A cada 10 minutos morre um cidadão mexicano por causa de alguma doença associada ao cigarro, destaque para as respiratórias e cardiovasculares. O vício de fumar, generalizado em todas as camadas sociais, crescente entre os jovens, alarmante entre as mulheres, é um dos mais graves problemas de saúde pública do país.
Os fumantes mexicanos, porém, não estão nem aí, como revela informação da Secretaria da Saúde federal sobre os resultados preliminares de sua mais recente campanha publicitária contra o tabagismo – ‘O paraíso dos fumantes – Fumar mata’, que custou 90 milhões de pesos (ao redor de 9 milhões de dólares) e cujo retorno chegou a apenas 17% da população entre 19 e 29 anos. Ou seja, 83% das pessoas (oito de cada 10) que participaram da pesquisa não lembram de ter ouvido, visto ou lido as novas advertências sobre os tremendos estragos do cigarro na saúde.
Iniciada em 8 de maio passado, a campanha divide-se em spots no rádio, comerciais de TV, anúncios nos jornais e cartazes em pontos de ônibus, e desde o princípio tem levado pau de setores oficiais e privados, que questionam sua eficácia comunicativa, qualificando-a de ‘confusa e contraproducente’, embora lançada com um enfoque dito ‘inovador’: em lugar de ressaltar os males provocados pelo cigarro, de forma direta e contundente, a campanha, dirigida sobretudo às novas gerações, adota uma linguagem descontraída, com um fundo musical parecido ao rap, apresentando, na gozação, situações cotidianas agradáveis, nas quais o cigarro está presente (ou estava) – à mesa, nas relações familiares, no escritório, num vôo de avião.
Prazer e constrangimento
Diz uma voz num dos spots:
‘(…) Você come enquanto fuma, fuma enquanto come. Dê a sua refeição um toque de nicotina; coloque pó de bituca na sua salada de cinzas. Lembre-se, o paraíso dos fumantes é o paraíso. Fumar mata.’
Outro spot vai dirigido à praga dos pais fumantes:
‘Fume em cima dos seus filhos enquanto brinca com eles. Acenda mil cigarros… Invente um novo joguinho, códigos secretos com sua tosse. Lembre-se, o paraíso dos fumantes é o paraíso. Fumar mata.’
Deputados dos três grandes partidos mexicanos – PAN, PRI e PRD – criticam a campanha, considerando-a um fracasso, dinheiro do erário jogado fora. Escreveram num documento: ‘Parece até que foram as próprias fábricas de cigarros que inventaram esse negócio. A brincadeira, a ironia e a música pegajosa podem ser usadas pelos fumantes para se esquivar da proteção aos não-fumantes; além do mais, os textos evitam conteúdos que já demonstraram efetividade, como os que geram emoções negativas e incitam condutas ilegais’.
Para várias ONGs mexicanas, que pedem a suspensão imediata da campanha, ‘textos e imagens trivializam o fato de fumar e ridicularizam os fumantes, e isso pode gerar uma rejeição as mensagens publicitárias e uma posição ainda mais radical dos fumantes’. A Secretaria da Saúde se defende: ‘A campanha mostra o prazer de fumar, mas ao mesmo tempo constrange o fumante, fazendo-o ver que não é bem visto socialmente’. Quanto à linguagem quebrada, com fundo musical barulhento, explica o secretário de Saúde, o médico Julio Frenk, em declarações à imprensa: ‘O objetivo é fazer com que o jovem fumante deixe o cigarro, e para tanto ele precisa identificar-se com que diz o texto. Por isso, os adultos talvez não entendam bem as mensagens…’.
Poucas e privilegiadas
O buraco, porém, é bem mais embaixo. Como no Brasil, no México também o problema das mensagens publicitárias, quando se trata de cigarro e bebidas alcoólicas, tem aspectos complexos e obscuros, obviamente ligados a uma rede de interesses que beneficiam setores do governo, empresários do ramo e agências de propaganda.
O governo, pressionado por grupos internos e externos ligados à saúde, é obrigado a armar campanhas contra o cigarro, assim fazendo coro ao clamor mundial contra os horrores do tabagismo, mas, ao mesmo tempo, depende das astronômicas quantidades de grana em impostos pagos pelas ‘tabacaleras’. Além do mais, acordos entre autoridades e fabricantes permitem e estimulam a doação, por parte destes últimos, de generosas somas no combate às doenças causadas pelo fumo, em troca de uma redução gradual nos impostos.
Outra forma de incomodar menos os fabricantes é o que o jornal El Universal chama de ‘legislação light’ para o setor: não exigir muito em termos visuais-publicitários: os maços, por exemplo, quando comparados aos de outros países, como Canadá e Espanha, contêm menos advertências assustadoras sobre o risco de desfrutar de um cigarrinho, coisas do tipo ‘Fumar provoca câncer fatal de pulmão’, impressos na parte da frente. No México, essa opção, onde colocar os tais avisos, fica a critério das ‘tabacaleras’. E elas, é claro, aplaudem e colocam as temidas frases, mais suaves, na parte de trás e nas laterais do maço, como aliás manda a lei mexicana.
Há também, como no Brasil, fortes suspeitas de irregularidades na concessão de contratos publicitários na área. Em outras palavras, poucas e privilegiadas são as agências que abrem champanhe e estouram fogos quando avisadas de que pegaram o filezinho mignon representado por essas nada desprezíveis campanhas oficiais contra o cigarro.
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Jornalista e escritor brasileiro radicado na Cidade do México