Não se pode chamar de informação, e sim ‘fúria especulativa’, o bombardeio de suposições da mídia esportiva em torno dos problemas do jogador Ronaldo. O crédito da expressão é de Daniel Piza, que em seu blog (15/6) no Estado de S.Paulo criticou a ladainha dos comentaristas esportivos. Poucos assuntos relacionados a uma Copa do Mundo mereceram tanta atenção. Nada mais natural, dado o contingente de jornalistas brasileiros na Alemanha – 1.000, segundo noticiou a Gazeta Online (12/6), devidamente favorecidos pelo fuso horário – e a fama do personagem em questão.
Mas quantidade não quer dizer qualidade. A excessiva exposição midiática do Fenômeno revela a quantas anda o jornalismo esportivo no Brasil, tido por muitos como uma editoria de somenos importância. (Detalhe: desde o início da Copa, em 9/6, a Folha de S.Paulo não dedicou um único editorial à competição.). Na cobertura dos dramas do atacante da seleção sobraram achismos, palpites, ilações, teses, hipóteses, convicções. Faltou reportagem.
Uma vez criado o jogo ‘o que tem Ronaldo?’, cada mídia partiu para sua resposta particular. Embora com jornalistas presentes no palco dos acontecimentos, o jornal O Globo optou por convocar um pequeno conselho de especialistas para discutir o assunto. A psique do craque foi esmiuçada na matéria ‘Psicólogos discutem situação de Ronaldo’ (15/6). Distantes do ‘paciente’, os psicólogos consultados pelo diário carioca se mantiveram no nível do bom senso, e se limitaram a emitir opiniões genéricas sobre o estado do jogador.
Como o fenômeno (sem duplo sentido) permaneceu insondável, prosseguiu-se com o mistério. E tome palpite, uma saraivada deles, suficiente para preencher um manual no estilo ‘o que fazer quando driblado pela notícia e não ficar de mãos vazias’. Há quem argumente que se criou em torno de Ronaldo uma poderosa blindagem, que tem impedido os repórteres de elucidar os fatos. Mas, se for este o caso, caberia indagar: quem blinda? E por quê? Sendo o futebol uma rede de intrigas, nada muito distante da própria política, já estaria de bom tamanho se a mídia se dispusesse a revelar esse jogo de forças ao leitor.
Papo de botequim
Como isso não tem acontecido, não admira que a convulsão de Ronaldo em 1998, na França, permaneça envolta em mistério. E a Nike, que esteve no centro de um sem-número de teorias conspiratórias na época, está uma vez mais na marca do pênalti, com o caso das bolhas. Do diz-que-diz da imprensa, não se leu uma única investigação de relevo por parte da mídia esportiva. O foco recaiu unicamente sobre o aspecto mercadológico da questão. Em sua edição de 12/6, a Gazeta Mercantil, publicação centrada basicamente em economia, tocou no assunto na matéria ‘Bolhas no pé do craque põem em xeque marketing da Nike’. Baseada em depoimentos de especialistas, o jornal concluiu que a empresa saiu ilesa do imbróglio. E ainda transferiu o ônus ao jogador: ‘A Nike conta ainda que Ronaldo recebeu pares de sua chuteira exatamente iguais às que ele já vinha usando há três meses’, escreveu a repórter Sandra Azedo.
Não se trata de desdenhar o esforço de um exército correndo desesperadamente atrás de novidades, como bem notou Nelson Motta, em sua coluna de 16/6 na Folha: ‘Os repórteres sofrem para extrair notícias de onde elas pouco ocorrem – os generais não revelam seus planos de batalha – e para arrancar informações e idéias de atletas de expressão limitadíssima e sob pressão máxima, em batalhas diárias que exigem grande esforço. E muita imaginação’.
O problema é quando essa imaginação se sobrepõe aos fatos, deixando tantas perguntas sem resposta. Ou quando a reportagem passa a se resumir ao simples comentário, especialmente nos programas de TV, que pelo seu formato mais se assemelham a um animado bate-papo de botequim. Ronaldo pode se recuperar e brilhar na Alemanha – ou não. Mas é pouco provável que o rol dos novos problemas que o rondam seja esclarecido até o fim da competição. A mídia, uma vez mais, foi driblada por seu próprio comodismo. E pode perder a Copa.
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Jornalista, editor do Balaio de Notícias