Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Em busca de um modelo de negócio

Os Estados Unidos e a Europa registraram, no ano passado, queda na venda de jornais. No mundo inteiro, a leitura de sites jornalísticos subiu 200% nos últimos cinco anos, e 8,7% em 2005, segundo a Associação Mundial de Jornais (Wan). Um estudo da American Publishers Association descobriu que 83% de um público entre 18 e 54 acham que ler notícias na internet é tão bom ou melhor que ter um jornal nas mãos.

Por isso, quando o empresário William Dean Singleton, do MediaNews Group, se apresentou como comprador de quatro empresas da cadeia jornalística Knight-Ridder – pelas quais pagou R$ 1 bilhão – muita gente não entendeu. Mas Singleton justificou: ‘O negócio do jornalismo como um todo não está declinando, mas sim mudando. Enquanto os jornais impressos caem de circulação, o noticiário on-line explode. Nossa receita com as mídias eletrônicas cresceu 46% no primeiro trimestre de 2006′.

Notícia = commodity

O chairman do MediaNews está convencido de que as empresas jornalísticas, nos EUA e em todo o mundo, poderão criar um negócio ainda melhor do que têm hoje, fazendo com que os lucros do on-line sejam maiores do que os dos impressos por um raciocínio muito simples: ‘O negócio on-line suplementa o negócio impresso. As pessoas continuarão a comprar jornais de papel pelo resto de suas vidas. Porém, enquanto os leitores on-line procuram informações específicas, aqueles que lêem impressos querem um produto com informações diversificadas, organizadas por um editor. Nos Estados Unidos, mais da metade dos adultos buscam jornais todos os dias. Se acrescentarmos a esse grupo os jovens leitores on-line que conquistamos nos últimos anos, veremos que o público atraído pelas notícias nunca esteve tão grande’.

Se europeus e norte-americanos estão comprando menos jornais, na América do Sul aconteceu o contrário: em 2005 o consumo de veículos impressos cresceu 3,7%. No Brasil, o incremento chegou a de 4,1%, depois de três anos de declínio. A circulação média diária de periódicos atingiu 6,78 milhões de exemplares, contra 6, 52 milhões no ano anterior [Maiores mercados jornalísticos do mundo: China (96,6 milhões de exemplares vendidos/ dia); Índia (78,7 milhões); Japão (69,7 milhões); Estados Unidos (53,3 milhões); Alemanha (21,5 milhões). Jornalismo Online é o futuro do negócio. Aumenta circulação de jornais em todo o mundo. Jornais brasileiros em 2005. In http://www.anj.org.br. Acesso em 5/6/06].

Os economistas atribuem o bom resultado à recuperação econômica do país. Entretanto, outros fatores podem ter contribuído: a alfabetização, o surgimento de veículos para as chamadas classes populares e os jornais gratuitos. Encarada sob esse ponto de vista e juntando o intenso nível de leitura dos sites noticiosos, a indústria jornalística ‘está se expandindo’, como diz o diretor executivo da Wan, Timothy Balding. Singleton acredita que, ‘na medida em que aprendermos a monetizar melhor o negócio on-line, a indústria jornalística se transformará num negócio ainda melhor do que é hoje’.

E como se monetiza o negócio da informação online? A edição diária do The New York Times, depois de oferecer conteúdo gratuito durante anos, resolveu cobrar por seções como, por exemplo, os artigos de opinião. Alguns articulistas se ressentiram de perder público em lugares distantes, países do terceiro mundo onde pagar US$ 50 por uma assinatura corresponde à mensalidade da escola do filho, como ressaltou Thomas Friedman.

O Wall Street Journal adotou o modelo de taxas por informação e o leitorado não reclamou: grande parte tem assinaturas corporativas e os dados que recebe online podem decidir transações. Crê-se, entretanto, que uma idéia é manter as hardnews, as notícias quentes, imediatas, como conteúdo gratuito – seriam as commodities da imprensa -, impondo preços apenas aos produtos especiais.

Moeda de troca

No processo de produção da notícia, a monetização do negócio se dá em termos de economia em tempo e em recursos humanos. As agências, sejam as do próprio veículo, sejam as contratadas, fornecem o grosso do material dos sites noticiosos. Redações estão sendo unificadas – a justificativa é a da não-duplicação de tarefas –, mas obviamente haverá redução na mão de obra. A tendência parece ser investir em computadores, mas não em recursos humanos. Gastar com software, não em treinamento, pois se supõe que as pessoas, jornalistas ou técnicos, já cheguem aos ambientes de trabalho com as ferramentas necessárias. Não se emprega gente de outra maneira.

O pressuposto da velocidade, a concorrência acirrada, a perda de autoridade do jornalista, a mudança na apresentação da informação jornalística – tudo são conseqüências da mutação que as notícias vêm sofrendo para se adaptar às tecnologias. Repórteres já não são os legs’ men de outrora. ‘Jornalista de internet não é para sair na rua’, definiu há pouco tempo o chefe de redação da Folha Online. Aqui, como na Argentina, redatores produzem matérias a partir de conteúdos do mesmo grupo – é o caso do Clarín Global, a empresa do Clarín na internet, que utiliza o Clarín papel, a Rádio Mitre, a rede de televisão Todonoticias (TN), a agência DyN, o Ciudad Internet, site popular da rede – para colocar no ar, durante 24 horas, notícias que o leitor acredita serem em primeira mão.

Também é o modelo do Globo Online e do Uol. Enquanto o Globo Online aproveita, em primeiro lugar, a Agência Globo – pela qual são contratados os repórteres d’O Globo que também fazem matérias para o Online –, o Uol estabeleceu com a Folha Online e mais de 300 outros, entre blogs e sites, muitos deles noticiosos, um sistema de parcerias que lhe permite jogar na tela textos nos quais os redatores não têm a mínima ingerência. Os editores que ficam na redação no centro de São Paulo fazem, no máximo, chamadas para a homepage, destacando assunto que um blog ou site apurou, o que vale tanto para temas políticos, como para TV, moda e beleza.

Não se trata de uma questão moral ou corporativa. O modelo, no momento dado, é este: foi a forma encontrada pelas empresas para sobreviver e para se preservar. No entanto, a bola de cristal, para o jornalismo online no Brasil, ainda não está clara, se se resolver seguir a tendência mundial de juntar as redações. Permanece uma rivalidade surda entre os repórteres do papel e os redatores da internet, o que se observa também na Argentina. Os primeiros são vistos como conservadores e os segundos, como revolucionários inconseqüentes.

Vampiros na internet

A imagem negativa dos profissionais digitais aumenta a distância física e profissional, além da etária, entre os grupos. Do outro lado da cidade ou da rua, os que trabalham no online ainda são encarados com desconfiança, como se fossem vampiros do trabalho dos colegas. No país vizinho eles são chamados de ‘picadores de cables’, o que corresponde aos nossos clipeiros; aqui podem ter outros apelidos pejorativos, como ‘cabeças de alfinete’, em alusão à mania dos jovens de raspar os cabelos, e como se fossem destituídos de cérebro.

Existem outros componentes, ainda na gestão dos recursos humanos: os salários desses novos jornalistas não correspondem aos das antigas. Caso a opção das empresas seja pela união de esforços, vai ser preciso rever a folha de pagamentos e estabelecer índices justos de remuneração. Como as relações de trabalho, na maioria das empresas jornalísticas brasileiras, nunca saíram da idade da pedra – a lei de cinco horas jamais foi cumprida e não se pagam horas-extras – não parece ser agora, em tempos magros, que isso vai mudar.

No modelo monetizado, a notícia continuará o caminho como commodity. No Brasil, segundo dados do Ibope/NetRatings [http://www.mundoinfo.com.br e http://idgnow.uol.com.br], as categorias que mais cresceram em acessos residenciais foram: Viagens e Turismo (93%); Casa e Beleza (67%); Família e Estilo de Vida (48%); Governo e empresas sem fins lucrativos (44%); Educação e Carreira (39%); Automóveis (39%); informações corporativas (38%) e Notícias e Informações (33%). Se considerarmos que grande parte dessas informações é processada sob a forma de notícias, teremos incremento no percentual de 33%. Um dado adicional que reflete o perfil do usuário de internet no Brasil é o uso da banda larga: 62% dos internautas ativos empregam esse tipo de conexão em casa.

O Uol viu subir 66% sua receita publicitária em 2005, enquanto o Terra registrou aumento de 35%. Sistemas cada vez mais aperfeiçoados de colocação de anúncios eletrônicos tendem a expandir a propaganda, para além de banners e janelas popups. Novas opções de comunicação com menor índice de dispersão é o que procuram os serviços de monitoramento de sites e portais – o chamado behavioral targeting. O Google já oferece anúncios de acordo com temas da preferência do leitor. Nesse mundo altamente competitivo, há uma proposta, apoiada pelas operadoras de telefonia, de estabelecer setores privilegiados na internet, um canal premium que disporia de conexões super-rápidas e pelo qual alguns pagariam mais.

Permanecem os velhos impasses: 1) a internet deve continuar igualitária e neutra, um meio de todos para todos? 2) quanto à notícia, como provar que informações corretas e bem apuradas são um bem necessário, essencial à vida e à democracia? O negócio está mudando, mas o jornalista se encontra de novo na encruzilhada gutenberguiana: conseguirá ele resgatar sua função social? Ou, no dizer de Cristina Ponte [PONTE, C. Para entender as notícias. Linhas de análise do discurso jornalístico. Florianópolis: Insular, 2005], como manter suas práticas de ‘historiador do presente, provedor dos mais fracos, vigilante do espaço público, quarto poder, mediador entre fontes de informação e públicos’?

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Jornalista formada em Comunicação pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), mestra em Ciência Política pela UnB, doutoranda no curso de Pós-Graduação em Comunicação