Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A falta que Nelson Rodrigues faz

Assistir à Copa antigamente era uma grande aventura. O fã de futebol tinha a oportunidade de ver jogadores estrangeiros famosos com a camisa de seu país. Hoje, nada é novo. Quem acompanha com regularidade os campeonatos espanhol, italiano, inglês, francês e alemão, na TV paga e até na aberta, conhece os grandes nomes do esporte e até se surpreende: eles jogam melhor nos clubes…


A ESPN Brasil continua dando seus furinhos, apesar da equipe quatro vezes menor do que a global: na manhã de quinta-feira (15/6) o repórter Edu Elias já estava reportando do hospital em Frankfurt que recebera Ronaldo Polêmica na véspera, para exames, enquanto seu colega do Sportv, já à tarde, dizia esperar que o médico da seleção esclarecesse na coletiva prevista ‘o hospital em que foi atendido, os exames feitos etc.’. O canal paulista também tem as mais criativas matérias dos assuntos correlatos ou paralelos à Copa.


Mas o Sportv2 marcou ponto com um programa despretensioso: o Troca de Passes ‘nacional’, feito do estúdio carioca. Eric Faria comanda mesa-redonda com Roberto Assaf, Lúcio de Castro, Milly Lacombe e algum convidado. Foi o único suportável de se ver depois do segundo jogo do Brasil. Muitas críticas à seleção, ao técnico, aos jogadores, sem a exaltação desmedida de alguns comentaristas da ESPN Brasil, que tanto condenam o timinho brasileiro que o telespectador fica sem uma análise fria do jogo. Ora, na rua não se vê ninguém xingando tanto os jogadores (a não ser Roberto Carlos, que parece unanimidade de público e crítica). José Trajano diz que não foi à Alemanha para torcer, e sim para avaliar criticamente. Certíssimo. Só que uma avaliação mais equilibrada e detalhada ajuda o torcedor a fazer um balanço racional da performance do time.


Mídia flamenguista


Ronaldinho se esquiva de um milhão de faltas, aparece em todas as jogadas. Adriano está o tempo todo ajudando na marcação, mas para os comentaristas um pouco se mexe e outro fica estático na área. Somente Zé Roberto e Robinho jogam bem. Isso é cansativo. Se os analistas querem comentar que olhem atentamente o jogo. O melhor de tudo é a verborragia dos ‘técnicos’ brasileiros, esses que perdem o emprego a cada seqüência de cinco derrotas. É tão fácil comentar… O mais destacado é Geninho. Quem presta atenção nos comentários dele no Sportv se impressiona. Parece um gênio grande.


Engraçada a reação dos debatedores Telmo Zanini e Paulo César Vasconcelos, no Sportv, dizendo que a torcida esperava espetáculo do Brasil. Quem criou essa expectativa na torcida foi a Globo e o Sportv… Quando o técnico é Carlos Alberto Parreira nenhum torcedor espera show.


Aliás, ao longo da cobertura pré-Copa, a mídia de TV elegeu alguns favoritos por sua conta e risco. Agora, que tantos deles vêm se saindo assim-assim, mal os menciona. A Inglaterra, por exemplo, ‘empatou’ com o Paraguai, sofreu na mão de Trinidad e Tobago; a Holanda suou com Sérvia e Montenegro e Costa do Marfim; a França talvez nem se classifique. Mas, como os queridinhos atuais da mídia são os britânicos Lampard e Rooney, o holandês Robben e o francês Thierry Henry, pronto, a crítica é mínima. A Espanha faz uns 3 gols de bola parada, inclusive um de pênalti que não houve, e já vira a glória. Sobre a goleada da Argentina, apenas Roberto Assaf – salvo engano – foi de dizer que os sérvios pareciam 11 Ronaldos do primeiro jogo do Brasil: ausentes, sedados. Ah, tenham paciência. O torcedor também vê as partidas.


No cômputo geral, a segunda semana foi bem melhor do que a primeira. Apenas os narradores/apresentadores parecem ainda desarvorados: ‘Já houve algum pênalti?’ (ESPN Brasil); ‘Será que a Fifa vai dar esse gol como contra? Ela anda querendo mudar…’ (TV Globo). O primeiro pênalti ocorrera no primeiro jogo da Espanha, e a Fifa já tinha dado a autoria de um gol a Gamarra, do Paraguai, contra. No mais, ridícula a torcida geral da mídia flamenguista – impressionante o número de profissionais nesse grupo – pelo ridículo Japão, só porque Zico é treinador.


Quem liga?


A comentarista de arbitragem do Sportv é incorrigível. ‘O Benito foi bem’, ‘o Benito isso’, ‘o Benito aquilo’. Benito, senhoras e senhores, é o árbitro mexicano Benito Armando Archundia. A analista é íntima de todos os árbitros da Fifa! Nada perguntem a ela sobre a performance dos juízes. Ela sumiu vários dias do programa, então pensamos, oba, dispensaram a bela. Que nada, ela voltou na sexta, para analisar os jogos apitados por Horácio, Benito…


O pior mesmo foi ouvir alguém dizer que os americanos nem sabiam que os EUA disputam uma Copa. O bem-comportado Luiz Carlos Jr. emendou que nos EUA futebol é coisa de menina. Felizmente, Telmo Zanini corrigiu: um grande jornal da Califórnia deu mais destaque à seleção americana de futebol do que aos play-offs do basquete.


Será que ninguém viu o jogo Itália-EUA? A torcida americana deu um show. Cantou seu hino como poucas, gritou, incentivou o time por 90 minutos, mesmo nos piores momentos, que foram muitos, e mostrou, sim, que entende de futebol: urrava a cada boa jogada da seleção, fazia uuuuuhhhhh quando os jogadores perdiam gols certos (em finalização eles são tão ruins quanto os nossos), vaiava as intervenções do juiz – uma torcida à altura de outra qualquer. Que manteve um duelo espetacular com os tifosi italianos.


Mas quem liga? Os Estados Unidos não jogam, não entendem e nem querem saber de futebol, insiste a imprensa. Pois não deveria. Quanto mais americano gostar de futebol mais o país aceitará diferenças. (Claro, não podem virar torcida organizada palmeirense, corintiana, santista, vascaína, flamenguista, tricolor e botafoguense, que essas levam qualquer país à guerra, mas isso é outra história, da qual a mídia pouco trata). Com essas análises, Nelson Rodrigues, que nada entendia de futebol, segundo Armando Nogueira, faz uma falta danada nas mesas-redondas.