O Supremo Tribunal Federal enquadrou os bancos no Código de Defesa do Consumidor. A decisão, tomada por 9 votos a 2, liquidou uma velha pendência entre o sistema financeiro, apoiado pelo Banco Central, e as organizações de proteção aos clientes. A novidade foi um dos principais assuntos da imprensa, na quinta-feira (8/6). A maior parte dos jornais publicou chamada na primeira página e houve editoriais no dia seguinte. Material não faltou. Faltou clareza em relação a um ponto essencial: os juros cobrados nos empréstimos.
Não há tabelamento de juros no Brasil. Há apenas um teto para o custo dos empréstimos a aposentados, mas esse é um caso especial. Como se trata de operações garantidas, o ministro da Previdência decidiu exigir dos bancos uma contrapartida.
Não há tabelamento, mas, com a decisão do STF, ‘os juros abusivos, acima dos praticados pelo mercado, são proibidos’, segundo o Globo. De acordo com o jornal, os consumidores ‘podem lançar mão do CDC para impedir abusos’, quando se julgarem lesados. Essa informação é atribuída, na reportagem, ao ministro Eros Grau, do Supremo Tribunal Federal.
Segundo a Gazeta Mercantil, o código deve ser aplicado ‘inclusive no questionamento de taxas de juro abusivas’.
O Estado de S. Paulo também mencionou os juros, incluindo entre os possíveis motivos de reclamação a cobrança de taxa superior àquela encontrada no mercado. Essa informação apareceu em destaque. No texto, há um esclarecimento adicional: ‘A taxa abusiva, na opinião do jurista Ives Gandra Martins, será caracterizada quando os juros de uma operação forem maiores que a média de mercado’.
Definição inaplicável
Segundo a Folha de S. Paulo, o tomador de empréstimo ‘não pode se valer do Código de Defesa do Consumidor para pleitear redução na taxa que o banco cobra pelo uso do cheque especial, por exemplo. O código não arbitra essa questão. A definição é feita segundo a política do banco e a concorrência no mercado’.
Mas o parágrafo seguinte complica o assunto: ‘‘É claro que, com a decisão de ontem, abre-se um precedente importante a respeito da abusividade na cobrança dessas taxas. Mas o CDC não arbitra essa questão’, diz Marli Aparecida Sampaio, diretora-executiva do Procon-SP’.
Na sexta-feira (9/6), o Estado de S. Paulo publicou uma carta do advogado Ives Gandra Martins com alguns esclarecimentos sobre as afirmações a ele atribuídas pelos jornalistas. ‘Perguntado, ainda, sobre como tratar os juros abusivos, disse-lhes que, segundo o voto do ministro Eros Grau, poderiam ser os bancos acionados, mas em face do Código Civil.’ A base da reclamação não seria, portanto, o CDC.
Ah, bom. Mas isso ainda não elimina todas as dúvidas. Continua estranho o fato de vários jornais terem mencionado a possibilidade de aplicação do código à questão dos juros. De onde ou de quem partiram as informações sobre isso? E que são juros abusivos? As definições apresentadas pelos jornais são divertidas.
Se abusivos são os juros ‘acima dos praticados pelo mercado’, a definição não se aplica às taxas acordadas entre bancos e clientes. Afinal, empréstimos bancários são normalmente operações de mercado. Uma taxa cobrada em operação de mercado, mesmo altíssima, não pode ser maior que ‘as taxas praticadas no mercado’, pois se inclui entre elas. Um homem não é mais alto que ‘os homens’. Só pode ser mais alto que ‘certos outros homens’. Quais?
O sábio Simão
A definição mais complexa – abusiva é a taxa superior à média do mercado – também não serve. A menos que todos os bancos cobrem juros iguais, arriscando-se a um processo por formação de cartel, alguns serão inferiores à média e outros, inevitavelmente, superiores. Não tem sentido tomar a média como teto. Imagine-se que nenhum banco, amanhã, cobrasse juros superiores a esse e que alguns cobrassem taxas inferiores. Seria formada inevitavelmente uma nova média, menor que a atual. Esse valor passaria, portanto, a ser o novo teto, e assim por diante.
Não basta, portanto, definir ‘abusivo’ como ‘superior à média’. Qual será a definição conveniente? Esse problema permanece aberto há muito tempo, desde que se começou a falar sobre preços abusivos. Resta plagiar José Simão: ‘Nóis lê, nóis num intende, mas nóis se diverte’.
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Jornalista