Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A internet e o futuro do jornalismo

Em recente artigo no The Christian Science Monitor (‘In the age of the internet newspapers are still big business’, 3/5/2006), republicado em O Estado de S.Paulo, no dia seguinte, John Hughes, ex-presidente da Associação Americana de Editores de Jornais, afirma que ‘embora a tecnologia possa mudar os métodos de distribuição, não existe conteúdo a ser entregue sem uma organização noticiosa para coletá-lo e editá-lo’. O artigo tem o sugestivo título ‘Jornais ainda são um grande negócio’. O emprego da palavra ainda não deixa margem a dúvidas sobre o que o autor pensa sobre o futuro, embora um futuro distante: ‘O jornal está muito longe de ser uma espécie em extinção’.

Ele diz também que ‘os jornais são as maiores organizações de coleta de notícias dos Estados Unidos e os principais fornecedores de material para a internet’. Pode ser, pode ser, embora seja difícil comprovar e mais difícil ainda acreditar. O volume de informação disponível e renovado neste vasto, incontrolado e incontrolável universo virtual, que é a internet, é tão variado e originado de tantas fontes que se tornou impossível aceitar afirmações como as de Hughes. Mesmo em termos de informações conceituadas como notícias. Emissoras de rádio e TV, serviços de informação de governos, ONGs, empresas, entidades civis, religiões e sabe-se lá o que mais injetam diariamente notícias na internet, num volume incomparavelmente muito maior que os jornais.

É certo que jornais, em todo o mundo, saíram de uma inicial letargia frente à internet para uma posição agressiva de invadi-la, de fundir o impresso e o virtual, de produzir notícias para serem lidas no jornal tradicional e nas páginas de websites. E, sobretudo, linkar um formato no outro, de tal forma que o leitor possa navegar entre um e outro formatos, complementando seu nível de informação e, mais que tudo, permanecendo fiel ao veículo. Este último o objetivo mais concreto.

O 7th International Symposium on Online Journalism, realizado na Universidade do Texas, em Austin, no início de abril deste ano, confirmou tal tendência. Boa parte dos conferencistas e painelistas mostrou como caminho que os jornais impressos já percorrem a integração, isto é, a fusão de salas de redação e departamentos comerciais. De tal forma que, em breve, em todos os jornais, não haverá diferença entre os profissionais que trabalham no formato impresso e no formato digital. Isto já aconteceu, por exemplo, no New York Times, no USA Today e no Wall Street Journal.

Três pontos

Na verdade, a internet passou a ser uma condicionante do jornalismo. Não se trata mais de ignorá-la ou imaginá-la como ‘uma outra coisa’, um outro meio. Ela, na verdade, é muito mais que isto: é uma rede de informação e comunicação, quase infinita em todas as dimensões, que absorve todos os meios e os recria como algo novo.

Em entrevista especialmente dada para este artigo, Rosental Calmon Alves, jornalista brasileiro que criou o JB Online e hoje é professor da Universidade do Texas e diretor do Knight Center for Journalism in the Américas, disse, textualmente, que ‘a internet é um fenômeno avassalador sobre a mídia; destrói modelos de negócios ou muda negócios inteiros, cresce com um caráter destruidor enorme e está reinventando a publicidade. Não há atividade econômica ou social que não seja atingida’.

Há um dado do mercado americano de notícias que é sintomático: segundo Rosental, a idade média dos telespectadores de programas jornalísticos é, hoje, de 60 anos. O que significa que os mais jovens – que já vinham se distanciando dos jornais impressos – estão agora se distanciando também dos televisivos, porque notícias podem ser vistas, lidas e ouvidas a qualquer tempo, de qualquer lugar, sobretudo num país onde as redes wireless permitem o acesso livre em grande parte dos territórios urbanos e crescentemente também nos rurais.

Essas mudanças – que já passaram também a atingir as classes médias brasileiras urbanas – chamam a atenção dos jornais para pelo menos três pontos: primeiro, que o jornalismo definitivamente não está ligado ao papel; segundo, que não pode ficar de fora da internet, sob pena de perecer; e, terceiro, que é preciso enquadrar-se no espírito da rede mundial de computadores e adotar a interatividade, porque o leitor agora quer interagir, protestar, sugerir, complementar, dialogar e refazer, em novos moldes, a tradicional relação desigual que sempre teve com a mídia.

Narrativa ideal

Iniciado na década de 1990, o jornalismo online é hoje uma atividade inserida na mídia com muita força. Inicialmente com pouquíssima audiência, conseguiu, em pouco mais de uma década, iniciar um processo de construção de identidade e linguagem próprias. E passou a desenvolver um novo modelo de negócio, abrangendo notícias e publicidade. Mas os estudiosos – como Rosental, por exemplo – acreditam que ainda falta muito ‘para que se chegue à consolidação de uma linguagem, de um estilo novo de contar histórias, talvez por meio de uma narrativa verdadeiramente multimídia e interativa’.

Dentre as transformações mais importantes que já começaram a ocorrer, Rosental cita: a desintermediação, isto é, a transferência de parcelas significativas de poder e controle da notícia, para a audiência; a redução do poder do jornalista para filtrar o que as massas devem saber; e o abandono de produtos estáticos em prol de serviços dinâmicos, isto é, ainda que produzam o tradicional jornal impresso (um produto estático), a cada dia, agora os jornais têm de ser serviços contínuos de informação, 24 horas por dia, sete dias na semana. E estes são apenas os primeiros passos, aqueles de que necessitam para deixar de ser monomídia e passar a ser multimídia, qualificando-se junto ao internauta, um egocêntrico convicto, que raciocina da seguinte maneira: ‘Eu consumo a informação que Eu quero, na hora em que Eu quero, onde Eu quero, da fonte que Eu quero e no formato que Eu quero’.

E ainda que não esteja clara a forma narrativa ideal na internet, o público espera que ela mescle texto, fotos, áudio e vídeo. Além disso, o universo temporal da notícia não é mais o dia e sim a hora. O rádio e a TV poderão continuar a reunir os radiouvintes e os telespectadores na hora de cada programa, mas têm agora de preparar-se para atendê-los on demand, nos mais variados horários, via internet. O que o jornal já realiza com o RSS (Really Simple Syndication), que permite ao usuário montar seu próprio jornal, a partir de vários jornais, as TVs e os rádios terão de tornar seus programas disponíveis para os ouvintes e telespectadores, porque somente assim poderão mantê-los fiéis. Mas uma fidelidade que migrará, rapidamente, para cada programa de per se, e não para emissoras como um todo.

Desvendar o futuro

E o que dizer dos blogs? Rosental afirma que mais perigoso do que sobrevalorá-los é subestimar o significado do fato de que dezenas de milhões de pessoas, em todo o mundo, os têm e os lêem. O blog não é, em si mesmo, periodismo, mas é também periodismo e, como tal, assustou, num primeiro momento, os jornais. Agora eles o adotam, estimulam seus jornalistas a terem blogs e disponibilizam espaço em seus websites para que ali os depositem. Mais que isto, alguns jornais passaram a disponibilizar espaço onde seus leitores depositem seus blogs pessoais.

Recentemente o Washington Post, em nome do direito do leitor à diversidade de fontes, passou a colocar em suas notícias links automáticos para todos os blogs que mencionam as mesmas notícias. O leitor pode, assim, ter acesso a variadas abordagens dos fatos, a partir do website do jornal que assina. O conceito de concorrência abandona, portanto, o veículo em si e abraça a qualidade da abordagem.

Há muito mais por vir. No texto de apresentação do Symposium, Rosental Calmon Alves adverte que o real desenvolvimento da internet começa agora, sem a histeria especulativa dos anos 1990. O seguro crescimento, tanto da audiência online, quanto dos lucros, contudo, não dissipou as enormes incertezas sobre o futuro do jornalismo. Pelo contrário, a evolução do jornalismo no contexto da revolução digital impõe uma variedade de ameaças e oportunidades. Entre elas, as principais questões do Symposium de Austin: como os jornais devem tratar a emergência de fenômenos como blogs, redes sociais, jornalismo de cidadãos e conteúdos gerados por usuários em geral; e como reorganizar os esquemas tradicionais de produção de notícias e evoluir da monomídia para a multimídia.

Responder a estas questões é desvendar o futuro do jornalismo.

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Jornalista, mestre em Ciências Sociais pela USP e PhD em Comunicação pela University of Westminster, Londres. Pesquisador 1-C do CNPq, é professor titular do Instituto de Ciência da Informação e docente dos programas de pós-graduação em Comunicação e em Ciência da Informação da UFBA