Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Sede de gols, fotos, relatos e bravuras

‘Por que não demos uma foto do gol na primeira página?’, perguntou, naquela
segunda-feira, Roberto Marinho ao então diretor de redação do Globo,
Evandro Carlos de Andrade.


Meados dos anos 1990, o ‘doutor’ Roberto ainda freqüentava a redação e
Evandro contava a história para mostrar como o dono de um dos maiores impérios
de mídia do mundo conservava intacto o seu instinto de jornalista.


Foto do gol deixou de ser essencial nas primeiras páginas ou cadernos de
esporte. Foram substituídas pelos lances dramáticos onde a figura do jogador,
inclusive seu rosto, tornou-se mais importante do que o resultado da sua jogada.
Mérito das poderosas teleobjetivas capazes de captar qualquer coisa em qualquer
canto do gramado. Forma de enfrentar a cobertura panorâmica da TV, horas antes.


No caso das Copas do Mundo a tendência de desprezar a foto do gol
fortaleceu-se diante da impossibilidade de acomodar atrás de apenas duas balizas
a multidão de fotógrafos credenciados.


Sem crédito


Apesar da pletora de gols no jogo de abertura (Alemanha, 4 x Costa Rica, 2)
foram inexpressivas as fotos escolhidas para as primeiras páginas dos jornalões
nas edições de sábado (11/6). Todas fornecidas por agências internacionais.


Mas, no domingo (11/6), o fotógrafo Dusan Vranic, da Associated Press, deu um
show com o primeiro gol argentino contra a Costa do Marfim, marcado pelo
atacante Crespo. Obra de arte que a Folha sapecou no alto da primeira
página mas não teve a ousadia de abrir mais, talvez para não confrontar os
dogmas da recente reforma visual.







Dusan Vranic/Associated
Press

O Estadão-ão-ão comeu duas moscas: escolheu para a primeira página uma
convencionalíssima foto de comemoração do segundo gol argentino, e em
compensação abriu com coragem esta mesma antológica foto do gol de Crespo na
capa do caderno da Copa. Mas esqueceu de registrar o nome do fotógrafo e da
agência – falta grave.


Marca registrada


Mais grave ainda é esta novidade do estilo Armani do Estadão-ão-ão:
esconder a foto esportiva sob um monte de palavras (domingo e segunda-feira).
Imagem é imagem, texto é texto, sereníssimos doutores formados em Navarra: não
queiram transformar cada pedaço do jornal num pretexto para enfiar uma
infografia.


Uma coisa é certa: os jornalistas Roberto Marinho e Evandro Carlos de Andrade
não suportariam ver aquelas mirradas e paupérrimas fotos de gols nas primeiras
páginas do Globo (sábado, domingo e segunda) onde outrora, mesmo num jogo
do São Cristóvão x Madureira, luziam magníficas fotos da pelota balançando as
redes, diante do goleiro arrasado e do goleador triunfante.


Foto de gol é marca registrada dos jornais. E esta marca jamais lhes será
arrebatada pela TV ou a internet. É o registro estático-dinâmico do momento
supremo do futebol. E do jornalismo esportivo.


 


Jornalismo autoral


A cobertura das Copas ajudou a consagrar o jornalismo de notas e notinhas. A
velha e imbatível crônica esportiva ainda resiste, felizmente, nas mãos dos
especialistas. A reportagem clássica sumiu do mapa. A pretexto de não repetir a
TV – sempre genérica, rasa, apressada – não se contam mais histórias, sumiram as
narrativas. Um factualismo rasteiro, pseudo-objetivo, está derrubando o último
bastião do beletrismo jornalístico.


Mas, às vezes, despontam pequenas jóias. Caso do caderno ‘Retratos do Brasil’
do Estado de S.Paulo (quarta-feira, 7/6) dedicado ao futebol com
preciosos textos e lindas fotos sobre ‘meninos que nasceram para ser craques,
peladeiros, torcedores cismados e outras histórias do país da bola’. Chave ouro:
uma antiga crônica de Paulo Mendes Campos.


Caso também da reportagem de capa do caderno esportivo do Globo
(sábado, 10/6) sobre uma miserável comunidade que vive a poucos minutos da Barra
– a Miami carioca – e que nada sabe sobre Ronaldo, Ronaldinho, Copa e a Rede
Globo simplesmente porque não tem luz.


Jornalismo autoral da melhor qualidade que no mundo ibero-americano (exceto
entre nós) é designado como crônica.


Contrastes escondidos mas edificantes com as montanhas de palavras
descartáveis desta gigantesca e oca cobertura futebolística.


 


Dois golaços


Para este Observador, dois artigos destacaram-se na primeira semana da
cobertura da Copa:


** O texto inaugural de Juca Kfouri (Folha de S.Paulo, 5/6,
pág. D-5 e chamada na primeira página), ‘Bom Dia, Alemanha!’. Admirável
medley de registro histórico, advertência (poderemos voltar sem o
caneco), pitadas de nostalgia, crítica da mídia (torcer não significa distorcer)
e a confissão de que diante do ufanismo tosco é melhor ‘estar na Alemanha sem
precisar conviver com a histeria que reina por aí’.


** A corajosa cobrança de Ugo Giorgetti (Estado de S.Paulo,
domingo, esportes, pág. E-11) sobre o imperdoável esquecimento a que foi
condenado Rivaldo, um dos heróis da final contra a Alemanha em 2002.
Profissional discreto, craque genial que até há pouco tempo figurava em todas as
listas de convocados para a seleção e, de repente, evaporou-se. Puxão de orelhas
nos sábios da mídia que pontificam, ditam regras, faturam ótimos salários mas
não ousam contestar.