O leitor certamente se lembra do intenso debate provocado ao longo de 2004 em função da proposta do governo federal de transformação da Ancine em Ancinav. Os grandes grupos de mídia e seus aliados se mobilizaram e combateram publicamente a proposta, acusada, sobretudo, de cercear a liberdade dos produtores de audiovisual (ver ‘A esperança de um debate democrático‘, neste Observatório, 30/11/2004).
A intensa campanha fez com que, em janeiro de 2005, o governo federal decidisse suspender o projeto da Ancinav e avançar apenas com os projetos de fomento e fiscalização, sob o pretexto – verdadeiro, aliás – da necessidade de que o país tivesse um marco regulatório geral para o setor (ver ‘O que foi feito da Lei Geral de Comunicação Eletrônica de Massa?‘, neste OI, 8/6/2006).
Na quarta-feira (7/6), 15 meses depois, o governo encaminhou projeto de lei ao Congresso Nacional que antecipa, a cada ano, investimentos de cerca de 70 milhões de reais para o setor. O projeto prevê a criação do Fundo Setorial do Audiovisual além de mecanismos de incentivo na Lei do Audiovisual.
Aliados, de novo
O Fundo Setorial do Audiovisual tem como objetivo financiar programas e projetos voltados para o desenvolvimento e a maior competitividade da indústria audiovisual brasileira, e será composto de recursos da Condecine (Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional), que arrecadou cerca de 36 milhões de reais em 2005.
Por outro lado, as propostas para a Lei do Audiovisual possibilitam a dedução fiscal dos valores aplicados no patrocínio a filmes de longa metragem, além de permitir que empresas de radiodifusão e emissoras de TV por assinatura possam utilizar parte do imposto de renda devido sobre a remessa de recursos ao exterior para financiar obras da produção independente. Esse benefício, aliás, já existe hoje para as programadoras estrangeiras que atuam no Brasil. Além disso o projeto aumenta os poderes de fiscalização da Ancine, que passará a controlar todas as informações do setor possibilitando maior controle sobre a aplicação dos recursos.
O projeto foi articulado pelo Ministério da Cultura e contou dessa vez com o apoio de muitos daqueles que combateram ferozmente a Ancinav. Na caminhada que fez do Palácio do Planalto até o Congresso Nacional para entrega pessoal do projeto ao presidente da Câmara dos Deputados, o ministro Gilberto Gil estava acompanhado de cineastas e conhecidos representantes do setor, inclusive Luiz Carlos Barreto e Cacá Diegues, opositores públicos do antigo projeto da Ancinav.
Mais avanços
Embora ainda exista um longo caminho pela frente até a completa tramitação do projeto, tanto na Câmara como no Senado, e sua eventual transformação em lei, a iniciativa deve beneficiar, no futuro, produtores nacionais, emissoras de TV aberta e paga e, sobretudo, a produção independente.
Abre-se, portanto, uma possibilidade institucional de parcerias que têm potencial de aumentar a pluralidade e a diversidade do conteúdo do audiovisual brasileiro.
Depois da inevitável frustração provocada pelo abandono do projeto original da Ancinav e da total inércia governamental com relação a Lei Geral de Comunicação Eletrônica de Massa, a novidade deste projeto de lei não deixa de provocar um certo alento.
O que se espera agora é que algum avanço também ocorra nas outras muitas áreas do setor de audiovisual que continuam aguardando a ação governamental.
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Pesquisador sênior do Núcleo de Estudos sobre Mídia e Política (NEMP) da Universidade de Brasília e autor, entre outros, de Mídia: Teoria e Política (Editora Fundação Perseu Abramo, 2ª ed., 2004)