DOCUMENTÁRIO
Nauru, uma ilha à deriva
‘Ao se aventurar na direção de filmes documentários, Juliano Ribeiro Salgado confessa que sentiu a carga de seu DNA. Filho de Sebastião Salgado, consagrado fotógrafo reputado internacionalmente, ele admite que não foi fácil se desvencilhar da sombra paterna e do peso do sobrenome em seus primeiros passos com uma câmera na mão: ‘Isso me botou muita pressão numa época. As pessoas esperavam muito de mim, achavam que logo teria se ser tão bom ou melhor do que ele. Tinha medo de fazer errado, de não conseguir, mas acabei me liberando disso. Demorou um tempão, mas depois as coisas ficaram bem mais fáceis’.
Seu último documentário, Nauru, uma ilha à deriva, é uma prova material de sua superação, com brio, da desconfortável comparação com o pai famoso. Em 1h30min, Juliano revela com sensibilidade autoral personagens da trágica e curiosa história recente de Nauru, pequenino ponto isolado nas águas do Oceano Pacífico. Pouco ou quase nada se ouviria falar dessa ilha de escassos 21 mil quilômetros quadrados, independente desde 1968, não fosse a singularidade de seu recente passado. Classificado como o terceiro menor país do mundo (depois do Vaticano e do Principado de Mônaco), por muito tempo Nauru viveu a opulência proporcionada por um status cobiçado por qualquer nação: o de segundo maior PIB por habitante do mundo.
A minúscula ilha devia sua extrema riqueza à exploração de um então valoroso mineral, o fosfato, abundante em seu subterrâneo. Por vinte anos, os nauruanos mergulharam num consumismo desmesurado e o governo despendeu com facilidade o farto dinheiro do caixa. Nauru criou sua própria companhia aérea, a Air Nauru, composta por meia dúzia de boeings 737, e uma frota de navios cargueiros. Todo tipo de comida enlatada era importada dos Estados Unidos. O esbanjamento incluiu até a produção de um musical sobre Leonardo da Vinci, em Londres, em 1995 (Leonardo: a Portrait of Love foi um fracasso e saiu de cartaz quatro semanas depois da estréia). A prosperidade também atraiu a corrupção. A máfia russa usou a ilha para lavagem de dinheiro num montante estimado em até U$ 70 bilhões.
O Éden de outrora hoje é um cemitério de sucatas em uma natureza devastada, simbolizada por um solo esburacado. Distante do Paraíso, uma população pobre vive doente e em penúria de água e eletricidade em uma ilha endividada. Os excessos e falcatruas do governo, aliados à queda brusca da cotação do fosfato no mercado internacional, fizeram o banco de Nauru quebrar em 1997 e decretaram a falência total do país em 2004. Foi uma feliz coincidência para o diretor o fato de o filme ter sido finalizado em meio as turbulências da crise econômica e financeira que hoje abalam o planeta. Nauru experimentou em miniatura o que, de uma certa forma, alguns anos mais tarde se amplificaria no mundo.
Exibido no mês passado no canal de tevê francês Arte, o filme foi selecionado para o festival de documentários Hot Docs, em Toronto (Canadá), e será igualmente projetado no festival francês Etonnants Voyageurs, na cidade de Saint-Malo. Após sua chegada de uma viagem à tribo dos índios Zoé’s, no Pará, onde fez algumas filmagens para o Instituto Terra (organização ambiental de Sebastião e Lélia Salgado), e antes de sua partida para o Canadá, para acompanhar a exibição de seu documentário no prestigiado festival canadense, no dia 9 de maio, agendamos uma conversa.
Aos 35 anos, Juliano se reivindica brasileiro, embora nunca tenha residido no Brasil. Seus pais, Sebastião e Lélia, exilaram-se na França em 1969, fugindo da ditadura militar, e foi aqui que ele nasceu e cresceu. ‘Queria muito um dia morar no Brasil. Tenho algo forte do Brasil na minha identidade. Eu me dou muito bem com brasileiros, me sinto como um peixe n’água quando estou no Brasil. Mas queria muito morar lá para perder esse meu lado gringo. Pelo menos por um tempo, para ver aonde isso me leva’, diz.
Como surgiu seu interesse pelo cinema documentário?
Meu interesse inicial foi sobre o modo de vida. O meu pai se tornou conhecido bem mais tarde, quando eu já era adolescente. Mas o modo de vida dele era muito interessante. Ele era jornalista de imprensa, viajava para lugares onde a história estava acontecendo. Ele tinha uma idéia muito clara de como o mundo estava se transformando. A época da guerra fria tinha seus pontos de foco muito definidos, e ele ia a todos esses lugares. Eu achava interessante. Eu me lembro de contar para as minhas professoras e meus colegas onde meu pai estava, e via os olhos deles arregalando, alucinando. Cresci com essa idéia positiva da profissão de fotojornalismo. Quando minha namorada ficou grávida do meu filho (Flávio, hoje com 12 anos), eu tinha 21 anos, tive de procurar um trabalho. Essa coisa da imagem era natural para mim, cresci olhando fotografia. Tornou-se algo evidente fazer isso para conseguir uma grana, poder viver. E o modo de vida me correspondia. Acabei adorando.
Como foi o seu percurso até aqui?
Já fiz seis filmes para a tevê francesa, contando com Nauru. O primeiro foi sobre pessoas que viviam em zona de guerra, em Angola. O segundo foi um tema similar, no Afeganistão, mas o filme ficou muito ruim. Depois fiz um filme no Brasil, sobre a fazenda do meu avô (em Aimorés, MG), antes de virar o Instituto Terra. Meus pais me pediram para fazer um filme sobre o Instituto e acabei fazendo um filme sobre o meu avô e o vaqueiro que trabalhava lá na época. Não fiz o filme que meus pais haviam me pedido, mas acho que ficou bem legal, uma coisa interessante. Depois parei um tempo e trabalhei bastante nas redações dos canais franceses Canal Plus e France3. Depois fui para a Inglaterra, onde já havia feito uma escola de cinema, trabalhar um tempo lá, com edição e outras coisas. Retornei para a França e fiz dois documentários sobre animais, mas detestei a experiência. É muito chato ficar lá esperando o animal sair do buraquinho, aí ele olha para a esquerda, para direita. O animal não saiu do quadro e tem de fazer tudo de novo, para poder editar. É horrível.
Você acompanhou o trabalho de diretor americano Terrence Malick (Cinzas no Paraíso, Além da Linha Vermelha) no filme O Novo Mundo. Como foi isso?
O Terrence Malick, que é um cara muito legal, queria trabalhar com o meu pai. O Sebastião dizia: ‘Mas eu não faço cinema, o meu filho faz’. Aí ele me convenceu de mandar para o Terrence uma fita do meu trabalho, mas achei que não ia dar em nada. Um dia, em Londres, estava jogando futebol no parque com uns amigos e era o Terrence Malick. Foi aquela surpresa. Ele queria que eu trabalhasse no filme dele sobre o Che Guevara. Ele ia fazer na época, depois perdeu o projeto, o filme não aconteceu, quem acabou fazendo agora foi o Steven Sordebergh. Depois, quando ele foi para a Inglaterra fazer outro filme, The New World, me ligou novamente e me propôs para eu fazer o que quisesse no set de filmagem. Eu disse que queria ser apenas um aprendiz. Entrei na maior cara-de-pau, de penetra mesmo, fiquei dez dias com ele e aprendi muita coisa. Foi uma experiência muito interessante, adorei.
Como nasceu Nauru, uma ilha à deriva?
A idéia foi de um jovem jornalista francês chamado Luc Folliet. Ele sonhava com Nauru. Quando ele era pequeno, o pai dele lhe deu de presente um globo, e Nauru era um dos menores países do mundo. Havia muito pouca informação sobre Nauru, e a ilha acabou se tornando um mito para ele o pai. Ele cresceu, virou jornalista, o primeiro projeto dele ia ser sobre Nauru, mas acabou fazendo outras coisas. Quando o pai dele morreu, a última coisa que disse para ele foi: ‘Você tem de realizar seus sonhos’. Ele entendeu que tinha de fazer o filme sobre Nauru. Primeiro foi contratado o Hubert Sauper, que havia feito O Pesadelo de Darwin (2004), mas depois de um tempo ele acabou saindo do projeto. Aí acabamos nos conhecendo e entrei eu.
Qual foi a sua ideia de filme?
Nauru viveu muitas coisas em muito pouco tempo. O país ficou independente em 1968. É uma ilha de apenas 21 mil quilômetros quadrados, perdida no Oceano Pacífico. Era um povo pobre que passou a ser muito rico. Eles conseguiram comprar os meios de produção da mina de fosfato e a produzir por conta própria a sua matéria-prima, um fato raro nos países que se tornaram independentes naquela época. Mas acabaram perdendo tudo por má gestão do dinheiro. Também apostaram muito no mercado financeiro e perderam tudo. O banco quebrou na década de 1990 e, em 2004, o país foi completamente à falência.
Eles tiveram muito dinheiro. Possuíam uma companhia aérea com sete boeings 747 para 8 mil habitantes. Cerca de 2 mil pessoas vieram de outras ilhas trabalhar em Nauru. Eles mesmo não trabalhavam mais. Os chineses vieram oferecer serviços de todo o tipo. Australianos emigraram para trabalhar como professores, engenheiros, pilotos de avião ou de navio. Era um dos países mais ricos do mundo em PIB por habitante. Hoje eles vivem pescando e colhendo frutas. Só que não há mais frutas, porque a mina de fosfato devastou tudo. O índice de diabete do país é o maior do mundo. O país está todo devastado ecologicamente. Eles vivem com os problemas de um Estado industrializado moderno, mas tendo de enfrentar o colapso financeiro e da economia. O interessante para mim nesse filme não era explicar o mecanismo disso tudo, mas tentar compreender o que resta quando não resta mais nada. Foi estranho, porque nessa ilha há pessoas que falam inglês muito bem, jovens com curso superior, para quem seria fácil emigrar para a Austrália, Estados Unidos. Mas eles permanecem lá, num lugar onde não há o que fazer. Isso que tentei descobrir: o que ainda tem numa ilha que não tem mais nada, por que as pessoas ainda ficam lá? Acho que é isso que a gente pega bem no filme.
Qual o seu sentimento pessoal sobre Nauru depois da filmagem?
Os velhos ainda vivem como pessoas que eram viciadas em droga e tiveram de parar, mas que ainda sentem falta da droga para ter aquele pico. Os velhos entendem que o consumismo exagerado foi negativo para eles, destruiu a terra deles, deixou todo mundo doente, mas ao mesmo tempo você sente que tudo que eles queriam era poder ter mais dinheiro e gastar mais. Os jovens não viveram isso, sabem que o dinheiro foi embora e não volta mais, essa ilusão não existe mais, mas tem algo que faz com que eles permaneçam lá, e isso é bonito. Eles não formulam isso, eles não falam ou explicam porque querem ficar. Mas acho que no filme a gente consegue ver que existe essa coisa que é mais forte do que o dinheiro, o consumismo, o fato de tudo estar em ruínas, de não ter mais água potável, um lugar em que tudo pode acabar muito rápido. Há algo muito forte entre eles nesse sentido.
Qual a explicação para o alto índice de diabéticos no país?
Em Nauru, 75% da população acima de 35 anos sofrem de diabete. Há uma propensão genética ao diabete, como em todas essas ilhas do Pacífico, em certas tribos ameríndias. E há também o fato da mudança de alimentação, eles queriam comer de tudo, experimentar tudo, aproveitar ao máximo. Eles aproveitaram de tudo e hoje estão pagando por isso de uma forma muito brutal. Como nós todos também podemos vir a pagar. Esse filme tem esse lado de ser uma parábola do que poderia acontecer nas nossas sociedades, e que foi o que quase aconteceu agora nessa crise. De um certo ponto de vista, foi uma sorte ter feito esse filme agora. Mas foi totalmente por acaso que isso aconteceu. O interessante é que essa ilha é um laboratório. A gente já havia compreendido isso, pelo fato dela ser tão isolada, tão pequena. Ela funciona como um laboratório sociológico, de um lugar que consumiu muito, que tem todos os problemas que identificamos na sociedade ocidental moderna, seja no Brasil, na França, nos Estados Unidos. O consumismo, os problemas ecológicos, de saúde, de obesidade… Há também uma perda da cultura local.
Na prática, houve dificuldades junto à população local para fazer o filme?
Estivemos lá na primeira vez em agosto de 2007, depois voltamos em dezembro do mesmo ano, e encerramos as filmagens com uma nova viagem em julho de 2008. No total, ficamos 13 semanas em Nauru filmando. O problema é que as pessoas não queriam falar sobre esse assunto. Já tinham sido feitos filmes australianos sobre como eles haviam perdido todo o dinheiro, com explicações um pouco racistas, dizendo que a falência ocorrera pela estupidez dos índios das ilhas. Eles tinham receio de responder às questões porque os demais filmes haviam sido muito negativos em relação a eles. Tentei explicar que não era essa nossa intenção. Mas é uma sociedade muito pequena, de apenas oito mil habitantes, que vive num ilha de 21 quilômetros quadrados, dos quais 16 mil são uma mina a céu aberto onde ninguém nunca vai. Todo o mundo vive em 4 mil metros quadrados, todo o mundo se conhece e se vê. Há uma pressão social muito forte. As pessoas se recusavam a falar conosco. Algumas falavam, mas depois, pela pressão da família e amigos, recuavam. Uma vez um ex-presidente da ilha tentou nos atropelar com um carro. Mas aos poucos fomos ganhando a confiança deles. Acho também porque eles realmente nunca expressaram o que pensam sobre o que aconteceu. Não há livros sobre eles. Acho que foi também uma oportunidade para algumas pessoas abrir o jogo e tocar nesses assuntos que são meio tabu para eles.
Em que lugar você coloca esse documentário na sua filmografia?
É o filme mais interessante que fiz até agora, no qual trabalhei mais, me reconheço mais, me sinto mais maduro. Hoje sinto que domino melhor a técnica de cinema e de narração. Estou escrevendo um projeto de ficção, para uma produtora francesa chamada Divine. Eles estão fazendo um outro filme com o mexicano Guillermo Arriaga, que escreveu o roteiro de 21 gramas. São caras jovens, têm bala na agulha, vamos ver se sai. Queria fazer também um dia um filme sobre o Tião (Sebastião Salgado). Se bem que é difícil saber que ângulo pegar. Certamente não será um filho contando a experiência com o pai. Há filmes terríveis assim. Um dia eu faço isso. Mas atualmente tenho o projeto de fazer um filme no Brasil, que ainda não posso dizer o que é. Está em fase de pesquisa, já contatei alguns etnólogos. Tem a ver com os índios, com a industrialização, com o paradoxo que há entre a esperança dos povos indígenas de se preservar e a esperança de pessoas humildes de mudar de vida. Há uma contradição entre essas duas esperanças e acho que há um filme a ser feito aí.’
SUPERVIA
Francisco Viana
Um novo dado na comunicação
‘Volto a abrir espaço para o jornalista Ricardo Lauricella que, por sua vez, dá continuidade ao tema do episódio carioca da Supervia e a lei da chibata. A crônica traz uma novidade: não basta seguir apenas as regras da boa gestão de crise, isto é, formular um discurso, ir aos veículos de comunicação dar uma satisfação à opinião pública. É preciso reconhecer erros, demonstrar autêntica sensibilidade política para os acontecimentos e seus problemas. Esse aspecto torna-se crucial porque estamos assistindo uma retomada do movimento político no país, com as entidades da sociedade civil pressionando e exigindo providencias para os problemas que se avolumam. O caso do Congresso é típico. No início, alguns parlamentares tentaram jogar a culpa da crise na imprensa. Fato muito corriqueiro quando se tenta escapar das responsabilidades. Voltaram atrás. Onde chegará a crise não se sabe. Mas um fato é concreto: o atual Congresso perdeu a credibilidade. Para o cidadão tornou-se um corpo estranho à sociedade, alvo de gozações, fonte de descrença. O que fazer? A sociedade terá que pressionar por uma resposta. Mas a verdade é ácida: ou os próprios congressistas tomarão a iniciativa da mudança ou a sociedade acabará por fazer valer sua soberania. O caso da Supervia traz um questionamento de natureza também concreta. Qual foi o real sentido das privatizações? Onde começa a responsabilidade dos seus artífices, quais as responsabilidades dos atuais governantes? Lauricella formula essas questões com propriedade. Vamos ao texto.
Reação em cadeia: Supervia 2
Por Ricardo Lauricella
Em 15 de maio, o Jornal da Globo, seguido ao episódio da chibata na Supervia, entre outras manchetes, veiculou: ‘Lei de Concessões é violada pela violência nos trens do Rio’. E foi mais adiante ao denunciar que o problema se estende ao conjunto das concessões, incluindo até mesmo as barcas Rio Niterói. Notícias como essas espelham exatamente o que é uma crise funcionando como se fosse uma erupção vulcânica. É o que se pode chamar de uma reação em cadeia. A questão hoje, já não é mais a Supervia, é todo o sistema de concessões no Rio de Janeiro. E, a persistir o questionamento, a tendência é que se acenda mais uma vez o estopim do questionamento das privatizações na chamada Era FHC (Leia-se Fernando Henrique Cardoso).
Como o Estado não está realizando a sua função essencial de fiscalizar os contratos e mediar a relação das concessionárias com a sociedade e o cidadão, acontece uma deterioração desses contratos. Eles estão perdendo a razão de existirem. À medida que isso for ficando claro vai haver pressões de grupos organizados, intervenção do Ministério Público e os políticos envolvidos nisso vão ter grandes prejuízos na sua reputação. Leia-se: perderão o que ainda existe de credibilidade e certamente perderão as próximas eleições. O tema privatizações pode ser explosivo na próxima campanha presidencial e fazer a balança pender contra o tucanato. Se nós olharmos o Brasil dos últimos anos, vamos ver que tudo que sai na imprensa acaba tendo repercussões na medida em que vai gerando um núcleo crítico na sociedade. Isso porque a opinião pública e o saber público são as formas mais eficazes de exercer a democracia. E no Brasil esse espaço vem sendo ampliado.
Vejamos o que acontece, por exemplo, com o telemarketing. São Paulo regularizou a questão do telemarketing. No Rio de Janeiro o mesmo debate foi iniciado para criar uma lei como a paulistana. Motivo: o telemarketing se tornou abusivo. O que estamos vivendo é uma crise atrás da outra, e a cada crise, produz reações na sociedade que acabam de um lado, desqualificando os personagens envolvidos e, de outro lado, dando origem a reações concretas, como é o caso do Congresso Nacional.
Há mais dois meses, o Congresso vem sofrendo um processo intenso de denúncias. O que elas comunicam? O que está em jogo hoje, não é só a dimensão rápida em que os fatos ocorrem, não é só a questão das pessoas eleitas, como até então vinha acontecendo. O que está em jogo hoje é a própria função da instituição.
À medida que a sociedade foi crescendo e se expandido, desde a Revolução Americana de 1775 e Francesa de 1789, foi também se tornando mais complexa. A partir daí foi preciso a criação da representação. O que acontece hoje é o deslocamento da esfera do parlamento, como representante dessa sociedade, para os núcleos organizados da sociedade civil. A política de representação perde espaço, perde poder. Perde legitimidade. Esvazia a conquista republicana do voto. É trágico, mas é verdadeiro. O Brasil está se tornando num viveiro de crises que, na essência, são crises de comunicação porque revelam o conteúdo não ético e corrupto no sentido de degradação – de instituições que por perderem o sentido da sua missão se deterioram e passam a viver em conflito com o cidadão. Em lugar de representá-lo, concentram-se nos interesses particulares dos seus integrantes.
A comunicação, nesse contexto, perde a capacidade de resposta. Não adianta discursos bonitinhos, dito na frente das câmaras com precisão e cuidados técnicos. Os fatos superam as versões. A sociedade está transitando da opinião para o saber. Por trás da mudança, está surgindo uma força que é inexorável. Que não se resume ao ambiente da web, como todo o leque de comunicações eletrônicas. Hoje, cada pessoa é um jornalista em potencial através de mensagens curtas por celular, blogs, twitter, comunidades virtuais, facebook, technorati, myspace, grupos de discussão por e-mail, entre tantos outros que poderão se tornar uma bomba dentro da sociedade tal como ela é. O saber se democratiza. Comparações são feitas. O caso da Supervia no Rio de Janeiro é emblemático: o presidente fez tudo certo, mas só tecnicamente. Faltou conteúdo, faltou dizer: erramos e vamos começar tudo de novo. Se isso vai ser dito, se as mudanças vão ser feitas é preciso que sejam imediatas. E às claras.
A representação existe para mediar o diálogo da opinião-saber público com o poder. Se não for assim, é a própria estabilidade das instituições republicanas que estará em questão. Mas essas mediação precisa ser autêntica. A verdadeira fonte de poder é o povo e este se manifesta por meio de suas organizações. O que estamos assistindo é um impasse de grandes proporções onde o poder político representativo se distancia do poder soberano do corpo social. Quando isso acontece, as instituições entram em crise. A cada crise é um pedaço da credibilidade das organizações públicas e privadas que é dilacerado. Pergunto: como vai reagir a juventude? Quais as lições que poderão tirar das atuais lideranças? O ciclo de decadência das nações se inicia quando não há referencias positivas, quando em lugar da confiança se instaura o descrédito. O que vivemos é exatamente isso: uma profunda crise de confiança. Como restaurá-la? Essa é a resposta que a sociedade conseguirá formular na medida em que adensar seu espírito participativo.’
SEM FRONTEIRAS
Maierovitch estreia comentário semanal em vídeo
‘O ex-secretário nacional antidrogas Wálter Maierovitch estreia amanhã, às 14h30, um comentário semanal, em vídeo, na Terra Magazine. Especialista em direitos humanos, crime organizado, narcotráfico e criminalidade transnacional, Maierovitch analisará, às quintas, os principais fatos semanais desse circuito que tenham repercussão nacional e internacional.
O leitor que o acompanha no blog Sem fronteiras pode esperar ecletismo e bom humor na escolha dos temas. Wálter Maierovitch preside o Instituto Brasileiro Giovanni Falcone e mantém uma coluna na Carta Capital. Seus estudos sobre as entranhas de organizações mafiosas já lhe valeram reconhecimento nacional e externo. Diariamente, esclarece os internautas sobre o crime além-fronteiras em suas múltiplas faces.’
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