Abro esta manifestação com uma definição oportuna, ainda que roubada de um dicionário velho, precisamente, do termo ‘estupidez’: ‘(s. f.) Burrice, asnice; grosseria; indelicadeza, confusão mental; estado de torpor intelectual passageiro, que se distingue do estupor em virtude de afetar sobretudo as funções intelectuais’.
Qual seria pois, à luz de tais definições, a melhor para definir os disparates daquele que se diz um jornalista e que ocupa um espaço de interesse público que é a televisão, em especial o noticiário sensacionalista e medíocre da Rede Bandeirantes, o Brasil Urgente? Por ora chamemos simplesmente de uma estupidez genérica.
Pois o motivo desta singela revolta reside não no fato de, durante o relato de um acidente envolvendo um caminhão e passarela na cidade de São Paulo no dia 8 de junho, o apresentador ter chamado a passarela de ‘porcaria’, acusando-a de ser velha e que deveria ser ‘derrubada logo’ portanto, e que nada justificava a existência duma associação de amigos do referido patrimônio, aliás, tombado em vão como bem cultural [Nota do OI: uma das nove passarelas projetadas pelo arquiteto Vilanova Artigas, um dos mestres da ‘escola paulista’ de arquitetura]. Não, isto não é nada. O pior é a tentativa de justificar e legitimar um xingamento gratuito, fazendo-o com total falta de humildade, já que ficara patente a falta de informação do apresentador, que ainda concluiu dizendo que ‘as pessoas são mais importantes que passarelas’ e que ‘milhares de pessoas passam fome, portanto para que reformar’ (sic? sick?).
Até o repórter de campo sabia mais a respeito da passarela do que o apresentador e tentou pôr panos quentes. E o diretor deve ter falado: ‘Menos, menos’. O apresentador então recuou diante da própria estupidez.
Estupor
E toda esta fala não durou nem 30 segundos: por que o trabalho de criticar? Por que criticar um ‘telejornal’ que em vez de notícias mostra cenas sensacionalistas, desconexas e mal filmadas, certamente pelo excesso de amadorismo, ainda com aquela musiquinha de suspense ao fundo? Para quê? Se é para parecer filme de aventura, então que filme ruim, diga-se de passagem.
Critico como arquiteto e urbanista que, assim como muitos colegas de profissão, estuda a realidade da cidade de São Paulo e seus problemas. Estudei suficientemente para saber que passarelas, mesmo as velhas, também servem às pessoas e exclusivamente a elas; aliás, o que é óbvio – nem precisa estudar para saber isto.
Mesmo se perdoarmos a estupidez de raciocínio do apresentador em função desta pequena confusão mental, não devemos perdoar o fato de ele ser um jornalista (ou posar como um, dá no mesmo) que se mostra em seu íntimo um truculento, revelando não só grosseria ou indelicadeza, mas manipulando a própria ocorrência para descarregar algo pessoal, oculto e explícito ao mesmo tempo em que sua atitude se revela. Atrevo-me a definir, então, mais precisamente a estupidez: é aquela que diz respeito às funções intelectuais comprometidas pelo estupor. Só não sei se é passageiro. Talvez não seja apenas estupidez, afinal. Mas não me arrisco a dar palpite, pois não sou psiquiatra.
******
Arquiteto e urbanista, São Paulo