O que Hillary Clinton e Heloísa Helena têm em comum? São mulheres. São senadoras. São candidatas (uma já assumida, a outra ainda não) à presidência da República. Malgrado as diferenças existentes entre seus países, as duas são parte de uma minoria de mulheres na política: das cem cadeiras do Senado nos Estados Unidos, apenas 14 são ocupadas por mulheres. Das 79 cadeiras do Senado brasileiro, apenas 9 são ocupadas por mulheres.
Mas há diferenças. A maior delas, talvez, é que Hillary, se sair candidata, tem chance de ser a primeira mulher eleita para a Casa Branca. Já Heloísa Helena, com 8% a 10% das intenções de voto, sabe que vai abrir mão de uma reeleição garantida apenas para ajudar o seu partido – o PSol – a deslanchar e ocupar mais espaço no Congresso.
Outra grande diferença é o tratamento que recebem na imprensa. Enquanto Hillary Clinton é tratada como uma força política, Heloísa Helena só agora deixou de ser caricaturada como a militante raivosa que ganhou fama pela deselegância e discurso extremado. Heloísa Helena, como todas as políticas brasileiras, sofre com o preconceito da sociedade, que acaba assimilado pela imprensa. Preconceito que vê a chegada das mulheres na política como a ‘ousadia’ de que um dia falou ninguém menos que o presidente Lula, líder do partido com o maior número de representantes femininas no Congresso. De fato, das 42 deputadas federais em Brasília, 14 são do PT e, das 9 senadoras, 4 foram eleitas também pelo PT.
Tendências de moda
Cada vez que uma mulher ganha destaque político no Brasil, a imprensa vai logo procurar o lado ‘humano’, ou seja, sua preferência por roupas, cor de cabelo, maquilagem e outros atributos menores. Foi assim com Heloísa Helena e foi assim, mais recentemente, com a presidente do Supremo Tribunal Federal, a ministra Ellen Gracie.
Nesse ponto, o artigo de domingo (11/6) do New York Times sobre Hillary poderia servir de exemplo para os nossos jornais. Sem mencionar cor de cabelo, maquilagem ou o tumultuado casamento com o ex-presidente, o artigo vai direto ao que interessa: a presença feminina na política:
‘O grupo do qual as candidatas tendem a emergir neste país é o de senadoras e governadoras e até recentemente contávamos com pouquíssimas mulheres ocupando esses cargos. Isto é algo que realmente nos atrapalha. O problema reside neste gargalo político e tal problema não tem melhorado. A sociedade americana ainda não criou uma geração de mulheres que cresçam acreditando que um dia possam ser presidentes dos Estados Unidos. A idéia cultural e social sobre as mulheres nos Estados Unidos não se modificou tão rapidamente quanto as realidades dos papéis femininos.’
Se a idéia cultural nos Estados Unidos não acompanhou a realidade, o que dizer do Brasil? O que dizer da imprensa brasileira? Embora as mulheres já sejam maioria na imprensa, isso não se reflete na forma como a imprensa fala de mulheres.
Para elas, na semana que passou, o único assunto de interesse – a considerar o noticiário dos jornais – foram as tendências de moda reveladas em mais uma Fashion Week. E, é claro, o fato de uma das modelos ser namorada do jogador Ronaldo, da seleção brasileira de futebol.
Temas masculinos
O grande assunto – o documento do Vaticano Família e procriação humana – ficou apenas no registro. Isso, apesar de a Igreja afirmar que ‘o feminismo exacerbou as relações entre os sexos, promovendo uma visão individualista do homem e da mulher’ e que ‘não parece certo que casais formado por homossexuais reivindiquem os mesmos direitos reservados ao marido e à mulher, incluindo a adoção’, e ainda que ‘nunca a instituição natural do casamento e da família foi vítima de ataques tão violentos’.
Talvez passada a Copa do Mundo e iniciado o 5º Encontro Mundial de Famílias, na Espanha, o assunto mereça um pouco mais de destaque da mídia, já que o papa, em pessoa, estará presente. Isso, claro, se não estivermos, ainda, falando da campanha brasileira na Alemanha, do peso do Ronaldinho, ou de outros temas masculinos tão mais importantes do que esses assuntos de mulher.
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Jornalista