Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Carlos Eduardo Lins da Silva

‘O caso de Sean Goldman tem os ingredientes para mobilizar leitores e, de fato, eles se manifestam de modo intenso a respeito do assunto.

Sob o ângulo que interessa a esta coluna, o comentário mais frequente que recebi foi o de que a cobertura da Folha teria tomado partido dos parentes da mãe brasileira em detrimento do pai, que é americano.

Não é a minha impressão. É fato que em várias edições o lado da avó brasileira apareceu com muito mais destaque do que o do pai. Mas, em geral, porque ele ou seus advogados preferiram não se manifestar.

Isso não exime o jornal do dever de verificar autonomamente se algumas das denúncias feitas pela família brasileira do menino tinham algum fundamento, como a de que a decisão do presidente do STF que o devolveu ao pai fora motivada pela possibilidade de o Congresso dos EUA cancelar vantagens comerciais usufruídas pelo Brasil.

Aliás, é curioso observar como a publicação de uma acusação grave feita não pela reportagem, mas por uma fonte independente às vezes provoca comoção coletiva e às vezes cai em total indiferença. Nenhum leitor se queixou ao ombudsman para reclamar de o jornal ter editado essa declaração sem apurar a sua possível veracidade.

Muitas outras deficiências podem ser apontadas na maneira como o jornal tratou o caso. Uma delas foi não ter recordado agora, em seu desfecho, que a Folha, o primeiro veículo a divulgar a história (em 16 de setembro de 2008), foi vítima de censura judicial e não pôde voltar a ele por muitos meses porque a Justiça do Rio assim o determinou.

Aqui, também, é interessante observar os dois pesos e duas medidas por parte de leitores. Muitos se pronunciam desde que há mais de cinco meses a Justiça impôs censura a um concorrente em caso que envolve o filho do presidente do Senado, José Sarney, pedindo que este jornal se empenhe mais em protestar contra ela; nenhum se dirigiu a mim para condenar a censura no caso Sean Goldman.

Outra lacuna foi não ter examinado criticamente o evidente assalto à intimidade do garoto cometido pela mídia em geral no Brasil e nos EUA. Com exceção da coluna de São Paulo da página A2 de domingo passado, não houve a indispensável autoanálise sobre o comportamento jornalístico no caso.

Acho que é impossível para um veículo de comunicação não noticiar episódios como este, ainda mais porque os principais envolvidos (as duas famílias) não tiveram constrangimento em usar a mídia para se beneficiar na batalha judicial.

Mas creio que mais cuidados (além de borrar o rosto do garoto nas fotos publicadas) poderiam ter sido tomados para preservar sua privacidade.

Em geral, a cobertura foi reativa e preguiçosa. Registrou as declarações, tentou ouvir todos os lados, reportou os fatos públicos. Mas não foi crítica, não se esforçou em obter informações que não estivessem à disposição, deixou de abrir o leque (por exemplo, mostrando os casos de crianças brasileiras sequestradas por um dos pais e no exterior à espera de decisões judiciais para poderem retornar ao país).

Após ter dado o furo e sido proibida por muito tempo de tratar do assunto, a Folha deveria ter se empenhado mais ao seu final.’

***

‘Em vez de bons casos, figuras tarimbadas’, copyright Folha de S. Paulo, 3/1/10.

‘Final de ano é época de jornal magro e fraco. É verdade que feriados produzem poucos fatos -a não ser imprevistos.

Por isso é o momento apropriado para levantar assuntos que durante o ano não podem ser bem tratados por falta de espaço.

A editoria de Esporte teve gancho perfeito para promover ampla discussão sobre a legislação antidoping com o caso do jogador Jobson (ou Jóbson, as duas formas foram usadas), destaque do Botafogo no final do Campeonato Brasileiro de futebol.

Apesar da riqueza do caso e do personagem, eles foram praticamente ignorados, embora fechassem um ano em que número sem precedente de importantes esportistas brasileiros foram punidos por doping.

O livro e o filme abaixo indicados tratam muito bem do assunto e dão pistas importantes para boas reportagens de avaliação do problema.

A editoria preferiu gastar seu espaço, por exemplo, para previsível retrospectiva do ano com fotos de figurinhas carimbadas, como Ronaldo, Cielo, Kaká & cia.

PARA LER

‘Doping e as Muitas Faces da Injustiça’, de Sabino Vieira Loguercio, editora Age, 2003 (a partir de R$ 37,90)

PARA VER

‘Doping’, de Eriq La Salle, 1996 (disponível para alugar em videolocadoras)’

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‘Onde a Folha foi bem…’, copyright Folha de S. Paulo, 3/1/10.

‘ASSUNTOS MAIS COMENTADOS DA SEMANA

1. Coluna sobre ‘Avatar’

2. Caso Sean Goldman

3. Eleições 2010

ONDE A FOLHA FOI BEM…

SURINAME

Jornal manda enviado especial com rapidez e cobre bem incidente de ataque contra brasileiros no Suriname

ORTOTANÁSIA

‘Tendências/Debates’ traz dois ótimos artigos sobre o importante tema do projeto de lei para legalizar a ortotanásia

…E ONDE FOI MAL

TERRORISMO

Cobertura de atentado contra avião em Detroit demora a vincular o caso com a política americana e a oferecer serviço sobre o que muda no embarque aos EUA

DEBOCHE INSTITUCIONAL

No domingo e na quinta, reportagens de Brasil fazem tratamento debochado do Congresso, o que não tem nada a ver com o jornalismo crítico

PRÓ-MEMÓRIA

Em set.08, o advogado Márcio Roberto Campos foi morto após ter denunciado suposto grupo de extermínio formado por PMS de Osasco. Como está a investigação?’