Quando recebi e-mail em resposta a meu currículo dizendo que a vaga em questão era para profissionais de comunicação com até 30 anos, pensei: será que morri e não me avisaram? Nasci em 1961, ano em que o homem chegou ao espaço! Mas o curioso é que ainda posso andar, correr, brincar, escrever, ler, falar, ouvir, namorar e fazer amor, mas não posso trabalhar, ou seja, me mandaram para o espaço sem nave para voltar!
E por que não posso trabalhar? Que tipo de degeneração meu organismo está sendo acometido que me impede apenas disso, no exato momento que caminho para meus 45 anos? Será que sou louco, pois não percebo o passar do tempo? Corro atrás do cachorro, brinco de dança da chuva com meu filho caçula, jogo um basquetinho com o mais velho, beijo minha mulher e, quando estou dando palestras, consigo me lembrar de tudo direitinho, sem me esquecer de nada…
Mas depois do e-mail chego até a desconfiar de que os aplausos após as falas podem ser por piedade, afinal, vou fazer 45 anos, digno de uma figuração em Jurassik Park, claro que no núcleo dos dinossauros, evidentemente, porque para o mercado de trabalho é exatamente o que sou, um dinossauro que insiste em disputar vagas com os mais jovens.
O curioso é que esta morte para o mercado não é anunciada, nem tampouco alertada. Quando tinha 20 anos, e acredite, já tive essa idade, nem em meus piores pesadelos poderia supor que aos 44 anos estaria morto e não poderia mais trabalhar; mesmo que me sentisse mais vivo do que nunca, mesmo que meu espírito fosse curioso e sempre estivesse antenado a todas as tecnologias presentes em meu tempo.
O epitáfio
Nunca poderia supor que um homem deixasse de existir perante o mercado à medida que vai apagando velinhas. E não adianta mentir a idade ou estacionar nos 47 como a Glória Maria, porque os empregadores são implacáveis, vão logo pedindo documentos, e como nunca fui falsário, a carteira de identidade atesta a sentença de morte: nascido em 11 de julho de 1961. Nossa, quando era adolescente e tentava entrar em filmes proibidos jamais poderia pensar que o fato de ser mais velho significaria morrer à mingua, sem oportunidade de trabalho, independentemente das qualificações e competências.
O mais cruel de todo esse processo de morte insepulta é que somos os últimos a saber que estamos atravessando a fase sombria. Somente nos damos conta quando nos atrevemos a disputar uma vaga de emprego com alguém mais jovem.
Agora, só resta redigir meu último texto que ornamentará minha sepultura real, já que para o mercado estou de hora extra aqui na face da Terra. O epitáfio seria assim: ‘Aqui jaz Sérgio Luís Domingues, morto para o mercado aos 44 anos, mas que nunca se conformou e morreu com esperanças de poder voltar a trabalhar’.
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Jornalista, consultor de marketing e comunicação, professor de marketing. (www.sergiodomingues.com.br)