeros indícios de que a corrupção de Estado é um dos seus elementos constituintes. Só desaparecerá, ou será minimizada, se o Estado for transformado radicalmente. Dentro das regras existentes, é impossível imaginar que a ética na política prospere, além do discurso e da retórica. Não é só o Estado brasileiro que é corrupto. O mesmo fenômeno é constatável mundo afora, com diferenças de gênero, de número e de grau. O capitalismo, aqui e acolá, engendra uma política plena em atos de corrupção.

Imaginar uma sociedade sem corrupção seria também pensar em um mundo sem grandes diferenças sociais. Não adianta dizer que a lei é igual para todos, se alguns são muito diferentes dos demais. Tem sido inócua a crítica aos corruptos de Estado, ‘esquecendo’ de se criticar os corruptores. Já foram esquecidos os ‘empreiteiros’ de JK, lembrados por Samuel Wainer, antes de morrer. A construção de Brasília foi um momento ímpar da corrupção? Possivelmente, sim. Entretanto, quem foi fortemente criticado por isto foram alguns dos que receberam. Os que pagaram, ninguém lembra quem foi ou quem sabe algo mais profundo sobre isto, se calou.

Os ‘empreiteiros’ continuaram a agir nas décadas subseqüentes. Tiveram o seu auge na época da ditadura e ainda estão presentes no cenário contemporâneo. Somam-se a eles industriais, banqueiros, fazendeiros, exportadores etc mamando nas tetas dos governos, financiando campanhas, enriquecendo senadores, deputados, ministros, altos funcionários etc, em suma, ganhando em dobro ou mais, tudo o que investem no poder. É, pelo menos, ingênua a versão da corrupção que esconde o papel dos corruptores. Todavia, esta é a estabelecida depois do tempo do famoso e moralista ‘mar de lama’. As grandes mídias engrossam a voz, como leões, para os políticos corruptos e afinam o tom, como gatinhos, para os corruptores. Esquecem alguns corruptos notáveis e atacam outros que lhes desagradam. Elas seriam também corrompidas? Tudo indica que sim.

O governo que sucedeu aos dos generais-presidentes, não escapou às críticas de corrupção. Parecia que tudo estava como dantes, na terra de Abrantes. A maldição permaneceu, se bem que os escândalos foram menores e o cálculo dos corruptos e corruptores considerou a presença das massas insatisfeitas como o tipo de fim que a ditadura teve no Brasil. O experimentalismo econômico da burguesia industrial, espelhado no Plano Cruzado, e a volta intempestiva e ainda maior da inflação marcaram as possibilidades desta época.

Teve-se que esperar o fim da década de 1980, para que as eleições diretas vencessem na preferência popular. A transição foi completada, evitando-se que o clamor popular pudesse ir mais longe nas reformas propostas no início da mesma década, no movimento Diretas-já!. A novidade foi o do surgimento com cada vez maior expressão de um movimento político-popular – o Partido dos Trabalhadores – que, pela primeira vez, criticava a corrupção do prisma das esquerdas e propunha, certamente de modo ingênuo, a vitória da ética na política.

Como todos sabem, o governo apontado como possivelmente o mais corrupto do Brasil recente, também foi o primeiro eleito pelo voto direto, findando o ciclo ditatorial. Sem esquecer que o presidente da época, ostenta o título atual de senador da república e foi absolvido de todos os seus crimes pelo Supremo Tribunal Federal.

Uma das dimensões da tragédia brasileira contemporânea foi o do começar o atual ciclo político com uma crise sem precedentes. O miolo desta crise esteve representado pela corrupção de Estado e pela revelação pública, efetuada pelas grandes mídias, de centenas de corruptores. Abriu-se uma janela ímpar sobre a natureza do Estado brasileiro. Viu quem quis ver e compreender. O presidente eleito perdeu o mandato e os direitos políticos por oito anos. Os corruptores passaram em brancas nuvens, como nada houvesse acontecido. Os detalhes desta história são conhecidos pelos que viveram na mesma época e por aqueles que, mais jovens, se interessam pela verdadeira história do Brasil.

Nos anos que sucederam ao primeiro governo eleito pelo voto direto, não foram poucas as denúncias sobre a corrupção de Estado. Quase inexistentes no breve período transicional de Itamar Franco e redobradas em intensidade nos oito anos de FHC. Nestes, a turbulência das privatizações e da política cambial foi recheada por inúmeras denúncias, a maioria plausível ou documentada. O que se imaginava superado, depois do furacão Collor, voltou com muita força, classe e ‘distinção acadêmica’. A essência do problema foi a mesma de sempre. Os métodos mais sofisticados garantiram a impunidade. As possibilidades de apuração foram bastante dificultadas. A guerra dos dossiês, que ainda continua, incorporou-se ao formalismo do Estado brasileiro, sem maiores conseqüências, além do turbilhão midiático.

No cenário atual, do primeiro e do segundo mandato de Lula, o problema retornou, transformando-se em uma pedra para a sucessão presidencial. As críticas e os fatos não impediram que Lula se reelegesse.. O escândalo do mensalão não conseguiu derrubar o presidente e, em um segundo momento, de eleger Serra. O governo sofreu abalos, perdeu quadros e sua credibilidade entre milhares de eleitores. O PT sofreu fissuras que parecem que ainda não terminaram. Entretanto, conseguiu se reeleger e manter sua política interna e externa. O dogma da ética na política foi abalado, como se vê nos últimos acontecimentos. O que ocorrerá no futuro, a este pertence.

Para os desempregados, estudantes e assalariados e demais homens e mulheres de bem, que não são corruptos ou corruptores, o problema chega de modo complexo. Obviamente, ninguém pode aceitar a consigna ademarista do ‘roubo, mas faço’. Não são aceitáveis os argumentos dos que defendem a idéia de que: ‘Se os outros faziam ou fazem, porque não podemos fazer o mesmo?’ Para quem trabalha ou deseja trabalhar honestamente é duro saber dos privilégios e da roubalheira sem nenhum esforço. É possível que muitos que estão à margem da vida social passem a justificar seus crimes com estas realidades.

Do mirante popular, não há diferença entre corruptos e corruptores e todos deveriam pagar pelos seus crimes e devolver o que retiraram do bem público. A corrupção considerada pelo Estado como crime e a considerada legal pesam o mesmo, para o homem comum. Ladrão, mandante ou beneficiário são todos da mesma laia, de acordo com a vox populi esclarecida. Mentir para o povo, a partir de seu cargo ou mandato, é grave não importando a posição política de quem comete o delito. Não existem os que podem e os que são delituosos. Na mesma direção, só se justifica a mentira, se ela é usada como proteção dos oprimidos da ânsia de poder dos poderosos.

Luís Carlos Lopes é professor, autor do livro ‘Culto às Mídias’, dentre outros.’

 

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