Saturday, 30 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1316

Suzana Singer

‘‘Rodrigo e Talula trocam carícias sob o edredom’; ‘Natália já beijou mulheres’; ‘Diogo gera suspeita’. Essas ‘notícias’ apareceram na semana passada com destaque na primeira página da Folha.com.

Tratavam, como é fácil deduzir, do que se passa no atual Big Brother Brasil, o 11º. ‘Isso é a Folha de S.Paulo, não um tabloide’, tuitou o estudante Bernardo Vidigal, 17, de Belo Horizonte, diante da chamada ‘Kesha diz que sabia tudo sobre sexo antes dos 7 anos’.

O médico Matheus Colombaroli, 35, viu uma contradição: ‘É no mínimo interessante o posicionamento do jornal sobre o trash ‘BBB’. Colunistas falam mal, censuram a Globo, mas, no site da Folha, com link no topo, há notícias e mais notícias sobre o programa, fotos e vídeos. Ou é bom ou não é. Mas vende!’

Matheus se referia à coluna ‘BBB, procura-se um antídoto’, da editora da Ilustrada, Sylvia Colombo (http://bit.ly/ h5aU2w), que dizia ter começado ‘mais um show de horrores, baixarias e merchandising de quinta categoria’. E perguntava: ‘como o público brasileiro deu espaço para que um programa de tão baixo nível resistisse tantos anos?’.

Nada impede que se faça uma boa cobertura de algo considerado de baixa qualidade cultural. Faz sentido, por exemplo, escrever sobre um show que reúne milhares de fãs, mesmo que os críticos da Ilustrada sintam engulhos ao ouvi-lo.

Mas o que a Folha.com está fazendo é diferente. Não há nada de jornalismo em dizer que o ex-marido de Ariadna, a transexual, deve esperá-la após o paredão ou que Diana namorou homens, mas prefere mulheres. São notas que prescindem de apuração, produzidas com o único intuito de alavancar a audiência.

E que audiência! Informações sobre o reality show estão sempre entre as mais lidas, mas parece que os interessados não são muito ligados ao noticiário, já que, escolhido o vencedor do R$ 1,5 milhão, a audiência volta aos patamares anteriores.

‘Goste-se ou não do programa, o ‘BBB’ virou um fenômeno cultural brasileiro que não pode ser ignorado. A Folha.com considera o espaço dado a ele coerente. Isso não quer dizer que se trate do assunto acriticamente’, diz a Secretaria de Redação.

Mesmo sem ‘BBB’, a Folha.com costuma destacar ‘notícias’ de celebridades. Mais uma vez notícias entre aspas, porque são em geral assuntos para lá de irrelevantes.

Nesta semana, o internauta fiel à Folha soube que o ator Bruno de Luca chorou copiosamente porque sua empregada foi embora, que um fã de Liam Gallagher cheirou sua caspa pensando que era cocaína e que o autor Walcyr Carrasco, depois de uma lipoaspiração, usa uma cinta do tipo macaquinho, sem cueca, ‘com o principal de fora’.

Nada contra satisfazer a curiosidade de fãs. Não compartilho a convicção dos radicais defensores do ‘jornalismo de qualidade’, aquele que descartaria qualquer informação que não tivesse um óbvio interesse público. Um jornal feito assim, além de profundamente entediante, deixaria de lado importantes fenômenos culturais de sua época.

Um pouco de fofoca não faz mal a ninguém. Mas com alguma qualidade. Dizer, por exemplo, que George Clooney pegou malária na África faz sentido. Comentar o longo vermelho que a primeira-dama Michelle Obama usou em jantar com o presidente chinês tem alguma relevância. A Folha impressa abriu um espaço simpático, o FolhaCorrida, onde esse tipo de notícia atrai a atenção sem gerar indignação.

O que é injustificável é abolir critérios, publicar cada novo amasso na casa montada pela Globo ou cada tuíte divulgado por algum aspirante a famoso pelo mundo. Mesmo em jornalismo de celebridades, é preciso um mínimo de investimento, tanto criativo como de apuração.

Manter um vale-tudo, em que qualquer coisa vai ao ar, de olho só nos índices do Ibope NetRatings, põe em risco o objetivo da Folha de levar ao meio eletrônico o prestígio que já tem na marca impressa.

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Quando o cão é só o cão

A imprensa vem explorando como nunca a empatia provocada pelos bichos -fofos como os pandas, profetas como o polvo Paul. Nesta semana, a Folha e outros jornais destacaram a fidelidade do Caramelo, que se recusava a sair de perto do túmulo de sua dona, morta na tragédia. Só que o ‘Diário de Teresópolis’ descobriu que aquele cão, chamado John, apenas esperava o seu dono, que estava abrindo covas no cemitério. ‘A barriga’ foi corrigida em texto e em ‘Erramos’, mas deveria nos levar a pensar sobre essa necessidade de criar heróis em cada tragédia.’